sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Joesley Batista: ‘Descobri que eu era um criminoso’


Dono da JBS diz que desconfia que o governo Temer operava para impedir sua delação e relata como se deu conta de que levava uma vida de crimes
Por Thaís Oyama
Veja.com
Conforme a música - Joesley Batista: “Decidi delatar porque vi que as regras do jogo tinham mudado”
(Marivaldo Oliveira/Código19/Agência o Globo)

Joesley Batista ainda não tem coragem de sair de casa. Quatro meses depois de ter acusado 1 829 candidatos eleitos (incluindo um presidente e uma ex-presidente da República) de receber propina de sua empresa, a JBS, ele diz não estar pronto para fazer o “teste da rua”. Acha que, hoje, sua imagem é a de alguém que cometeu uma série de crimes e não foi punido. O empresário diz esperar que suas informações ajudem a desmontar novos esquemas de corrupção. “Na hora em que os nossos anexos começarem a revelar outras organizações criminosas, aí talvez a sociedade vá olhar e dizer: ‘Pô, o Joesley teve a imunidade, mas olha como ele ajudou a desbaratar a corrupção’.” Joesley falou a VEJA em seu escritório da JBS, em São Paulo. Na entrevista, ele relata como se deu conta de que levava uma vida de crimes e diz que desconfia que o governo de Michel Temer operava para impedir sua delação. “Esse Temer que você vê na televisão é falso. O Temer verdadeiro é o que eu gravei. Aquele Temer que fala sem cerimônia”, afirma. Segundo o empresário, o presidente “sempre foi muito direto, ele pedia dinheiro mesmo.” Leia abaixo trechos da entrevista:
Quatro meses depois de assinar um acordo de delação em que o senhor e executivos da sua empresa denunciaram 1 829 candidatos eleitos de 28 partidos, incluindo o presidente da República, o que mudou na sua vida? Ninguém sai de um processo desses como entrou. Esse negócio de virar colaborador da Justiça é muito novo para todo mundo. Um delator não “faz” uma delação simplesmente, ele vira uma chave. Muda sua forma de pensar, de agir. Aqueles amigos que você tinha já não servem mais. Se você mudou realmente, você muda de grupo e passa a enxergar as coisas sob outro ângulo.
Sob qual ângulo o senhor enxergava antes?
Nós somos empresários e os empresários estão subordinados ao Estado. Se os mandatários do Estado negociam com você daquela forma, você acaba achando que opera dentro de um padrão de normalidade. A gente vai ficando anestesiado.

Quando o senhor começou a mudar de ideia?
A primeira vez que a polícia fez busca e apreensão na minha casa foi em 1º de julho de 2016. Graças a Deus eu não estava, tinha acabado de chegar de uma viagem internacional com a minha família. Mas, como tenho câmeras de segurança lá, acessei pelo celular e assisti ao vivo àquele monte de gente andando no meu quarto, pelos corredores. Olhava aquilo parado, congelado. Não é uma coisa com que você esteja acostumado, e eu não estava entendendo o que estava acontecendo. Da mesma forma, acho que a grande maioria dos políticos e dos empresários ainda não entendeu o que está acontecendo. DO .R.DEMOCRATICA

Governo atinge o estágio dos erros amazônicos

Josias de Souza

Diz-se que Julio César tinha sempre do seu lado um serviçal cuja atribuição era a de se aproximar das orelhas do imperador para cochichar de tempos em tempos: “Lembra-te de que és mortal, César”. Imagine quantas turbulências seriam evitadas se, em vez do Eliseu Padilha, Michel Temer tivesse do seu lado alguém para lembrá-lo de vez em quando de que ele também está sujeito à condição humana.
O brasileiro não aguenta mais. Quando parece que está tudo mal —a meta do déficit fiscal estourada, a delação do Lúcio Funaro quase homologada, a segunda denúncia contra o presidente no forno, o centrão feliz, a usina de habeas corpus do Supremo funcionando a vapor pleno— surge o decreto de Temer acabando com uma reserva ambiental do tamanho do Espírito Santo em plena floresta amazônica.
Faltou decididamente a Temer um cochichador para soprar na sua orelha, na hora da assinatura do decreto: “Não mexas com a Amazônia, presidente. Lembra-te de que és mortal.” Ou ainda: “Se beberes, não te aproximes de canetas e de mineradoras.” Como quem estava do seu lado era o Padilha, Temer tascou sua rubrica no tal decreto.
Barulhenta, a má repercussão embarcou junto com Temer no jato presidencial que o levou à China. Membro da comitiva, o ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) trocou um dedo de prosa com o chefe. E mandou divulgar em Brasília, na noite de quinta-feira, uma nota. O texto abre assim:
“O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, após consultar o presidente da República, determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários na área da Reserva Nacional do Cobre e Associados – Renca. A partir de agora o Ministério dará início a um amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. Inclusive propondo medidas de curto prazo que coíbam atividades ilegais em curso.”
Qualquer pessoa está sujeita ao erro, mas só Temer parece decidido a provar que tem vocação para o equívoco. Um presidente pode conviver com o erro por descuido. Mas ir atrás do erro, cortejar o erro, mimar o erro, entregar-se ao lobby de mineradoras… Nesse ritmo, o brasileiro acabará assumindo o papel de cochichador do Temer, gritando alertas desde as ruas.
Em sua nota oficial, o ministro Fernando Coelho escreve que o governo suspendeu a suspensão da reserva por “respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca. No prazo de 120 dias, o ministério apresentará ao governo e à sociedade as conclusões desse amplo debate e eventuais medidas de promoção do seu desenvolvimento sustentável, com a garantia de preservação.”
O texto do ministério cria algo inusitado: o respeito retardado. E avisa que, em 120 dias —período também conhecido como 4 meses— o erro voltará à carga. Com Eliseu Padilha no lugar do cochichador, Temer vai consolidando a impressão de que, no seu governo, entre um erro e outro há sempre espaço para erros ainda maiores, talvez amazônicos. No momento, a frase mais popular em Brasília é: “Sabe o último do Michel Temer?”

Temer tratou a saída constitucional do impeachment como uma porta giratória

Josias de Souza

Quando Dilma sofreu o impeachment, o petismo dizia que as ruas exigiriam a sua volta. Um ano depois, nem o PT deseja tamanho pesadelo. Quando a Presidência lhe caiu no colo, Michel Temer dizia que uma ponte para o futuro levaria o país à prosperidade. Hoje, o futuro do seu governo é um passado que não passa. Se dependesse das ruas, Temer também seria ex-presidente. Mas ele carrega algo que faltou à sua antecessora: uma experiência parlamentar de três décadas.
Com a corda no pescoço, Temer terceirizou sua gestão ao arcaísmo. Fornece, em cargos e verbas públicas, os recursos para alimentar as forças congressuais que, se quisessem, demitiriam mais um presidente da República. Dilma tentou a mesma coisa. Mas ela fazia cara de nojo. E os congressistas puxaram a corda.
Muita coisa aconteceu em um ano. Mas quando a posteridade puder falar sobre esse período desprezando os detalhes, dirá que Temer tratou a saída constitucional do impechment como uma porta giratória. Manteve o país rodando em torno dos seus defeitos como um parafuso espanado. Continuamos às voltas com o desemprego, a ruína fiscal e a roubalheira. Dilma só não acusa Temer de plágio porque sua relação com a verdade é conflituosa.