Se me
perguntassem antes como seria estrondosa minha passagem por Brasília, teria de
responder: eu não sabia
PIXULEKO, O BONECO DO LULA EM DEPOIMENTO A
SÉRGIO GARCIA
21/08/2015
Perdoe minha imodéstia, mas você conseguiria segurar a onda se
vivesse o que vivo agora? Estou convencido de que sou um caso raríssimo de quem
ganhou fama instantânea sem participar de reality show. Entrei para o panteão
das celebridades. Minha imagem corre o Brasil e o mundo. Minha notoriedade foi
meteórica – surgiu assim que ganhei corpo na manifestação contra a corrupção, em 16 de agosto,
em Brasília. E que corpanzil. Peso 100 quilos e tenho 15 metros de altura.
Imponente como sou, pude ver de cima a enxurrada de camisas amarelas que tomou
a Esplanada dos Ministérios. Fiquei entre emocionado e atônito com a ovação que
recebi. Quem viu a cena sabe que não é exagero: parecia um gol da Seleção
Brasileira.
O REINO DO PIXULEKO O boneco na Esplanada, no protesto do dia 16. Ele provocou resposta do
Instituto Lula (Foto: Ailton de Freitas/AgÍncia O Globo)
Nunca antes na história deste país um boneco se
tornou tão rapidamente símbolo de um protesto nacional. Virei meme, bombei,
quer glória maior? Fizeram montagens em que apareço ao lado de grandes
personalidades, como protagonista de momentos históricos, dentro de filmes e
desenhos animados clássicos. Houve quem criasse nas redes sociais páginas
batizadas de “Lula inflado”, só para me exaltar. Aproveito a ocasião para
esclarecer: “Lula inflado” foi como os manifestantes e a imprensa se referiram
a mim de início. Meu nome é Pixuleko, assim mesmo, com “k”, numa referência ao
apelido dado à propina no escândalo do petrolão. Só fui batizado oficialmente
na terça-feira da semana passada. Chegou a correr na internet um movimento para
a escolha do nome. Cogitaram também “Luleco”, mas desistiram. Soaria como nome
de brinquedo de criança.
Como quase todo mundo, fui concebido entre quatro paredes. Comecei a ganhar vida há dois meses, numa reunião da seccional de Maceió do Movimento Brasil, uma associação de cidadãos críticos do governo. Ali surgiu a ideia de fazer algo diferente na manifestação do dia 16 de agosto. No protesto anterior, essa mesma turma havia levado às ruas um bandeirão de 30 metros pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Precisavam de um novo apetrecho para surpreender. Um dos presentes àquele encontro revelou detalhes da minha origem. É sempre bom conhecer nossas raízes. Nasci com um único objetivo: jogar o ex-presidente Lula no caldeirão das ruas.
Sabe como é, filho bonito tem vários pais. Não se sabe ao certo quem foi o sábio que sugeriu fazer um boneco, mas o certo é que a aprovação se deu por unanimidade. A partir desse momento, tudo passou a ser altamente sigiloso. Minha gestação, que durou dois meses, foi envolta em mistério. Apenas seis pessoas sabiam detalhes do projeto. Esse grupo começou a buscar na internet uma fábrica que me moldasse. O primeiro orçamento feito quase levou a abortar a história: pediram R$ 96 mil. Depois de muita pesquisa, meus pais conseguiram alguém em São Paulo que se comprometeu a me criar por R$ 12 mil. Para bancar a despesa, o grupo fez uma vaquinha. O teor do texto de convocação era enigmático. Falava de uma “grande ação que não podia ser divulgada”. Quando atingiram R$ 6 mil, metade do valor total, veio o sinal verde. Se eu fosse um simples boneco de posto de gasolina, aquele tipo banal, certamente a missão seria mais fácil (e eu, provavelmente, ganharia o apelido de “Lava Jato”). Mas meus pais queriam que eu viesse ao mundo para fazer história.
