Corte
também definiu que acordo de delação premiada pode ser anulado se depois
forem descobertos vícios na negociação; julgamento manteve Fachin na
relatoria da delação da JBS.
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira (29) o julgamento sobre a validade da
delação da JBS,
fixando o entendimento de que benefícios a delatores podem ser revistos
ao fim do processo caso eles não cumpram os deveres assumidos no acordo
de colaboração.
O tribunal também firmou o entendimento de que o juiz ou órgão
colegiado responsável pelo caso poderá anular o acordo de delação na
sentença final caso se descubra, no decorrer do processo, fatos que
demonstrem ilegalidades na negociação da colaboração, como por exemplo:
corrupção do juiz, coação de uma das partes, prova falsa ou erro
judicial.
Essa posição foi adotada pela maioria dos ministros após quatro sessões de
julgamento
sobre a delação da JBS. Ao longo da análise, todos os 11 ministros
concordaram que o ministro Edson Fachin deve ser mantido na relatoria.
Nove ministros votaram também para manter a validade do acordo da JBS.
Assim, nada mudou na delação premiada da empresa. Os ministros Gilmar
Mendes e Marco Aurélio Mello, que foram voto vencido, consideraram que
os termos da delação deveriam ser analisados pelo plenário.
Dez dos 11 ministros concordaram também que a homologação do acordo –
ato que dá validade jurídica à delação e permite o início de
investigações –, cabe somente ao ministro relator do caso, numa análise
monocrática (individual). Nessa discussão, somente o ministro Gilmar
Mendes votou para que tal exame ficasse a cargo do conjunto dos
ministros.
A questão mais debatida em todo o julgamento se relacionava a de que
modo os termos do acordo – sobretudo os benefícios pactuados entre os
delatores e o Ministério Público – poderiam ser revistos. À exceção de
Gilmar Mendes, os demais concordaram que eles ficam mantidos no ato de
homologação pelo relator.
Durante os debates, várias proposições foram feitas para definir de
forma mais precisa em que situações o acordo poderia ser revisto. Ao
final, 8 dos 11 aderiram a formulação feita pelos ministros Edson Fachin
e Alexandre de Moraes, segundo a qual os benefícios podem ser revistos
ao fim do processo originado da delação em caso de não cumprimento dos
deveres ou da descoberta de vícios.
Além deles, votaram dessa maneira os ministros Luís Roberto Barroso,
Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Divergiram, em diferentes extensões, para possibilitar mais hipóteses de
revisão do acordo pelo plenário, os ministros Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Após o julgamento ser encerrado, o procurador-geral Rodrigo Janot disse
que a decisão do Supremo "reafirma" a possibilidade de o Ministério
Público fechar os acordos.
"O recado é: o MP, quando faz um acordo, desde que o colaborador cumpra
as suas obrigações no contrato que vai ser aferido, e que não haja
nenhuma ilegalidade, o MP vai entregar aquilo que se comprometeu. Dá
segurança jurídica e confiança no Estado", declarou.
Janot disse ainda que, se alguma irregularidade em torno de uma delação for descoberta, o acordo tem mesmo que ser anulado.
"Se descobre que houve tortura, coação, se descobre que houve colusão
entre Ministério Público e Defesa para feitura do acordo, se esse fato
vem a conhecimento, esse acordo tem que ser anulado mesmo", disse o
completou o procurador.
Para o advogado de Joesley Batista, dono da JBS, a decisão do STF deu mais segurança jurídica para os acordos de delação.
"Sem dúvida [deu mais segurança jurídica], porque primeiro ele
[julgamento] manteve a legalidade desse acordo, ele reconheceu que o
ministro Fachin era o ministro competente para essa homologação,
recoheceu válida essa homologação, reconheceu válido esse acordo e
simplesmente diz que esse acordo pode ser revisitado, pode ser
reanalisado se houver alguma ilegalidade patente ou se ele não for
eficaz. O Supremo afirmou a validade do acordo e repetiu o que lei diz
em relação a sua revisão", disse o advogado.
Veja como se posicionaram os ministros, por ordem de votação:
Primeiro a se manifestar, ainda na sessão de quarta (21), Fachin
defendeu sua permanência à frente dos inquéritos abertos a partir da
delação da JBS, destacando conexão com desvios no Fundo de Investimentos
do FGTS que também beneficiaram a Eldorado Papel e Celulose, do mesmo
grupo empresarial.
Ele também defendeu a manutenção, no momento da homologação (validação
jurídica), dos benefícios pactuados entre os colaboradores e
investigadores.
Para ele, eventual mudança só deve ocorrer ao final de um processo
sobre os crimes nos quais os delatores confessaram participação.
