quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Explicações de Lula sobre triplex não têm nexo

Josias de Souza

A deflagração da 22ª fase da Lava Jato deixou Lula irritado. Em nota, ele reclamou da “tentativa de envolver seu nome em atos ilícitos.” O problema é simples de resolver. Se não quiser ser importunado, basta que o ex-presidente demonstre que não é o dono do triplex número 164 A, do edifício Solaris, no Guarujá. Sua assessoria já tentou várias vezes desvincular Lula do imóvel. Mas falta às explicações oficiais algo essencial: nexo.
Batizada de Triplo X, a nova fase da Lava Jato apura a suspeita de que a empreiteira OAS usou apartamentos do agora célebre edifício do Guarujá para camuflar o pagamento de propinas extraídas da Petrobras. Entre eles o triplex que Lula diz não possuir. Vão abaixo as perguntas que o morubixaba do PT já poderia ter respondido:

1. Por que a assessoria de Lula admitiu que ele era o dono do triplex do Guarujá em dezembro de 2014? Em notícia veiculada no dia 7 daquele mês, o repórter Germano Oliveira informou: a Bancoop, Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, que deixara cerca de 3 mil pessoas na mão por causa de fraudes atribuídas ao seu ex-presidente, João Vaccari Neto, entregara a Lula o triplex do Guarujá. Com a falência da cooperativa, a OAS assumira as obras.
O edifício ficara pronto em dezembro de 2013. Mas o apartamento de Lula recebera um trato especial. Coisa fina. Antes unidos apenas por uma escada interna, os três andares foram atravessados por um elevador privativo. O piso ganhou revestimento de porcelanato. E a cobertura foi equipada com um ‘espaço gourmet’, ao lado da piscina.
Ouvida nessa época, a assessoria de Lula declarou: “O ex-presidente informou que o imóvel, adquirido ainda na planta, e pago em prestações ao longo de anos, consta na sua declaração pública de bens como candidato em 2006.” Candidato à reeleição naquele ano, o então presidente Lula de fato havia informado à Justiça Eleitoral que repassara à Bancoop R$ 47.695,38, uma cifra que não ornava com o valor de um triplex.
2. Por que a assessoria de Lula mudou a versão sobre a posse do triplex cinco dias depois de reconhecer que o imóvel pertencia a Lula? Sob os efeitos da repercussão negativa da notícia segundo a qual Lula tornara-se o feliz proprietário de um triplex à beira mar, na praia de Astúrias, uma das mais elitizadas do litoral paulista, o Instituto Lula divulgou, em 12 de dezembro de 2014, uma “nota sobre o suposto apartamento de Lula no Guarujá.”
Primeiro, o texto cuidou de retirar a encrenca dos ombros de Lula. Anotou que foi a mulher dele, Marisa Letícia, quem “adquiriu, em 2005, uma cota de participação da Bancoop, quitada em 2010, referente a um apartamento.” A previsão de entrega era 2007. Em 2009, com as obras ainda inacabadas, os cooperados “decidiram transferir a conclusão do empreedimento à OAS.”
O prédio ficou pronto em 2013. Os cooperados puderam optar entre pedir o dinheiro de volta ou escolher um apartamento. “À época, dona Marisa não optou por nenhuma destas alternativas”, escreveu o Instituto Lula. “Como este processo está sendo finalizado, ela agora avalia se optará pelo ressarcimento do montante pago ou pela aquisição de algum apartamento, caso ainda haja unidades disponíveis.” Nessa versão, a família Lula da Silva estava em cima do muro.
3. Por que a mulher de Lula pegou as chaves de um apartamento que dizia não lhe pertencer? Em 17 de dezembro de 2015, cinco dias depois da nota em que o Instituto Lula alegara que Marisa Letícia ainda hesitava entre requerer o dinheiro investido na Bancoop ou escolher um apartamento no edifício Solaris, moradores do prédio informaram ao repórter Germano Oliveira que a mulher de Lula apanhara as chaves do triplex número 164 A havia mais de seis meses, em 5 de junho. “Todos pegamos as chaves no dia 5 de junho, inclusive dona Marisa”, disse, por exemplo, Lenir de Almeida Marques, mulher de Heitor Gushiken, primo do amigo de Lula e ex-ministro Luiz Gushiken, morto em 2013.
4. Por que Marisa Letícia demorou seis anos para decidir se queria ou não o apartamento do Guarujá? Só em 8 de novembro de 2015 veio à luz a notícia sobre a decisão da mulher de Lula acerca do apartamento do edifício Solaris. Nessa data, o repórter Flávio Ferreira informou que Marisa desistira do triplex. Os assessores de Lula esclareceram que ela acionaria seus advogados para reinvindicar a devolução do dinheiro que aplicara no empreendimento. Considerando-se que a OAS assumira as obras do edifício Solaris em 2009, a ex-primeira dama levou arrastados seis anos para decidir. Cooperados menos ilustres tiveram de decidir na lata, sob pena de perder o direito de exercer a opção de compra.