Sou fruto de uma criação coletiva, daí que desisti de tentar descobrir o autor da ideia de me vestir com uniforme zebrado de presidiário, de número 13-171, e pôr uma bola de ferro em meus pés. Deve ter partido de algum publicitário do Movimento Brasil. Lá tem de tudo: profissionais liberais, estudantes, donas de casa, todos voluntários. O lugar onde fui parido também é um segredo difícil de desvendar. Não há delação premiada que dê jeito. Argumentam que é para preservá-lo de retaliações. Minha gestação foi tensa. Ninguém sabia exatamente que bicho ia dar até que o fabricante mandou minha foto todo inflado – inclusive o ego, é do meu DNA. Foi um alívio geral para a turma que me gerou ver seu devaneio se materializar. Se me perguntam se, naquele momento, eu imaginava aonde chegaria e o sucesso que viria a fazer, respondo: eu não sabia. Não sabia, não sabia de nada mesmo.
Como quase todo mundo, fui concebido entre quatro paredes. Comecei a ganhar vida há dois meses, numa reunião da seccional de Maceió do Movimento Brasil, uma associação de cidadãos críticos do governo. Ali surgiu a ideia de fazer algo diferente na manifestação do dia 16 de agosto. No protesto anterior, essa mesma turma havia levado às ruas um bandeirão de 30 metros pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Precisavam de um novo apetrecho para surpreender. Um dos presentes àquele encontro revelou detalhes da minha origem. É sempre bom conhecer nossas raízes. Nasci com um único objetivo: jogar o ex-presidente Lula no caldeirão das ruas.
Sabe como é, filho bonito tem vários pais. Não se sabe ao certo quem foi o sábio que sugeriu fazer um boneco, mas o certo é que a aprovação se deu por unanimidade. A partir desse momento, tudo passou a ser altamente sigiloso. Minha gestação, que durou dois meses, foi envolta em mistério. Apenas seis pessoas sabiam detalhes do projeto. Esse grupo começou a buscar na internet uma fábrica que me moldasse. O primeiro orçamento feito quase levou a abortar a história: pediram R$ 96 mil. Depois de muita pesquisa, meus pais conseguiram alguém em São Paulo que se comprometeu a me criar por R$ 12 mil. Para bancar a despesa, o grupo fez uma vaquinha. O teor do texto de convocação era enigmático. Falava de uma “grande ação que não podia ser divulgada”. Quando atingiram R$ 6 mil, metade do valor total, veio o sinal verde. Se eu fosse um simples boneco de posto de gasolina, aquele tipo banal, certamente a missão seria mais fácil (e eu, provavelmente, ganharia o apelido de “Lava Jato”). Mas meus pais queriam que eu viesse ao mundo para fazer história.
Sou fruto de uma criação coletiva, daí que desisti de tentar descobrir o autor da ideia de me vestir com uniforme zebrado de presidiário, de número 13-171, e pôr uma bola de ferro em meus pés. Deve ter partido de algum publicitário do Movimento Brasil. Lá tem de tudo: profissionais liberais, estudantes, donas de casa, todos voluntários. O lugar onde fui parido também é um segredo difícil de desvendar. Não há delação premiada que dê jeito. Argumentam que é para preservá-lo de retaliações. Minha gestação foi tensa. Ninguém sabia exatamente que bicho ia dar até que o fabricante mandou minha foto todo inflado – inclusive o ego, é do meu DNA. Foi um alívio geral para a turma que me gerou ver seu devaneio se materializar. Se me perguntam se, naquele momento, eu imaginava aonde chegaria e o sucesso que viria a fazer, respondo: eu não sabia. Não sabia, não sabia de nada mesmo.
PASSEATA Protesto no dia 16. Em São Paulo, houve críticas a Lula na marcha anti-PT
e um ato em defesa dele (Foto: Tiago M. Chiaravalloti/Frame)
Tem uma máxima que diz “baiano não nasce, estreia”.
