Em seis meses, Curitiba deflagrou
quatro fases da operação; fim de equipe exclusiva foi episódio mais
recente do problema, que começou com cortes de pessoal e verbas,
processos administrativos e brigas intern
Ricardo Brandt, enviado especial à Curitiba, Julia Affonso
11 Julho
2017 | 05h00
Redução de pessoal, cortes de verba, falta de incentivo, insegurança
administrativa e brigas internas. Esse é o pano de fundo da extinção, na
semana passada, do Grupo de Trabalho da Polícia Federal, em Curitiba,
que atuava na Operação Lava Jato.
O “desmonte” da força-tarefa já resultou na redução do
número de operações ostensivas, quando são cumpridas ordens de prisões,
conduções coercitivas e buscas e apreensões, da maior ofensiva contra a
corrupção no Brasil – iniciada março de 2014.
Nos primeiros seis
meses do ano foram deflagradas quatro operações da Lava Jato, em
Curitiba, predominantemente originadas de investigações do Ministério
Público Federal. Em 2016, dez fases das investigações tinham sido
deflagradas, em igual período.
Na quinta-feira, 6, a Superintendência da PF no Paraná
anunciou a extinção do Grupo de Trabalho que, desde 2014, atuava
exclusivamente nas investigações do mega esquema de cartel e corrupção,
descoberto na Petrobrás.
A força-tarefa do Ministério Público Federal viu a medida
como um “desmonte” da Lava Jato, deflagrado no final de 2016, e pediu
sua revisão.
+ Fim de grupo de trabalho da Lava Jato na PF é visto como ‘desmonte’
+ Governo reduz equipe da Lava Jato e corta verba da PF
Na prática, delegados e outros policiais da Lava Jato
passaram a atuar em outros inquéritos, paralelamente. São cerca de 100
inquéritos ainda abertos nas apurações do escândalo, entre eles as
apurações do ex-ministro Antonio Palocci e os abertos à partir das
delações da Odebrecht, que serão redistribuídos.
Necessidade. A Polícia Federal nega
desmonte e anunciou no mesmo dia, em nota oficial, e em entrevista
coletiva dada à imprensa pelo superintendente do Paraná, Rosalvo
Ferreira Franco, e pelo delegado da Delegacia Regional de Combate ao
Crime Organizado, Igor Romário de Paula, que se tratava de uma medida
operacional para “otimizar” o trabalho nos inquéritos da Lava Jato.
“Foi uma necessidade investigação. Não foi uma necessidade
de recursos financeiros, mas sim de adequar o recurso pessoal de gente
capacitada para a realidade que a gente tem”, afirmou Igor, na semana
passada.
“Em nenhum momento o grupo da operação Lava Jato foi
extinguido, pelo contrário, ele foi aumentado com a equação que está
ocorrendo”, afirmou o superintendente. Serão 84 pessoas ao todo na
equipe da Delecor.
“O modelo é o mesmo adotado nas demais superintendências da
PF com resultados altamente satisfatórios, como são exemplos as
operações oriundas da Lava Jato deflagradas pelas unidades do Rio de
Janeiro, Distrito Federal e São Paulo, entre outros”, diz a
direção-geral da PF, por meio de sua Divisão de Comunicação Social.
“Foi uma decisão nossa, não foi uma decisão de Brasília. Foi
uma decisão de caráter exclusivamente operacional. Não tem nenhum tipo
de interferência, recado para segurar as investigações, parar os
procedimentos. Foi uma decisão administrativa do ponto de vista
operacional para dar continuidade aos trabalhos.”
O comanda da PF divulgou nota reafirmando seu empenho, em
combate à corrupção. “A Polícia Federal reafirma o compromisso público
de combate à corrupção, disponibilizando toda a estrutura e logística
possível para o bom desenvolvimento dos trabalhos e esclarecimento dos
crimes investigados.”
Pessoal. Desde o início do ano, a equipe
enfrenta redução do número de delegados – de 9 para 4 – e corte de um
terço do orçamento, conforme revelou o
Estadão, em maio.
No ano passado, a equipe de Lava Jato, incluído agentes e
peritos, era de 60 pessoas – na semana passada eram 40. São policiais
que fazem análises de documentos aprendidos, pesquisas de investigação,
cruzamentos de dados e que cumprem as medidas de buscas e prisões.
Para o comando da PF no Paraná, essa redução é natural com o
surgimento de investigações da Lava Jato em outros estados. São 16
unidades da federação atualmente com apurações do escândalo.
O coordenador da Lava Jato explicou que essa redução decorre do compartilhamento de efetivo.
“Se antes eu conseguia um número maior de políciais do Rio
de Janeiro para trabalhar aqui, especializado nesse tipo de
investigações, não faz sentido o Rio liberar para trabalhar aqui se ele
está precisando de reforços. Então esses já não vêm mais. O que eu
conseguia em Brasília, esse nem se fala.”
Verba. O corte de verbas também atinge a Lava Jato desde o final de 2016. Em 21 e 27 de maio, o
Estadão mostrou
que a Lava Jato e a Superintendência da Polícia Federal do Paraná
tiveram quase um terço de seu orçamento cortado neste ano pelo governo
federal.
O Ministério da Justiça destinou para ambos
R$ 20,5 milhões –
R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação – ante os
R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais
R$ 4,1 milhões especificamente
para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. O aperto financeiro é ainda
maior, pois, além da redução, houve contingenciamento de 44% da verba
destinada para a corporação.