Em voto proferido nesta quarta, Alexandre de Moraes defendeu a mesma
posição de Fachin. Para ele, o Judiciário não pode substituir o “acordo
de vontades” entre o Ministério Público e o delator, “mesmo que o juiz
não concorde” – desde que a escolha dos benefícios seja lícita com
escolhas “legalmente e moralmente previstas”.
“Cada um com a sua função. Qual a função do Ministério Público? É ele,
Ministério Público, dentro da legalidade, que vai fechar o acordo e
homologar perante o relator, que vai analisar o que já foi dito aqui,
sem possibilidade de recurso, sem possibilidade ou necessidade de
homologação por órgão colegiado. Sou totalmente de acordo com o ministro
relator”, afirmou no julgamento.
O ministro também disse que eventual revisão dos benefícios deve ficar
para momento posterior, quando se analisar a “eficácia” da colaboração,
ou seja, se foi efetivamente útil para as investigações.
O ministro Luís Roberto Barroso, primeiro a votar na sessão desta
quinta (22), votou pela manutenção de Fachin na relatoria, elogiando o
trabalho “imparcial e corajoso”, “exemplar, liso, sem concessões” que
tem feito.
“Restou fora de dúvida para mim que essa competência se fixa
efetivamente no ministro Edson Fachin [...] Estou também firmando a
inequívoca legitimidade dos atos do ministro Fachin”, afirmou, para
confirmar os termos do acordo da JBS homologados pelo colega.
Sobre a possibilidade de o relator rever os benefícios, Barroso também
disse que isso acabaria com a segurança jurídica das colaborações.
“A partir do momento em que o Estado homologa a colaboração premiada,
atestando a sua validade, ela só poderá ser infirmada, ser descumprida,
se o colaborador não honrar aquilo que se obrigou a fazer. Do contrário,
daríamos chancela para que o Estado pudesse se comportar de forma
desleal, beneficiando-se das informações e não cumprindo a sua parte no
ajustado”.
A ministra Rosa Weber também votou com Fachin, acrescentando que cabe
somente a ele, e não ao conjunto dos ministros do STF, validar o acordo
da JBS.
Ela lembrou que o Judiciário deve manter as penas fixadas, pelo
"princípio da confiança" e da “boa fé” que se deve ter nas instituições.
Para a ministra, no momento da homologação, cabe apenas verificar se o
acordo não contraria a lei sobre as colaborações e se os delatores não
foram coagidos a depor.
“Cabe ao relator, sim, em decisão monocrática, a homologação do acordo
de colaboração premiada, em juízo de delibação a aferir regularidade,
legalidade e voluntariedade”.
O ministro Luiz Fux também votou a favor de manter Fachin à frente das
investigações e manter os benefícios acordados entre Ministério Público e
colaboradores pelo juiz responsável pela homologação.
Ele destacou a importância da delação premiada para desvendar crimes
sofisticados, especialmente os de “colarinho branco” – praticado por
empresários e políticos, por exemplo – e que ficavam impunes.
“A verificação da legalidade é de quem irá homologá-la”, disse Fux,
ressaltando que a eficácia da colaboração deverá ser analisada
posteriormente. “Quando é que a colaboração premiada produz efeitos?
Quando se revela eficiente a ponto de o processo retratar tudo aquilo
que o colaborador fez no momento da colaboração”, completou depois.
A legalidade, exigida pela lei no momento da homologação, argumentou
Fux, é diferente da eficácia. “Uma vez homologada a delação, somente a
eficácia da colaboração poderá ser analisada no momento do julgamento”,
afirmou. “O órgão colegiado não pode rever os termos da delação, se tudo
for cumprido”, completou depois.i eficaz para desvendar os crimes.
Dias Toffoli lembrou de voto de sua própria autoria na qual disse que a
preservação dos benefícios visa dar “proteção” ao delator, “para que
uma vez tendo cumprido os compromissos, não viesse a sofrer pelo Estado
quanto à não execução do acordado”.
“Lembrando que o estado é um só. Ele fez acordo [...] Não dá para dar
com uma mão e tirar com a outra. Não é lícito ao Estado fazê-lo. É por
isso que a própria lei traz os momentos de verificação”, afirmou o
ministro.
Ele ressaltou que o acordo é um meio de obtenção de prova e por si só
não leva a condenação de pessoas citadas. “Não pode o juiz
impositivamente de ofício alterar as cláusulas e de pronto homologá-las,
porque a homologação pressupõe que haja concordância das partes com as
cláusulas”, completou depois.
“Apreciar os termos do acordo na fase da sentença não significa
revisitá-los para glosa, sob pena de violação do princípio da segurança
jurídica, mas simplesmente estabelecer a eventual correspondência entre o
que foi acordado e os resultados da atividade de colaboração”,
concluiu.
Em seu voto, Lewandowski concordou com a manutenção de Fachin na
relatoria da delação da JBS, por ver relação entre o que executivos da
empresa contaram e fatos já investigados na Lava Jato.
