sábado, 12 de novembro de 2016

Aos sem-voto, resta a mazorca

 Em países onde vigora o Estado de Direito, o direito à manifestação é respeitado, mas a baderna e a desordem, não

Bem que Guilherme Boulos, o notório líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), avisou que iriam “virar rotina” os bloqueios de avenidas e estradas como forma de protesto por parte dos “movimentos sociais” que perderam seus privilégios depois do impeachment da petista Dilma Rousseff.
É espantoso que sobre esses grupelhos, que agem evidentemente como marginais, ainda não tenha recaído o peso da lei. Em países onde vigora o Estado de Direito, o direito à manifestação é respeitado, mas a baderna e a desordem, não. A falta de pulso para lidar com delinquentes que decidem infernizar a vida dos cidadãos comuns quando lhes dá na veneta, sem que por isso sejam devida e legalmente reprimidos, alimenta a sensação de que tudo podem.
Portanto, o que aconteceu ontem em São Paulo e em diversas cidades do País, onde manifestantes impediram milhares de pessoas de chegar aonde pretendiam e atender a seus compromissos diários, vai mesmo “virar rotina” – pelo menos até que o poder público resolva cumprir seu papel de guardião da segurança e dos direitos de todos, sem concessões.
O mote do tumulto de ontem foi a chamada PEC do Teto, a Proposta de Emenda Constitucional que visa a colocar um fim na gastança desenfreada que quebrou o País durante o mandarinato lulopetista. O motivo, claro, é o de menos. Para a tigrada, o que importa é criar problemas para o governo de Michel Temer, na presunção de que, se as medidas tomadas pelo presidente fracassarem e se for criado um clima de confronto social, o eleitor voltará para os braços do PT e seus associados.
Feitas as contas, é apenas isso o que restou aos petistas e companhia: promover a mazorca. De uma hora para outra, o outrora robusto capital eleitoral do PT derreteu, em meio às evidências de envolvimento de seus principais dirigentes em cabeludos escândalos de corrupção e depois que o País afundou numa brutal crise econômica causada pelas irresponsabilidades de Dilma Rousseff, criatura inventada pela soberba do chefão Lula da Silva. O eleitor, enfim, cansou-se do engodo petista, negando-lhe os votos de que o partido se julgava dono e que pareciam lhe garantir o poder eterno.
É claro que, por não terem nenhuma vocação democrática, os petistas, em lugar de admitir seus erros, preferiram criar toda sorte de teorias para justificar sua queda. A principal delas é a de que existe um complô – ou um “pacto diabólico”, conforme definiu Lula – das “elites” para erradicar o PT e acabar com os direitos dos trabalhadores. Para denunciar essa tal conspiração, os petistas resolveram colocar a tropa na rua, prejudicando principalmente os trabalhadores que eles dizem defender.
O movimento de ontem, chamado de Dia Nacional de Greves e Paralisações, foi liderado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Frente Povo Sem Medo, pela Frente Brasil Popular e outros tantos grupelhos inconformados com a democracia. Sem representarem nada além de seus chefetes e privados do acesso às tetas estatais em que mamaram durante os anos de bonança lulopetista, eles investem na confusão. Apresentam-se como defensores dos trabalhadores e atribuem ao governo Temer a pretensão de fazer o ajuste fiscal à custa dos mais pobres, o que tornaria legítimo o movimento paredista.
No entanto, como os eleitores deixaram claro nas urnas, essa patranha não cola mais. Mesmo os antigos simpatizantes do PT perceberam que a atual aflição dos trabalhadores resultou da funesta experiência desse partido no poder federal, replicada em maior ou menor grau em quase todos os Estados. Foi o gasto público irresponsável que condenou o País à recessão, ao desemprego e, pior, à falta de perspectiva. O mínimo a fazer, como esperam todos aqueles que têm de trabalhar para viver, é interromper essa sangria e recuperar as contas públicas, de cujo equilíbrio dependem a manutenção dos serviços essenciais para os mais pobres e a retomada da geração de empregos. E, não menos importante, é também obrigação dos governos, em todos os níveis, não permitir que os derrotados nas urnas se tornem senhores das ruas. DO ESTADÃO

