Um dia depois de Gilmar Mendes ter
acusado
a Procuradoria-Geral da República de cometer crime de “violação de
segredo funcional”, Rodrigo Janot reagiu com acidez incomum. O chefe do
Ministério Público Federal negou que tenha ocorrido uma suposta
entrevista coletiva em que procuradores, sob a condição do anonimato,
vazaram para os principais veículos de comunicaçao do país nomes de
encrencados na colaboração da Odebrecht. O procurador-geral atribuiu os
ataques ora à “desinteria verbal” ora à “decrepitude moral” do ministro
do Supremo Tribunal Federal.
Janot rodou a baiana ao discursar
para colegas na Escola Superior do Ministério Público da União. Não
citou o nome de Gilmar. Nem precisava. Realçou a seletividade do seu
antagonista, que mencionou a prática do off (conversas em segredo com
jornalistas) na Procuradoria, mas se absteve de lembrar que o
procedimento é usual noutros prédios de Brasília.
“Não vi uma só
palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre essa
imputação do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal
Federal. Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a
devaneios. Mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e
instrumentos legítimos de comunicação institucional.”
— disse
Janot em discurso de encerramento de encontro de procuradores regionais
eleitorais na Escola Superior do Ministério Público.
Janot não
mencionou o nome de Mendes, mas fez uma série de referências que não
deixam dúvidas sobre o alvo de suas críticas. As informações sobre a
suposta coletiva foram divulgadas pela “Folha de S.Paulo” no último
domingo e replicadas por Mendes na tarde de terça-feira. Ao falar sobre o
suposto vazamento dos nomes de políticos da lista de Janot, o jornal
fez referências à prática do off no Palácio do Planalto, no Congresso
Nacional e no STF.
Janot insinuou que Gilmar é que seria dado a
conversar em segredo com repórteres: “…Em projeção mental, alguns tentam
nivelar todos à sua decrepitude moral e para isso acusam-nos de
condutas que lhes são próprias, socorrendo-se, não raras vezes, da
aparente intangibilidade proporcionada pela posição que ocupam no
Estado.”
De resto, o procurador-geral como que repreendeu o
ministro do Supremo por sua proximidade excessiva com o poder:
“Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos
círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder público e
repudiamos a relação promíscua com a imprensa. Vai abaixo a íntegra do
discurso de Janot:
Colegas,
a Lava Jato completou neste mês de março três anos de profícuos
trabalhos. Do que se revelou no curso das investigações, é possível
concluir que existem basicamente duas formas de corrupção no país: a
econômica e a política. Elas não se excluem e, em certa medida, tocam-se
e interagem.
A primeira, sempre combatida e bem conhecida do
Ministério Público, tem fundamentalmente uma finalidade financeira: o
corrupto busca o enriquecimento com a venda de facilidades. Normalmente,
esse tipo de corrupção encontra-se em profusão nas camadas inferiores
da estrutura burocrática do Estado.
A segunda, até então mais
intuída do que propriamente conhecida, é ambiciosa e mais lesiva. O
proveito econômico não está na sua alçada principal, mas antes o poder.
Enriquecer pela corrupção política é mais uma consequência do que
propriamente um objetivo. Busca-se o poder, porque o dinheiro e suas
facilidades chegam de arrasto.
O mérito da Lava Jato foi haver
encontrado o veio principal da corrupção política. Esse tipo de
corrupção, como disse, é de altíssima lesividade social porque frauda a
democracia representativa, movimenta bilhões de reais na clandestinidade
e debilita o senso de solidariedade e de coesão, essenciais a uma
sociedade saudável.
Escolhas para altos postos na estrutura do
Estado, nas suas autarquias e empresas passam a não considerar a
competência técnica do candidato, mas sua disposição para trabalhar na
engrenagem arrecadadora de recursos espúrios destinados à máquina
partidária que o apadrinhou.
