Josias de Souza
Diz-se que Julio César tinha sempre do seu lado um serviçal cuja atribuição era a de se aproximar das orelhas do imperador para cochichar de tempos em tempos: “Lembra-te de que és mortal, César”. Imagine quantas turbulências seriam evitadas se, em vez do Eliseu Padilha, Michel Temer tivesse do seu lado alguém para lembrá-lo de vez em quando de que ele também está sujeito à condição humana.
O brasileiro não aguenta mais. Quando parece que está tudo mal —a meta do déficit fiscal estourada, a delação do Lúcio Funaro quase homologada, a segunda denúncia contra o presidente no forno, o centrão feliz, a usina de habeas corpus do Supremo funcionando a vapor pleno— surge o decreto de Temer acabando com uma reserva ambiental do tamanho do Espírito Santo em plena floresta amazônica.
Faltou decididamente a Temer um cochichador para soprar na sua orelha, na hora da assinatura do decreto: “Não mexas com a Amazônia, presidente. Lembra-te de que és mortal.” Ou ainda: “Se beberes, não te aproximes de canetas e de mineradoras.” Como quem estava do seu lado era o Padilha, Temer tascou sua rubrica no tal decreto.
Barulhenta, a má repercussão embarcou junto com Temer no jato presidencial que o levou à China. Membro da comitiva, o ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) trocou um dedo de prosa com o chefe. E mandou divulgar em Brasília, na noite de quinta-feira, uma nota. O texto abre assim:
“O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, após consultar o presidente da República, determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários na área da Reserva Nacional do Cobre e Associados – Renca. A partir de agora o Ministério dará início a um amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. Inclusive propondo medidas de curto prazo que coíbam atividades ilegais em curso.”
Qualquer pessoa está sujeita ao erro, mas só Temer parece decidido a provar que tem vocação para o equívoco. Um presidente pode conviver com o erro por descuido. Mas ir atrás do erro, cortejar o erro, mimar o erro, entregar-se ao lobby de mineradoras… Nesse ritmo, o brasileiro acabará assumindo o papel de cochichador do Temer, gritando alertas desde as ruas.
Em sua nota oficial, o ministro Fernando Coelho escreve que o governo suspendeu a suspensão da reserva por “respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca. No prazo de 120 dias, o ministério apresentará ao governo e à sociedade as conclusões desse amplo debate e eventuais medidas de promoção do seu desenvolvimento sustentável, com a garantia de preservação.”
O texto do ministério cria algo inusitado: o respeito retardado. E avisa que, em 120 dias —período também conhecido como 4 meses— o erro voltará à carga. Com Eliseu Padilha no lugar do cochichador, Temer vai consolidando a impressão de que, no seu governo, entre um erro e outro há sempre espaço para erros ainda maiores, talvez amazônicos. No momento, a frase mais popular em Brasília é: “Sabe o último do Michel Temer?”
Temer tratou a saída constitucional do impeachment como uma porta giratória
Josias de Souza
Quando
Dilma sofreu o impeachment, o petismo dizia que as ruas exigiriam a sua
volta. Um ano depois, nem o PT deseja tamanho pesadelo. Quando a
Presidência lhe caiu no colo, Michel Temer dizia que uma ponte para o
futuro levaria o país à prosperidade. Hoje, o futuro do seu governo é um
passado que não passa. Se dependesse das ruas, Temer também seria
ex-presidente. Mas ele carrega algo que faltou à sua antecessora: uma
experiência parlamentar de três décadas.
Com a corda no pescoço, Temer terceirizou sua gestão ao arcaísmo. Fornece, em cargos e verbas públicas, os recursos para alimentar as forças congressuais que, se quisessem, demitiriam mais um presidente da República. Dilma tentou a mesma coisa. Mas ela fazia cara de nojo. E os congressistas puxaram a corda.
Muita coisa aconteceu em um ano. Mas quando a posteridade puder falar sobre esse período desprezando os detalhes, dirá que Temer tratou a saída constitucional do impechment como uma porta giratória. Manteve o país rodando em torno dos seus defeitos como um parafuso espanado. Continuamos às voltas com o desemprego, a ruína fiscal e a roubalheira. Dilma só não acusa Temer de plágio porque sua relação com a verdade é conflituosa.
Com a corda no pescoço, Temer terceirizou sua gestão ao arcaísmo. Fornece, em cargos e verbas públicas, os recursos para alimentar as forças congressuais que, se quisessem, demitiriam mais um presidente da República. Dilma tentou a mesma coisa. Mas ela fazia cara de nojo. E os congressistas puxaram a corda.
Muita coisa aconteceu em um ano. Mas quando a posteridade puder falar sobre esse período desprezando os detalhes, dirá que Temer tratou a saída constitucional do impechment como uma porta giratória. Manteve o país rodando em torno dos seus defeitos como um parafuso espanado. Continuamos às voltas com o desemprego, a ruína fiscal e a roubalheira. Dilma só não acusa Temer de plágio porque sua relação com a verdade é conflituosa.
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