sexta-feira, 10 de maio de 2019
Quando a lei existe para proteger o crime, escreve J. R. Guzzo em sua
coluna na Veja da próxima semana ("Garantistas"), defender a lei é
defender o criminoso:
Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha
ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser
conversa de botequim no Brasil desde que a Operação Lava-Jato começou a
incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na
vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia
podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas,
gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir
fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra
completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos
seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da
lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa
turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua
missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de
defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o
seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.
Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo
com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente
nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos
residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso
sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o
diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu
dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da
13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito
às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era crime,
claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito.
Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime
privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas
nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e
uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos
magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu
gabinete de trabalho, em 1549.
Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal
apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no
Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra
consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve
ter mais direitos do que quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar
dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou
que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é
culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido
linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e
outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso
está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra
coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei
para desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam
das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando
fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de
tornar a lei uma ficção inútil.
Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta,
inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia
essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da
autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema
começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo
ao crime. O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é
indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais venham
a ser as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser
obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o
crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a lei, na realidade
prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse
objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de
nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do
acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da
sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.
“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem
joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia
milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos
preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda
podre do STF. DO O.TAMBOSI