Desde o mensalão, essa
realidade já começava a revelar seus contornos com mais nitidez. No
entanto, foi nesses últimos três anos que a dura e inocultável verdade
se mostrou por completo: nosso sistema político-partidário foi
conspurcado e precisa urgentemente de reformas. É necessário abrir
espaço para a renovação o quanto antes, pois a política não pode
continuar a ser uma custosa atividade de risco propícia para
aventureiros sem escrúpulos.
Certamente, essa crise política há
de encontrar o devido equacionamento no âmbito do próprio sistema
democrático. Serão as forças políticas da sociedade, dentro da
institucionalidade, que, após debate e reflexão, devem apontar caminhos
para que levem à quebra do círculo vicioso em que o país se encontra.
A
nós do Ministério Público cabe um papel modesto nesse processo, mas de
grande relevância social. Devemos dar combate, sem tréguas, ao crime, à
corrupção e às tentativas de fraudar-se a lisura do processo eleitoral.
É
nesse contexto que o papel dos senhores, Procuradores Regionais
Eleitorais, avulta em importância institucional. Muitos dos desvios do
poder político podem e devem ser prevenidos e reprimidos, quando for o
caso, já no processo eleitoral.
Precisamos intensificar, assim, a
fiscalização do financiamento das campanhas, combater firmemente o caixa
2 e promover obstinadamente a responsabilização de quem não respeita o
fairplay do jogo democrático e abusa do poder econômico e político para
vencer ilegitimamente eleições.
O filtro do processo eleitoral, do
qual o Ministério Público é importante componente, é
fundamental para melhorar a qualidade de nossa política.
Não é
fácil a nossa missão, bem o sei. Para mim, já se vão 32 anos de árdua
labuta nesta Casa. Tenho afirmado reiteradamente que o Ministério
Público não engana a ninguém e não costuma vender ilusões ou fantasias.
Quem busca atalhos e facilidades, de fato, não terá aqui o melhor
lugar para encontrá-los.
Digo isso porque, mesmo quando exercemos
nossas funções dentro da mais absoluta legalidade, estamos sujeitos a
severas e, muitas vezes, injustas críticas de quem teve interesses
contrariados por nossas ações. A maledicência e a má-fé são verdugos
constantes e insolentes.
Não quero deter-me no fato específico,
mas não posso deixar de repudiar com toda veemência a aleivosia que tem
sido disseminada para o públic nos últimos dias: é uma mentira, que
beira a irresponsabilidade, afirmar que realizamos, na
Procuradoria-Geral da República, coletiva de imprensa para “vazar” nomes
da Odebrecht.
Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e
dadas a devaneios, mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e
desvirtuar instrumentos legítimos de comunicação institucional. Refutei
pessoalmente o fato para os próprios representantes do veículo de
comunicação que publicou a matéria inverídica.
Procuramos nos
distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais
que cortejam desavergonhadamente o poder político. E repudiamos a
relação promíscua com a imprensa.
Ainda assim, meus amigos, em
projeção mental, alguns tentam nivelar a todos à sua decrepitude
moral, e para isso acusam-nos de condutas que lhes são próprias,
socorrendo-se não raras vezes da aparente intangibilidade proporcionada
pela posição que ocupam no Estado.
Infelizmente, precisamos
reconhecer que sempre houve, na história da humanidade, homens dispostos
a sacrificar seus compromissos éticos no altar da vaidade desmedida e
da ambição sem freios.
Esses não hesitam em violar o dever de
imparcialidade ou em macular o decoro do cargo que exercem; na
sofreguidão por reconhecimento e afago dos poderosos de plantão, perdem o
referencial de decência e de retidão.
Não se impressionem com a
importância que parecem transitoriamente ostentar. No fundo, são apenas
difamadores e para eles, ouvidos moucos é o que cabe e, no limite, a
lei. Não somos um deles, e isso já nos basta.
Para encerrar,
compartilho com os senhores a advertência do mestre Montesquieu que
sempre tive presente comigo: o homem público deve buscar sempre a
aprovação, mas nunca o aplauso. E, se o busca, espera-se, ao menos, que
seja pelo cumprimento do seu dever para com as leis; jamais por
servilismo ou compadrio.
”