Quanto à validação dos benefícios, o ministro disse que cabe ao
relator, no momento em que esses benefícios chegarem para apreciação do
Judiciário, avaliar a legalidade, mas em sentido “amplo”.
Assim, o relator pode vetar cláusulas que ameacem lesar direitos, que
estabeleçam cumprimento imediato de penas não fixadas, que imponha penas
não previstas na lei, determinem compartilhamento de provas sem
autorização judicial ou divulguem informações que atinjam a imagem de
outras pessoas.
Caso qualquer desses aspectos seja desconsiderado, Lewandowski diz que o
plenário do STF poderá rever as regras do acordo que contrariem alguma
dessas imposições.
“Concordo e me alinho ao voto do eminente relator no sentido de
assentar a prevenção neste caso e para dizer que está hígida a
homologação que fez deste acordo. Com as ressalvas que fiz, poderá o
plenário depois examinar a eficácia do acordo, revisitar os aspectos de
legalidade lato sensu”, afirmou.
Em seu voto, proferido nesta quarta-feira (28), Gilmar Mendes votou
para dar ao colegiado da Corte a prerrogativa de homologar o acordo de
delação, inclusive para rever eventuais benefícios que possam
comprometer direitos fundamentais.
“Estamos debatendo em que medida a homologação vincula a decisão final.
Nos parece certo que a regra é a observância obrigatória do acordo no
julgamento. Assim nos processos, o acordo homologado vinculará o
colegiado. Um ato de tal importância deveria desde logo ser realizado
pelo colegiado”, afirmou o ministro.
Mendes também votou para manter Fachin, mas iniciou seu voto criticando
a forma como as delações são feitas atualmente pela Procuradoria Geral
da República (PGR).
“Não acho que o sistema atual seja bom. Pelo contrário, o delator é
fortemente incentivado a entregar delitos verdadeiros ou fictícios.
Especialmente quando os delatados são pessoas conhecidas”, afirmou.
Ele disse ter conversado com advogados que dizem que os investigadores
apresentam listas de nomes a serem delatados, condicionando os
benefícios à citação dessas pessoas nos relatos.
O ministro acompanhou a maioria para preservar Fachin como relator e a
homologação da delação da JBS de forma individual. Para ele, a análise
nesta fase é “meramente formal” e visa principalmente garantir que o
acordo foi feito espontaneamente.
Cláusulas como benefícios e punições, disse, dependem apenas de acordo do delator com o Ministério Público.
Assim como a maioria, Marco Aurélio destacou que o plenário pode fazer
análise ao final sobre se o acordo foi cumprido. O ministro afirmou
entender que, caso após a homologação surja um fato novo que exija nova
discussão sobre a validade do acordo, o relator apresentará ao
colegiado.
“Se surgir fato novo, o relator, que será o relator do processo crime,
apresentará fato novo ao colegiado julgador”, ressalvou.
Ao votar com a maioria, Celso de Mello elogiou o trabalho do Ministério
Público nas investigações e disse que as garantias dos delatores serão
preservadas. Ele destacou que cabe ao relator, de forma individual,
fazer um controle “efetivo” sobre a legalidade das delações.
Quanto aos benefícios, disse que para usufruir deles, basta ao delator cumprir todas os compromissos assumidos.
“Cumpre enfatizar que o STF garantirá, como sempre tem garantido, às
partes envolvidas nos litígios penais, na linha de usa longa tradição
republicana, o direito a um julgamento justo, imparcial e independente",
afirmou.
Também ressaltou a impossibilidade, por lei, de condenação com suporte
unicamente na delação. “É uma importante limitação de ordem jurídica
para impedir que falsas imputações possam provocar inaceitáveis erros
judiciários, como a condenação de inocentes”, disse.
Por fim, disse que caberá sempre ao Ministério Público provar a culpa do acusado para uma condenação.
Aderindo à maioria, a presidente do STF, Cármen Lúcia ressaltou, ao
final do julgamento, a preservação do acordo feito pela JBS, inclusive
com os benefícios oferecidos aos donos da empresa.
O debate e a decisão sobre esse caso não dizem respeito especificamente
e não vão mudar essa homologação referente e Joesley e Weslet Batista. O
certro é que isso não está em causa para o Supremo. O Ministério
Público escolheu as cláusulas e foi homologado. Não haverá mudança e não
poderia haver”, afirmou.
Ela também defendeu a análise que fez da delação de 77 executivos da
Odebrecht, em janeiro, após a morte do ministro Teori Zavascki, antigo
relator do caso no STF.
“Eu analisei a legalidade com a equipe do ministro Teori e da
presidência, no período de 40 dias. A morte dele não fez com eu parasse.
Foi tudo feito nos termos da legislação, com regularidade. Foi para
honrar a função do meu cargo, nos termos rigorosamente da lei e em
consonância”, afirmou.G1