Além da temática militar, repertório da banda da unidade do Exército destacada para zelar pela Presidência executa sucessos que vão de Michel Teló a Lady Gaga
» Guilherme Amado
Basta os Dragões da Independência despontarem na frente do Palácio do Planalto, às 17h das sextas-feiras, para um punhado de gente logo se enfileirar na Praça dos Três Poderes com a finalidade de assistir à cerimônia de retirada da Bandeira Nacional. O repertório começa discreto, com uma marcha militar. Só a partir da segunda música é que o público se anima. Quando os fardados tocam os primeiros acordes, o público entoa o coro e começa, num movimento quase involuntário, a batucar a mão no próprio corpo. Os mais empolgados até arriscam uns passinhos. É o regente da banda, o capitão Almeida Machado da Costa, que explica o por quê de tanto alvoroço: "É difícil, aqui no Centro-Oeste, alguém ficar parado quando ouve um bom sertanejo". O militar se referia ao hit Ai se eu te pego, de Michel Teló, cereja do bolo da badalada seleção musical que anima as tardes de sexta-feira à frente da sede do Poder Executivo.
É nesse dia que a banda do Regimento de Cavalaria de Guardas — oficialmente denominado como Dragões da Independência — se apresenta, misturando músicas eruditas, como o Hino da Independência, a outras bem populares, entoadas por clarinetes, tubas e trompetes e flautas transversais. Nessa seara, vale tudo: de Victor e Leo a Lady Gaga. O estilo sertanejo, no entanto, leva vantagem, por ser o preferido da maioria dos 85 integrantes, que se dividem em módulos de 25 componentes na apresentação no Planalto. Funcionários do palácio se divertem com a diversidade, chegando a apostar quando um determinado sucesso será executado pelos Dragões. No começo do mês, o público gritou "delícia", quando os militares deixaram a sisudez e embalaram a música-chiclete de Michel Teló. Embora já tivessem ensaiado a harmonia, os Dragões só tocaram o hit porque um menino sugeriu. "O guri gritou, pedindo a música, e nós já tínhamos o arranjo pronto", conta o capitão Almeida.
Aos 55 anos, o sergipano de estatura mediana toca clarinete no Exército há 37. Entusiasma-se ao falar da fanfarra, termo correto para se referir às bandas de cavalaria, e mais ainda quando descreve o repertório que já tocaram. Como a maioria dos integrantes é nordestina, frevo e samba concorrem em pé de igualdade com o sertanejo. "Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Chitãozinho e Xororó, Elvis Presley, Frank Sinatra, Zeca Pagodinho e por aí vai." A escolha é feita pelos próprios músicos, mas a palavra final é sempre do capitão. "Não sou radical, dou espaço para todos opinarem. Mas, quando vejo que alguém não tem bom gosto, fico com o meu gosto mesmo", brinca.
Resistências
Embora a cerimônia seja militar, as músicas populares cumprem o papel de aproximar os militares da sociedade. O argumento ajuda a quebrar eventuais resistências dentro do Exército contra Michel Teló e afins. Sem contar que os músicos gostam de tocar sucessos. "A música do Teló está sendo tocada pelo mundo todo, por que nós não podemos tocar?", questiona o capitão, que não abre mão do repertório tradicional. Ele diz que a música clássica é que treina os instrumentistas. Por isso, faz uma mistura nos ensaios, quase diários, entre o erudito e o popular.
A fanfarra foi criada em 1810 e, desde então, apresenta-se para os chefes de Estado em cerimônias militares, como a que ocorre toda semana. Com apenas dois oficiais, é formada por militares de carreira e temporários. Os temporários devem prestar um exame, mostrando que têm conhecimentos técnicos e habilidades musicais. Hoje, todos são homens, mas a entrada de mulheres é estudada.
O trabalho não se restringe aos ensaios e às apresentações de sexta-feira. Os Dragões têm uma agenda cheia. Levam a música a shoppings, asilos, escolas e associações de pessoas com deficiência intelectual. Mas, salvo quando o mau tempo impede, toda sexta-feira é dia de apresentação no Palácio do Planalto. Nesta semana, os militares ainda não bateram o martelo sobre qual será o sucesso da vez. Uma das concorrentes é Fogo e paixão, em homenagem ao cantor Wando, vítima de uma parada cardíaca no último dia 8.
CORREIO BRAZILIENSE - 26/02/2012
DO LILICARABINA