domingo, 23 de abril de 2017

A bala de prata do Tríplex


Laudo comprova que a ex-primeira-dama Marisa Letícia assinou acordo de compra da cobertura da família Lula no Guarujá
É DELA
Apesar de negar, ex-primeira-dama Marisa Leticia assinou termo para adquirir o tríplex 
Pedro Marcondes de Moura
ISTOÉ
Desde que surgiram as suspeitas de ocultação de patrimônio, a família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega que seja proprietária do tríplex no Guarujá. A cada nova prova, lança uma versão. E foram muitas tentativas para se livrar de investigações e denúncias de crimes, como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Procuradores federais dizem que, nas próximas semanas, poderão usar o que chamam de “bala de prata do caso tríplex.” Até lá ficará pronta a perícia da proposta de adesão firmada pela ex-primeira-dama Marisa Letícia com a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), em abril de 2005, para aquisição de uma unidade no Condomínio Mar Cantábrico, renomeado Solaris. O documento foi apreendido na 22ª fase da Operação Lava Jato em busca e apreensão na entidade. Chamou a atenção dos investigadores o fato de o acordo de compra do imóvel estar rasurado no campo que indica o número da unidade. Em primeiro plano, lê-se 141 como o apartamento em que a família Lula investiu. Só que é possível ver que a inserção do número ocorreu em cima de outro: o 174. Era esta a identificação da cobertura que a família Lula nega ser dona. O apartamento foi renumerado depois para 164 por mudanças na planta. Há ainda outro rabisco no papel que tenta esconder a palavra tríplex. Os investigadores solicitaram uma perícia para evitar recursos da defesa. Na prática, a manipulação não deixa margens a dúvidas de que a ex-primeira-dama chegou a optar pelo tríplex.
A pedido de ISTOÉ, o perito Ricardo Molina examinou o documento. No laudo, ele atesta que o número 141 foi escrito em cima de outro. “(A análise) não deixa dúvidas de que o número existente antes da rasura era 174”, afirma. Outros riscos no documento complicam a família Lula. “Trata-se de uma cobertura com garranchos não legíveis, ou seja, meros rabiscos cuja aparente intenção seria apenas de cobrir a escrita original. Apesar da intensidade dos rabiscos sobrepostos, fica evidente que a escrita original era a palavra “tríplex”. As letras “t”, “r”, “i” e “x” estão bem definidas. Ora, não existe qualquer outra palavra na língua portuguesa, que não seja “tríplex”, que combine esse conjunto de letra”, atesta. Para Molina, a análise do documento mostra que as alterações foram realizadas para mascarar propositalmente os escritos que se encontravam embaixo.
Para os investigadores, a rasura do termo de adesão comprova delito digno de pena de quatro anos de reclusão a quem tiver realizado e justifica até prisão preventiva. Eles acreditam que integrantes da Bancoop, cooperativa ligada ao PT, tentaram alterar a prova. Desde o começo, o ex-presidente evitou dizer que seu apartamento possuía um número. Afirmava que tinha apenas uma cota do empreendimento. Desmentido por depoimentos e entrevistas de proprietários em reportagem publicada por ISTOÉ em janeiro, o instituto que leva o nome de Lula lançou a nota “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”, em que declarou que o apartamento escolhido era o 141. Mesmo assim, não mostrou proposta de adesão do imóvel assinado. Mas por que, então, adulterar e não sumir com o documento ou fazer um novo? Se o termo sumisse, as suspeitas se ampliariam, já que a Bancoop mantém a documentação de outros imóveis. Criar outro seria arriscado.“Tratando-se de documento com número de série e já impregnado com visíveis marcas do tempo, uma falsificação recente deixaria marcas muito evidentes”, afirma o perito Molina. Na casa do ex-presidente Lula, a Polícia Federal apreendeu um termo de adesão em branco do tríplex.
É DELA
Apesar de negar, ex-primeira-dama Marisa Leticia assinou termo para adquirir o tríplex
Como ISTOÉ mostrou na última edição, a decisão da Justiça paulista de enviar a denúncia sobre o caso tríplex do Ministério Público paulista para a Justiça Federal do Paraná trouxe o compartilhamento de provas robustas. Os promotores pediram a prisão do ex-presidente, entre outros, pelos crimes de lavagem de dinheiro e de falsidade ideológica. Os depoimentos colhidos pelo Ministério Público indicam que a Bancoop alterou a numeração dos apartamentos para que a cobertura do tríplex tivesse vista para o mar. Confirmam que Lula visitou o apartamento. A ex-primeira também acompanhou as reformas de mais de R$ 700 mil pagas pela OAS do imóvel que diz nunca ter sido dela.
Foto: Ueslei Marcelino
01.04.16 - DO R.DEMOCRATICA

