domingo, 19 de agosto de 2018
Tido como
guardião da Constituição, o STF tem estarrecido o país com algumas
decisões, como a proferida pelo ministro Dias Toffoli, que libertou o
mensaleiro Zé Dirceu, apesar de condenado a mais de 30 anos de prisão. E
vale lembrar que o ministro foi advogado do PT. Artigo de Ana Lucia
Pereira, via Gazeta do Povo:
Em 26 de
junho de 2018, o ministro Dias Toffoli proferiu decisão na qual
concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus em favor do ex-ministro da
Casa Civil José Dirceu, condenado por corrupção passiva, crimes de
lavagem de dinheiro e organização criminosa pela Justiça Federal no
Paraná. A decisão de Toffoli foi proferida por ocasião do julgamento da
Reclamação Constitucional 30.245, ainda não concluído.
Em
referida Reclamação, a defesa de José Dirceu apontou ao STF a
inconstitucionalidade de decisão do TRF-4 que determinara, à 13.ª Vara
Federal de Curitiba, o imediato cumprimento da pena imposta ao
condenado, quando do esgotamento daquela instância recursal de
jurisdição. Todavia, e ao contrário do que argumentado pela defesa, não
havia inconstitucionalidade na decisão do TRF-4. A decisão do Tribunal
Regional Federal foi proferida em sintonia com jurisprudência
consolidada no STF, segundo a qual é autorizado o cumprimento de pena
após decisão condenatória em segundo grau de jurisdição.
Nada
obstante, referida Reclamação pretendia fazer crer que a decisão do
TRF-4 contrariava o que decidido pelo STF em julgamento de caso
específico – o habeas corpus 137.728/PR. É que, nesse HC, o STF
determinou a substituição de prisão preventiva aplicada a José Dirceu
por medidas cautelares diferentes da prisão, dado que inexistentes os
pressupostos autorizadores da preventiva. Ou seja, no entender da
defesa, ao mandar executar imediatamente decisão condenatória, o TRF-4
estaria a descumprir a decisão proferida pelo STF no HC 137.728, que
mandava soltar o mesmo réu. Ocorre que, como observado pela
Procuradoria-Geral da República no julgamento da Reclamação, o HC
137.738 cuidava de questão diversa: discutiam-se ali os pressupostos de
prisão preventiva aplicada a Dirceu, sendo que a ordem do TRF-4
determinava o imediato cumprimento de “prisão-pena”, ou seja, prisão
decorrente de decisão condenatória.
No
julgamento da Reclamação, Toffoli acolheu a observação da
Procuradoria-Geral da República. Explicou, inclusive, que, muito embora
guarde entendimento pessoal diverso, “à luz do princípio da
colegialidade, tenho aplicado o entendimento predominante na corte a
respeito da execução antecipada”. Todavia, e apesar da ressalva, mais
adiante Toffoli adota conduta que resulta em fazer valer justamente o
seu posicionamento pessoal sobre o entendimento consolidado do tribunal:
o ministro concede uma ordem de ofício para determinar a soltura de
José Dirceu, sob o fundamento de que uma tese apresentada pela defesa do
condenado, na Reclamação, tinha plausibilidade jurídica.
Observe-se
que a tese apresentada pela defesa e à qual se referiu o ministro
relator nem sequer era objeto da Reclamação Constitucional, então em
julgamento pelo tribunal. A tese apresentada marginalmente pela defesa
dava conta de informar a possível prescrição da pretensão punitiva do
Estado sobre José Dirceu, dada a idade do réu na data da condenação (70
anos). O cálculo da prescrição da pretensão punitiva, nesse caso, foi
feito pela defesa com base em pena definida em concreto. Ocorre que essa
pena pode mudar. Afinal, o Ministério Público Federal, autor da ação
penal originária, apresentou Recurso Especial ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) visando justamente a alteração da pena imposta ao réu.
Quando
Dias Toffoli concede ordem de habeas corpus de ofício com base na
possível prescrição da pretensão punitiva do Estado em face do réu, está
a descumprir comando constitucional que atribui ao STJ competência para
análise de Recurso Especial interposto de decisões proferidas por
instâncias ordinárias de jurisdição (no caso, do TRF-4). De fato, o STJ
está a analisar Recursos Especiais que podem vir a modificar a
dosimetria da pena aplicada ao condenado, resultando em alterações
quanto à possível prescrição dos crimes que lhe foram imputados. Houve,
portanto, no caso, supressão de instância e usurpação de competência por
parte do STF, dado que incorreto calcular ou supor, no caso, possível
constrangimento ilegal ao preso.
A
Reclamação Constitucional 30.245, objeto deste artigo, foi devolvida ao
relator para inclusão em pauta de julgamento após pedido de vista do
ministro Edson Fachin. Espera-se que, por ocasião do julgamento, Toffoli
revise seu posicionamento, porque contrário à ordem constitucional e ao
sistema recursal brasileiro.
Ana
Lucia Pereira, mestre e doutora em Direito Constitucional e pós-doutora
em Processo Constitucional, com doutorado-sanduíche em Teoria do
Direito, é professora na Universidade Católica de Brasília e autora de
livros e artigos na área de Direito Público. A autora agradece à
professora Mariel Muraro pelo esclarecimento de questões relacionadas ao
tema. DO O.TAMBOSI