O ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, está com a cabeça a prêmio no governo. No Palácio do Planalto, reclama-se da falta de interlocução do ministro com os movimentos sociais. Entre essas organizações, existe outra versão: na verdade, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, encarregado da relação do governo federal com os movimentos sociais, simplesmente está atropelando a concorrência na tentativa de se tornar um "superministro" do governo Dilma Rousseff. Carvalho, segundo um ex-ministros e pessoas próximas ao governo, está obtendo êxito em sua tentativa. Basta observar o protagonismo crescente do antigo chefe de gabinete do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas demissões de seis ministros do atual governo. Ou ler com atenção, no "Diário Oficial da União", o decreto por meio do qual a presidente começou a mudar as regras para as organizações não governamentais.No artigo 5º, a presidente instituiu um grupo de trabalho com a finalidade de "avaliar, rever e propor aperfeiçoamentos na legislação federal relativa à execução de programas, projetos e atividades de interesse público e às transferências de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse, termos de parceria ou instrumentos congêneres". O grupo, que é interministerial, será coordenado por Gilberto Carvalho.
Carvalho já foi chamado de "avatar" de Lula, numa notícia que Dilma leu e não esqueceu. Na primeira oportunidade em que esteve com Carvalho a presidente comentou, bem humorada: "Se você é o avatar de Lula, eu sou o quê?" Carvalho, segundo auxiliares próximos da presidente, não é "superministro", não é "a cara" do governo e nem o nome mais influente do gabinete. É apenas o mais experiente, com a vantagem de também não ser candidato a nada. Após oito anos no governo Lula, é quem melhor sabe medir a temperatura política de fora e traduzi-la para a presidente da República. O ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci deveria ter exercido esse papel, mas caiu quando foram reveladas as cifras milionárias do faturamento de sua empresa de consultoria. Já no episódio da queda de Palocci, Carvalho desempenhou um papel importante: foi ele o portador do convite da presidente Dilma à atual ministra Gleisi Hoffmann. Desde então, a área visível de atuação de Carvalho só fez aumentar. Ele foi o porta-voz do governo nas principais crises, da greve nos Correios à demissão de Orlando Silva no Ministério do Esporte, na última semana.
A rigor, a Secretaria-Geral da Presidência, comandada por Carvalho, deveria fazer a articulação do governo com os movimentos sociais, no campo e nas cidades. Na semana passada, porém, foi o ministro da SGR quem operou praticamente todas as etapas da crise que levou à substituição de Orlando Silva. Ele se reuniu por mais de uma vez com a direção do PCdoB e, quando Silva ainda insistia em ficar quando sua substituição já estava decidida no governo, foi quem declarou publicamente que o ministro do Esporte estava de saída. Na prática, foi quem coordenou o governo na crise, até porque Dilma estava fora do país. No PT, conta-se que Gilberto Carvalho preferiria a nomeação do presidente da Embratur, Flávio Dino, para o Ministério do Esporte, ainda por causa da atuação do deputado Aldo Rebelo, o escolhido, como relator do Código Florestal. O Valor apurou que pelo menos dois outros fatores pesaram na decisão do PCdoB de não mexer em Dino: seu deslocamento para o Ministério do Esporte não era acompanhado da garantia de que o partido manteria a direção da Embratur, e a sigla tem chances reais de eleger quatro prefeitos de capitais, nas próximas eleições, entre as quais São Luís do Maranhão, com Dino. Um desempenho excepcional para um partido nanico (as outras são Porto Alegre, Fortaleza e Rio Branco).
Um ex-colega de Gilberto Carvalho no ministério de Lula analisa a movimentação do secretário-geral em sua tentativa de se tornar um "superministro": ele aproveita a vacilação de alguns ministros atuais para ocupar espaço e delimitar território. Em alguns casos, esse "voluntarismo" vira "cálculo político", segundo essa avaliação. Isso para criar obstáculos a outros ministros e atrair as demandas para si. Alguns exemplos citados: a ligação de Carvalho com a Igreja Católica, sobretudo a Pastoral da Terra, o aproxima muito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outras organizações sociais do campo. Em momentos cruciais, essas entidades preferem correr ao Palácio do Planalto atrás de seus interesses, deixando sem interlocução o ministro da área, o petista baiano Afonso Florence, indicado ao cargo pelo governador da Bahia, Jaques Wagner.