As consequências para a Lava Jato são dificuldades para
pagar diárias, fazer diligências e outras ações necessárias à
continuidade da operação, asfixiando financeiramente seus trabalhos.
O
Estadão obteve os dados por meio da Lei
de Acesso à Informação. Eles mostram o quanto a PF gastou com a Lava
Jato desde 2014, início da operação. Naquele ano, os recursos para a
Superintendência do Paraná cresceram 44%, saltando de
R$ 14 milhões em 2013 (equivalente a atuais
R$ 17,9 milhões) para
R$ 20,4 milhões (
R$ 24,4 milhões em
valores corrigidos). Em 2015, o órgão no Paraná manteve o mesmo nível
de gastos. Nesse período, os federais fizeram no Paraná 59 operações,
das quais 21 (35,5%) foram no conjunto da Lava Jato.
+ Força-tarefa da Lava Jato em Curitiba perde 1/3 das verbas
Conforme documentos do Setor de Logística da PF
(Selog/SR/PF/PR), todos os gastos da Lava Jato eram então bancados pela
Superintendência do Paraná. A partir de 2016, notas de empenho próprias
passaram a registrar os gastos específicos da operação – cujos valores
foram obtidos pelo
Estadão.
“Não houve limitação de recursos”, garantiu Igor.
“Eu conheço muito bem o orçamento da Polícia Federal. Não
conheço o orçamento do Ministério Público”, afirmou o coordenador da
Lava Jato na PF.
“Nós temos dificuldades, a equipe foi reduzida em função
desse problemas todos que falei, Sim, sim. Daí a criar um argumento de
que tudo faz parte de uma grande estratégia para abafar a Polícia
Federal, acho um equívoco muito grande. Não há limitação de capacidade
operacional em função de recurso, isso não.”
Sintonia. O mais desagregador elemento do
desmonte na equipe da Lava Jato foi a pressão sofrida por policiais e a
sensação de fim do apoio dado pelo comando da corporação ao avanço das
investigações, à partir de 2016.
O desembarque de delegados da equipe que iniciaram as
investigações em 2013 foi o início da crise. O pedido de saída do
delegado Márcio Adriano Anselmo, origem do escândalo, em meados de 2016
acelerou o desmonte.
Considerado a memória viva da Lava Jato, ele pediu para sair
alegando cansaço e questões pessoais. Em janeiro, Anselmo foi promovido
para corregedor da PF no Espírito Santo. Na semana passada, com a
decisão do fim do grupo de trabalho, foi oficializada a cooperação entre
as polícias do Paraná e capixaba para que Anselmo assessore os novos
delegados da Lava Jato.
Com apenas 4 delegados no extinto grupo de trabalho da Lava
Jato, desentendimentos internos e a sensação de insegurança, com
processos administrativos e investigações internas por abuso de poder,
exposição negativa da imagem da polícia e por trabalhar mal, a equipe
trabalhava desestimulada, desde o início do ano.
Os delegados do Grupo de Trabalho que foi extinto, Filipe
Hille Pace, Renata Silveira da Silva, Dante Pegoraro Lemos e Ivan
Ziolkowski, passarão a ser chefiados pelo novo chefe do Delecor, o
delegado Felipe Hayashi – que integrava a primeira equipe das
investigações em 2014 e havia deixado o grupo.
Ataques. Desde o início de 2016, quando o
governo Dilma Rousseff e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo
questionaram os trabalhos da PF na Lava Jato, a força-tarefa vive sob
ataque contínuo. Mas à partir de janeiro, quando foram homologadas as
delações da Odebrecht, que atingiu a cúpula do governo Michel Temer, as
investigações em Curitiba estão no momento mais agudo de ataques.
Trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e a Receita Federal, a polícia é a espinha dorsal da Lava Jato.
Os trabalhos da força-tarefa revelaram que, à partir de um
esquema de loteamento político das principais diretorias da Petrobrás,
no governo Lula, PT, PMDB e PP passaram a arrecadar de 1% a 3% de
propina em grandes contratos da estatal, em conluio com um cartel
formado pelas maiores empreiteiras do País.
O esquema, que teria durado de 2004 a 2014, abasteceu a base e partidos de oposição, como o PSDB. Um rombo de mais de
R$ 40 bilhões.
Até agora a força-tarefa já contou
R$ 10,3 bilhões recuperados em decorrência de acordos de delação premiada – desse total,
R$ 3,2 bilhões em bens dos réus já bloqueados e
R$ 756 milhões em valores repatriados.
Interferência. Igor nega interferências
políticas ou pressões do governo para mudanças e diz que toda mudança de
efetivo é sensível. “Nosso efetivo, de uma forma geral, ele é muito
limitado. Quando eu tiro qualquer pessoa de qualquer unidade, vai fazer
falta.”
“(
A Lava Jato) Não perdeu a prioridade, a
investigação é muito relevante e tem prioriadade. Só que hoje somos
prioridade, como Brasília também é prioridade, Rio de Janeiro também é
prioridade, Rio Grande do Sul tem investigações, na Bahia tivemos
bastante coisa. Agora são várias prioridades.”
“Uma hora tem que perder o nome Lava Jato.” DO ESTADÃO