EDITORIAL DO ESTADÃO: Direitos em confronto

 No caso das ocupações das escolas e universidades federais, tanto direitos individuais como o interesse público foram claramente afrontados pelos invasores

Em Washington, onde acompanharam a eleição presidencial norte-americana como observadores convidados, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki e Gilmar Mendes manifestaram-se sobre as recentes ocupações de escolas do ensino médio e universidades federais. Em seminário promovido pelo Brazil Institute do Wilson Center, sempre falando em tese, uma vez que a questão ainda pode ser submetida a julgamento do STF, os ministros asseveraram que não existem direitos ilimitados e não há liberdade de uns que possa extrapolar os direitos de outros. É tal o grau de empobrecimento do debate sobre as questões nacionais, em grande medida resultado da contraposição rasteira entre “nós” e “eles” engendrada pelo lulopetismo, que às vezes é preciso que duas das mais altas autoridades do Poder Judiciário venham a público dizer o óbvio.
O direito de manifestação deve ser garantido como um direito que caracteriza o regime democrático. Todavia, o mesmo regime estabelece limites que visam a resguardar outros direitos individuais e o interesse público. Não fosse este sistema de pesos e contrapesos capaz de equilibrar interesses circunstancialmente opostos, viveríamos em uma sociedade à mercê de qualquer indivíduo ou grupo que, a pretexto de um direito alegado, ferisse outras garantias democráticas, dando início a uma espécie de “guerra de direitos” cujo resultado seria a anomia e a exacerbação da violência. E quanto mais pobre o debate de ideias, mais espaço ganha o uso da força como mecanismo de convencimento.
No caso das ocupações das escolas e universidades federais, tanto direitos individuais como o interesse público foram claramente afrontados pelos invasores. A pretexto de se oporem à PEC 241 – agora PEC 55, em tramitação no Senado –, proposta que estabelece um teto para os gastos públicos, e à MP 746, que trata de uma ampla reforma do ensino médio, os manifestantes impediram que 271 mil inscritos no Enem pudessem realizar as provas nas datas inicialmente programadas, impondo a estes e a seus familiares um dano de ordem emocional incalculável e aos cofres públicos, um rombo de R$ 15 milhões, custo estimado pelo MEC para realizar um exame não previsto nos dias 3 e 4 de dezembro. Além disso, milhares de alunos que não aderiram às ocupações e desejavam continuar seus estudos também correm o risco de perder o ano letivo pela interrupção das aulas e ausência de um plano de reposição factível.
Usados pelo PT e por entidades afiliadas ao partido, como a UNE e a Ubes, os estudantes, na verdade, são instrumentos de uma luta política cujo único objetivo é dar eco a teses fragorosamente derrotadas nas urnas. Sem dedicar muito esforço à análise das variáveis envolvidas em ambas as propostas contra as quais dizem se manifestar, conferem a seus argumentos a profundidade de uma apostila. Que jovens em formação ignorem todas as implicações de seus atos pode ser entendido, com alguma dose de boa vontade, como uma etapa do processo de amadurecimento social. Entretanto, o mesmo não se pode dizer dos que os exploram para fins diversos daqueles que os fazem acreditar. Tão frágil é a adesão desses jovens à “causa”, que muitos deixaram as ocupações para realizar o Enem em outras escolas onde as provas eram aplicadas normalmente, exercendo, assim, o direito que arrogantemente negaram a outros estudantes.
Não se pode fechar os olhos para os problemas crônicos do sistema educacional no País. São legítimas as reivindicações pela melhoria da qualidade do ensino, pela valorização dos professores e pela oferta de condições dignas ao exercício do magistério. No entanto, o maior dano que se pode impingir a uma causa justa é atribuir-lhe um sentido enviesado. Ao optarem por ocupações que violam direitos ao invés de aprofundarem o debate por meio de argumentos sólidos a respeito das propostas apresentadas pelo governo, os invasores de escolas contribuem para o aprofundamento da crise em que está mergulhada a educação pública no Brasil há muitas décadas.