Na reforma ministerial, informa-se no Planalto, Florence pode perder o cargo para Eva Dal Chiavon, secretária da Casa Civil de Wagner, que foi nomeada na terça-feira secretária-executiva do Ministério do Planejamento. Florence rejeita essa triangulação: "Hoje, isso não é fato. Ela será secretária-executiva do Planejamento. Não penso em eleições nem em quem vai ser ministro em março", disse ao Valor. "Estou tranquilo, com dedicação exclusiva e focado na gestão do MDA. Mas política é dinâmica.". O Valor apurou que Florence teve uma conversa com Wagner e Eva para "acertar" sua permanência. Mas, como é deputado federal licenciado, ele sofre "pressão das bases" para assumir seu mandato antes de uma eventual "fritura".
De qualquer forma, como a presidente Dilma Rousseff "não morre de amores" pela questão agrária, é o secretário-geral da Presidência quem tem ditado o ritmo das conversas no campo, segundo um ex-ministro de Lula, dando mais ênfase ao combate à extrema pobreza do que aos incentivos econômicos à agricultura familiar. O presidente do Incra, Celso Lacerda, por exemplo, é muito próximo de Gilberto Carvalho. Florence também não vê problemas nisso: "Para tratar de alguns assuntos, os movimentos devem mesmo procurar o Gilberto. Ele coordena as negociações com os demais ministérios", diz.
Nos movimentos sociais, o status de "superministro" de Carvalho é bem visto. "O Gilberto não substitui os outros, mas chama a responsabilidade, faz interlocução importante, acompanha, escuta e ajuda dentro do governo, inclusive no MDA", diz a coordenadora nacional do MST, Débora Nunes. "Mas não é papel dele fazer a reforma agrária. É do MDA". O presidente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, diz que Gilberto Carvalho "capitaneia" os temas da área. "Ele assumiu um papel mais ampliado, num estilo diferente do [Luiz] Dulci [ex-ministro]", afirma. "Temos relação franca, de dizer coisas boas e ruins, e de pedir a ele interlocução com outras áreas do governo". Membro do conselho político da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Fetraf-Brasil), o atual deputado estadual gaúcho Altemir Tortelli (PT) resume o papel do "superministro" no governo: "O Gilberto é o anjo da guarda dos movimentos, a porta que se abre nos momentos difíceis", diz.
E não é apenas no campo que Gilberto Carvalho tem ampliado seu raio de ação. Em março, quando o governo Dilma completava seu primeiro trimestre, o ministro avançou numa área que presumidamente deveria caber a Carlos Lupi (Trabalho), outro ministro cujo prazo de validade parece vencido - foi na Secretaria-Geral da Presidência que funcionou o gabinete de crise quando as obras do PAC começaram a parar - quase 80 mil trabalhadores cruzaram os braços. Carvalho também levou para a Secretaria-Geral um vice-presidente da CUT, José Lopez Feijóo, para auxiliá-lo, esvaziando ainda mais o ministério de Lupi - o Ministério do Trabalho, a exemplo do Esporte, opera basicamente com organizações não governamentais (ONGs), que estão na linha de tiro da presidente Dilma. Carvalho também operou na demissão do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Nos momentos de maior irritação da presidente com o ministro da Defesa, o experiente Gilberto Carvalho tratava de acalmá-lo. Até que Jobim se inviabilizou de vez, politicamente. O ministro da Defesa permanecera no cargo, na troca de governo, a pedido do ex-presidente Lula. Desde a posse, Dilma já pensava em nomear para o cargo o diplomata Celso Amorim. Quando a situação se definiu, Carvalho foi o porta-voz do convite ao ex-chanceler. Procurado pelo Valor, o secretário-geral da Presidência não atendeu aos pedidos de entrevista.
FONTE: VALOR ECONOMICO