Foi assim comigo. Havia consenso que minha primeira aparição tinha de ser
apoteótica. A escolha recaiu sobre um palco nobre: a capital da República. Foi
preciso uma intrincada logística para que eu viajasse de São Paulo a Brasília.
Acomodado num pacote de 1,5 metro por 1 metro, embarquei num caminhão de
transporte de carga e cheguei ao Distrito Federal quatro dias antes da grande
manifestação. Numa operação discreta, fui recebido por um grupo da União dos
Movimentos de Brasília. Fiquei hospedado, sem alarde, na casa do analista de
sistemas aposentado Ricardo Honorato, que não contou nada sobre o embrulho, nem
mesmo para a mulher.
A contagem regressiva até o domingo suscitou uma enorme ansiedade. Chegou-se a pensar em antecipar minha aparição para a véspera do grande dia, mas a proposta não vingou. Às 6 horas da manhã de domingo, fui levado no carro do Honorato ao ponto de concentração. Alugaram um gerador para acionar os dois propulsores de ar que carrego acoplados. Foi tenso. Assim que comecei a inflar, uma ventania rasgou a costura ao lado do meu pescoço. Corre daqui, corre de lá, recebi primeiros socorros, com uma fita adesiva larga o bastante para fazer o remendo. Àquela altura, os manifestantes se aproximavam, torcendo para que eu alcançasse as dimensões que o destino me reservou. Deu certo. Às 9h30, eu assomava na multidão, estimada em 25 mil pessoas pela Polícia Militar. Deu-se, então, a epifania. Fui solto das hastes que me fixavam ao chão e flutuei sobre a galera. Nunca esquecerei a consagração nos braços do povo.
A contagem regressiva até o domingo suscitou uma enorme ansiedade. Chegou-se a pensar em antecipar minha aparição para a véspera do grande dia, mas a proposta não vingou. Às 6 horas da manhã de domingo, fui levado no carro do Honorato ao ponto de concentração. Alugaram um gerador para acionar os dois propulsores de ar que carrego acoplados. Foi tenso. Assim que comecei a inflar, uma ventania rasgou a costura ao lado do meu pescoço. Corre daqui, corre de lá, recebi primeiros socorros, com uma fita adesiva larga o bastante para fazer o remendo. Àquela altura, os manifestantes se aproximavam, torcendo para que eu alcançasse as dimensões que o destino me reservou. Deu certo. Às 9h30, eu assomava na multidão, estimada em 25 mil pessoas pela Polícia Militar. Deu-se, então, a epifania. Fui solto das hastes que me fixavam ao chão e flutuei sobre a galera. Nunca esquecerei a consagração nos braços do povo.
Pediram meu comparecimento em outras cidades. Querem fazer de mim
bonequinhos e chaveiros
Virei astro, e um astro incômodo, como prova a
resposta soturna do Instituto Lula à provocação. Nos dias que se seguiram,
Honorato e o microempresário Alessandro Gusmão, dois de meus colaboradores,
receberam mais de 100 ligações solicitando meu comparecimento a outras cidades.
Choveram pedidos de autorização para me reproduzir em bonecos menores e
chaveiros. Honorato e Gusmão não colocaram obstáculo. Diante do sucesso, vão
encomendar um clone meu. Já vi que vida de astro não é mole. Dois dias após a
festa, embarquei num caminhão de volta para São Paulo, a fim de fazer no
pescoço uma cirurgia “plástica” (pegou?). Se convalescer a tempo, é bem
provável que apareça em algum ponto do país – quiçá na capital paulista. De
agora em diante, a exemplo dos grandes artistas, terei uma agenda lotada de
exibições pelo Brasil. Contarei também com um esquema especial de segurança,
pois tenho ciência de que passei a ser um indivíduo visado. Mas não vou
esconder de vocês, não: ser famoso é bom demais. - DO LILICARABINA