Faltam à reestruturação do PT quadros e ideias

A surra eleitoral ajudou a expor o tamanho da crise pela qual passa o PT. É proporcional a dois fenômenos que grudaram na estrela vermelha: a ruína econômica e a degradação ética. Os petistas dividem-se entre a evasão e a falta de rumo. Quem optou pela fuga busca a melhor oportunidade. Os outros adaptam-se às circunstâncias. Os céticos avaliam que o partido, como está, não tem futuro. E os cínicos fingem que não há um passado.
Em fase de reorganização interna, o PT marcou o seu 6º Congresso Nacional para os dias 7, 8 e 9 de abril de 2017. Será o encontro da virada, anunciam os líderes do grupo de Lula, ainda majoritário. Será? Faltam três coisas para a reestruturação da legenda: desconfiômetro, quadros e ideias.
A ausência de desconfiômetro impede o PT de reconhecer os seus erros. A escassez de quadros mantém a legenda acorrentada a Lula e sua rotina penal. A inexistência de ideias dá ao partido uma aparência de cachorro que acaba de cair do caminhão de mudança. Não é que os petistas tenham dificuldades para encontrar soluções. Em verdade, eles ainda não enxergaram nem o problema.
No documento de convocação do Congresso partidário, o PT anuncia que fará “oposição implacável” ao “governo usurpador” de Michel Temer. Critica a emenda constitucional do teto dos gastos federais, a reforma da Previdência e a reformulação do ensino médio. As críticas são natimortas. Falta-lhes nexo.
Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda de Temer, serviu à gestão Lula como presidente do Banco Central. Só não virou ministro de Dilma porque a criatura rejeitou o conselho do criador. Nelson Barbosa, último titular da Fazenda no governo Dilma, também flertou com um modelo de teto de gastos. Madame caiu antes que ele pudesse inplementá-lo. A reforma da Previdência também compunha o cardápio anticrise de Dilma.
Quanto à reforma do ensino médio, o PT poderia acusar Temer de plágio. Dilma fez da modernização do ensino médio bandeira da campanha presidencial de 2014. Há vídeos disponíveis na internet. Neles, a então candidata prega o mesmo modelo sugerido sob Temer: definição de um currículo comum e enxugamento do número de disciplinas. Madame chegou mesmo a insinuar que matérias como filosofia e sociologia seriam dispensáveis. É como se agora, apeado do poder, o PT assumisse o papel de Narciso às avessas. Acha feio o que é espelho.
O Congresso do PT é vendido como um “instrumento de reorganização, renovação, revitalização e retificação de nossas práticas internas, mas também de nossas relações com a sociedade.'' Ai, ai, ai.
Não há reorganização sem um mínimo de unidade. Num partido cujos filiados só conseguem citar o nome de três grandes líderes —Lula, Lula e Lula— a renovação é utopia irrealizável. Impossível revitalizar um agrupamento que trata os hóspedes do PF’s Inn de Curitiba como ''herois do povo brasileiro.'' Sem uma expiação dos pecados, a retificação de práticas é o outro nome de conversa fiada.
O Brasil é pródigo na oferta de opções partidárias. Submetido a três dezenas de partidos, basta ao eleitor decidir se quer ser de esquerda, meia esquerda, um quarto de esquerda, direita dissimulada, direita Bolsonaro… Com tantas alternativas, o PT optou por liderar a bloco dinheirista do espectro político. Adotou a ideologia do ''quanto eu levo nisso?''
No seu esforço para voltar a seduzir o eleitorado, o PT terá de superar um paradoxo: a legenda acha que é uma coisa. Mas a soma dos palavrões que inspira nas esquinas e nos botecos indica que sua reputação é outra coisa. Ou a renovação começa do zero ou o novo será apenas o cadáver do velho. Será facilmente reconhecido pelos vermes. DO J.DESOUZA