5. Por que Lula e sua mulher não divulgam os documentos da transação imobiliária e de sua rescisão? Afora a declaração à Justiça Eleitoral, em que Lula informara o pagamento de R$ 47.695,38 à Bancoop até aquela data, não há documentos disponíveis sobre a transação imobiliária e seu distrato. Nenhum contrato, nenhuma rescisão. Nada de recibos. O Instituto Lula informou que Marisa realizou desembolsos até 2010. Quanto pagou? Isso ninguém informa. Tampouco veio à luz uma petição qualquer na qual os advogados da família Lula da Silva reivindiquem a devolução do numerário.
6. Por que Lula, Marisa e Lulinha, primogênito do casal, inspecionaram as obras de reforma do triplex? Inquérito conduzido pelo Ministério Público de São Paulo, sem vinculação com a Lava Jato, revelou indícios de que o triplex do Guarujá integra o patrimônio oculto do casal Lula e Marisa. Eles seriam os proprietários escondidos atrás da logomarca da OAS. Ouviram-se no inquérito uma dezena de testemunhas.
Chama-se Armando Dagre Magri uma das testemunhas. É dono da Talento Construtora. Contou à Promotoria que a OAS contratou sua empresa para reformar o triplex número 164 A. Orçou a obra em R$ 777 mil. Realizou o serviço entre abril e setembro de 2014. Não esteve com Lula. Mas avistou-se com Marisa. Estava reunido no apartamento com um representante da OAS quando, subitamente, a mulher de Lula deu as caras. Estava acompanhada de três pessoas. Descobriria depois que eram o filho Fábio Luís, o Lulinha, um engenheiro da OAS e ninguém menos que o dono da empreiteira, Léo Pinheiro, hoje condenado a 16 anos de cadeia na Lava Jato. Inspecionaram a reforma, atestaram sua conclusão e deram a obra por encerrada.
Zelador do prédio desde 2013, José Afonso Pinheiro relatou ao Ministério Público que Lula também inspecionou as obras do triplex. Esteve no apartamento, por exemplo, no dia da instalação do elevador privativo. Contou que a OAS limpava o prédio, ornamentando-o com flores, nos dias de visita de Marisa. Uma porteira do edifício disse à Promotoria ter visto Lula e Marisa juntos no local em fins de 2013. Em suas notas oficiais, o Instituto Lula não explica o inusitado interesse pela reforma de um imóvel cuja propriedade o casal nega.
7. Por que a OAS devolveria dinheiro à família Lula da Silva depois de ter borrifado R$ 777 mil apenas na reforama do triplex? Levado ao ar pelo Jornal Nacional, na noite desta quinta-feira, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, reiterou: “Esse imóvel não é do ex-presidente Lula e de nenhum parente do ex-presidente Lula. A família do ex-presidente Lula comprou uma cota de um projeto da Bancoop. É só isso que existe. Ele pagou essa cota. Essa cota está declarada no imposto de renda do ex-presidente Lula.”
Inquirido a respeito da reforma feita pela OAS, sob supervisão de Marisa Letícia, o doutor absteve-se de responder. Poderia ter dito, enfaticamente: Lula, Marisa e o filho do casal jamais inspecionaram reforma do predio do Guarujá. O doutor preferiu tergiversar: “Eu não tenho a menor ideia porque houve uma reforma e quem fez esta reforma. Simplesmente porque este imóvel não é do ex-presidente Lula ou de qualquer parente do ex-presidente Lula. O ex-presidente Lula tinha uma cota de um projeto da Bancoop e depois, quando este projeto foi transferido para uma outra empresa, ele tinha duas opções: pedir o resgate da cota ou usar a cota para a compra dum imóvel no edifício Solaris. E ele fez a opção, a família fez a opção, pelo resgate da cota.” De duas, uma: ou a OAS converteu-se de empreiteira em instituição de caridade ou alguém ficará no prejuízo. Ou, por outra, a Lava Jato içará à tona uma terceira versão, a verdadeira.

Um engenheiro e um porteiro no meio do caminho da história da carochinha de Lula

Lula e seus defensores resolveram abraçar o caminho da farsa para não ter de dar explicações claras: a cada vez que surge uma nova evidência de que a história está mal contada, eles gritam: “Ah, querem pegar Lula!”. Digamos que isso fosse verdade e que houvesse tal predisposição, cabe a pergunta: e se ele for pego por coisas que realmente fez? A eventual predisposição de seus adversários o absolve previamente de eventuais crimes?