Temer acha corrupção ‘triste’, mas não faz nada

Josias de Souza

Carlos Drummond de Andrade escolheu como epígrafe do livro Claro Enigma um verso de Paul Valéry: “Les événements m’ennuient”. Significa: os acontecimentos me entediam. Ou me chateiam, numa tradução livre. Michel Temer poderia adotar o mesmo verso como lema de sua gestão. Mais do que revolta, o comportamento do presidente diante da crise moral começa a provocar uma onda de tédio.
Em entrevista à espanhola TVE, Temer concordou com o entrevistador quando ele disse que é triste ter dezenas de políticos acusados de corrupção no Brasil. “Sim, me parece triste, não posso falar outra coisa”, aquiesceu o entrevistado, antes de deixar claro que sua tristeza não tem a menor serventia: “Em relação a essas investigações, temos que esperar que o Poder Judiciário condene ou absolva as pessoas.”
Dois espetáculos não cabem no mesmo palco. Ou no mesmo governo. Dividido entre uma encenação e outra, a plateia não dá atenção a nenhuma das duas. Temer anuncia que está em cartaz a novela das reformas. Mas a hecatombe da Odebrecht faz piscar outra palavra no letreiro: c-o-r-r-u-p-ç-ã-o. A estratégia de Temer é clara: simular desgosto com a podridão e tentar arranca as reformas do Congresso apodrecido.
Noutra entrevista, dessa vez à agência de notícias Efe, Temer reiterou que deseja descer ao verbete da enciclopédia como o presidente que ''reformulou o país''.  Vaticinou: ''A melhor marca do meu governo, será colocar o país nos trilhos.” Bocejos! O presidente parece dar de barato que, na disputa por um lugar no cartaz, o vocábulo “reformas” prevalecerá sobre “corrupção”. Será?
Fernando Henrique Cardoso gosta de dizer que, sob atmosfera caótica como a atual, o Brasil costuma avançar. De fato, a crise atenuou as resistências ideológicas às reformas. As corporações ainda brigam pela preservação de privilégios. Mas estão meio zonzas. Amedrontado, o Congresso talvez se mexa.
Supondo-se que Temer consiga aprovar algum tipo de reforma trabalhista e previdenciária, os efeitos das mudanças serão avaliados mais adiante. A imagem do seu governo, porém, é um problema urgente. Com a popularidade roçando o chão, Temer associa sua agonizante figura a uma tríade de símbolos tóxicos: cumplicidade, suspeição e acobertamento.
Acomodado por delatores no centro de cenas nas quais foram negociadas verbas eleitorais espúrias e propinas milionárias, Temer só não é investigado porque a Procuradoria-Geral acha que ele dispõe de imunidade temporária enquanto estiver na cadeira de presidente. Contra esse pano de fundo enodoado, o presidente passa a sensação de que não dispõe de moral para agir. Daí, por exemplo, a presença de ministros suspeitos no governo.
Quando escuta Temer dizer que fica “triste” com a suspeita de roubalheira que recai sobre tantos políticos, a plateia boceja de tédio. As manifestações do presidente dão sono antes de irritar. Confrontadas com os avanços da Lava Jato, suas palavras mostram que, no Brasil da Lava jato, o pesadelo tornou-se menos penoso do que o despertar.
Em meio aos dois espetáculos que estão em cartaz, Temer se divide. Do ponto de vista econômico, a aura do presidente pertence à modernização. Do ponto de vista político, Temer se esforça para simbolizar o que há de mais anacrônico. Acossado pela hecatombe moral, Temer reage à moda do avestruz: enfia a cabeça na sua pseudo-tristeza. De duas, uma: ou Temer morrerá de tédio ou acabará gritando diante do espelho: “Fora, Temer”. DO J.DESOUZA