Por: Reinaldo Azevedo
Bem, a reportagem de ontem do Jornal Nacional, que trouxe o conteúdo do depoimento do engenheiro Armando Dagre ao Ministério Público de São Paulo, parece ter coroado o que, a esta altura, já está claro, não? Dagre foi o responsável pela reforma no apartamento 164 A, no Condomínio Solaris, o tríplex que seria da família do ex-presidente Lula.
O engenheiro conta que a reforma foi contratada pela OAS e teve um custo total de R$ 777 mil, entre instalação de um elevador privativo, construção de uma nova piscina e a troca das escadas. Dagre relatou também o dia em que a mulher de Lula foi conhecer o tríplex. Disse que estava reunido com um representante da OAS no local “quando dona Marisa Letícia adentrou o apartamento acompanhada por um rapaz e dois senhores”. O rapaz era um dos filhos do casal, Fábio Luís, o Lulinha, e os “dois senhores” eram um engenheiro da OAS e o dono da empreiteira, Léo Pinheiro.
A Promotoria também tomou o depoimento do zelador do condomínio, José Afonso Pinheiro, que trabalha no local desde 2013. Questionado se Lula esteve no prédio, Pinheiro disse que já viu o ex-presidente lá. Segundo ele, o chefão petista chegava normalmente em dois carros com seguranças que “prendiam” o elevador para a família, o que provocava reclamações de outros moradores.
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O zelador contou, ainda, que a OAS sempre “limpava o prédio e colocava flores para receber a família do ex-presidente”. No depoimento, José Afonso Pinheiro disse também que um funcionário da empreiteira pediu a ele que não falasse que o apartamento era de Lula e da mulher, “mas da OAS”.
Eis aí: o maior legado pessoal de Lula à cultura política brasileira são as histórias oblíquas, os rolos, as meias-verdades, que mentiras inteiras são. Eis o “homem mais honesto do mundo”, segundo ele próprio, visto de perto, à luz da realidade.
Isso vem de longe, não é?, de um tempo em que a imprensa, ocupada demais em incensá-lo como o demiurgo de uma nova era, achava de maus bofes perguntar como, afinal de contas, ele vivia e quem pagava as contas. Desde sempre houve, por exemplo, um Roberto Teixeira no meio do caminho — o mesmo Teixeira que é o dono oficial, diga-se, do apartamento de Luís Cláudio, aquele filho de Lula enrolado na operação Zelotes. E de quem o advogado comprou o imóvel? De uma offshore que fica num paraíso fiscal.
O que há de ilegal em Luís Cláudio seguir os passos do pai e morar de graça no apartamento de um empresário milionário? Nada! O que há de ilegal no fato de esse empresário ter comprado o imóvel de uma offshore? Nada! O que há de ilegal em ser essa offshore situada num paraíso fiscal? Nada também. Essas coisas acontecem todo dia, não é mesmo? Essa é a rotina das pessoas comuns.
Esse imóvel de Luís Cláudio é avaliado entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões. Seu irmão mais velho, Lulinha — aquele que era monitor de Jardim Zoológico quando o pai chegou ao poder e se tornou um próspero empresário pouco depois, com a ajuda de uma empresa de telefonia de que o BNDES era sócio —, também mora, até onde se sabe, de graça no imóvel de um outro amigo, este um pouco mais caro: estima-se o valor de mercado em R$ 6 milhões. O proprietário oficial é seu sócio, Jonas Suassuna.
Aí há um sítio em Atibaia, também reformado pela OAS, segundo as vontades e os gostos de Lula. Toda a cidade conhece a propriedade como “o sítio de Lula” — até pelo aparato de segurança que toma o local quando o Primeiro Companheiro chega, né? Suassuna é, oficialmente, o dono desse imóvel também.
A coisa toda já começa a assumir ares de comédia vulgar, de bufonaria.
Há algo de errado quando as verdades do “homem mais honesto do mundo” precisam de um mapa desenhado por advogados para que possam ser compreendidas.
Lula e seus defensores resolveram abraçar o caminho da farsa para não ter de dar explicações claras: a cada vez que surge uma nova evidência de que a história está mal contada, eles gritam: “Ah, querem pegar Lula!”. Digamos que isso fosse verdade e que houvesse tal predisposição, cabe a pergunta: e se ele for pego por coisas que realmente fez? A eventual predisposição de seus adversários o absolve previamente de eventuais crimes?
Ninguém mais cai nessa conversa.