domingo, 19 de fevereiro de 2017

REINALDO, EM CHOQUE, DESCOBRE QUE NÃO É DEUS



A QUEDA: Reinaldo Azevedo e Joice Hasselmann

 

Quem for marcado com a cruz escarlate da Lava Jato terá o destino traçado

Quem tem mais de duas décadas cobrindo escândalos políticos de diferentes matizes político-ideológicos e magnitudes sabe reconhecer aquele momento em que surge um fato que torna impossível uma composição de interesses que permita abafar tudo e seguir adiante sem nenhuma alteração no status quo vigente.
Desde a redemocratização, isso ficou claro em eventos cruciais, como o impeachment de Fernando Collor – que ganhou impulso com as revelações do irmão Pedro e virou fato consumado com as do motorista Eriberto – e o mensalão.
Mas também foi assim em casos de menor alcance, como o da violação do painel de votações do Senado por Antonio Carlos Magalhães e a primeira queda de Antonio Palocci, em 2006, por frequentar a chamada “casa do lobby”. 
ACM era, em 2001, o todo-poderoso do Congresso. Nessa condição, achou que sairia ileso se encomendasse a funcionários do Prodasen do Senado a lista de como votariam os senadores na cassação de Luiz Estevão. E sairia, não fosse o depoimento, na época, da então chefe da empreitada, a funcionária pública Regina Célia, que entregou o esquema e forçou o cacique a renunciar para não ser cassado.
Palocci também era o ministro forte de Lula quando um jardineiro, Francenildo, disse que ele era frequentador assíduo de uma casa onde rolava não só lobby como prostituição, em Brasília. Tentou esmagar o delator apontando que ele recebera para denunciá-lo. Para isso, usou o peso do cargo que ocupava e violou o sigilo bancário do caseiro na Caixa Econômica Federal. O tiro saiu pela culatra, e Palocci teve de pedir sua primeira demissão. Levaria ainda dez anos para ir parar atrás das grades, por outras traficâncias.
No mensalão, Marcio Thomaz Bastos achou que resolveria a parada com a tese de que tudo não passara de caixa 2. Não colou, e o divisor de águas foi o depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios. A CPI virou indiciamento, que virou denúncia, que virou ação penal, que deu em condenações de pesos pesados da política, do sistema financeiro e adjacências.
Quando o STF começou a julgar o caso, depois de sete longos anos, o mesmo Thomaz Bastos garantiu a clientes, jornalistas e políticos que ninguém seria condenado. Mas de novo ali houve um “turning point” histórico: a divulgação de conversas entre ministros da corte mostrando que eles discutiam votos. Os olhos postos da opinião pública sobre o maior julgamento político-penal até então impediram que eles “amaciassem” para José Dirceu, como Ricardo Lewandowski confidenciou que era o plano.
Corte no tempo para a Lava Jato. A maior operação de desmonte de um esquema criminoso no Brasil já dura quase três anos, levou à prisão alguns dos principais políticos, dirigentes de estatais e partidos, empresários, executivos e publicitários do País. Motivou, juntamente com a debacle econômica, o impeachment de mais um presidente, Dilma Rousseff.
No petrolão, não há um só “evento incitante”, como se chama em roteiro aquele momento que muda o curso da história. Suas dezenas de delatores, a extensão e a implicação de praticamente todas as forças políticas do País é que tornam impossível que prospere qualquer operação-abafa.
Pode-se urdir teses jurídicas como a de que é preciso separar o “joio” (quem enriqueceu de forma ilícita) do “trigo” (o caixa 2 inocente), propor projetos de lei para blindar este ou aquele, conspirar em bunkers nas madrugadas de Brasília que o final está dado. Quem for marcado com a cruz escarlate da Lava Jato será carne queimada. Morto ou “só” mutilado, com pena elevada ou prestando serviços à comunidade, o destino político (e empresarial, do outro lado) estará traçado. DO ESTADÃO

Flagrado há uma década em corrupção, magistrado do STJ permanece na folha

Pilhado em 2007 num esquema de venda de sentenças judiciais em benefício de donos de caça-níqueis e de bicheiros, o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permanece na folha salarial do tribunal. Afora os penduricalhos, recebe do contribuinte algo como R$ 30 mil por mês. Aposentado compulsoriamente, embolsa o dinheiro sem trabalhar. Na esfera criminal, graças a sucessivas protelações provocadas pelo chamado privilégio de foro, Medina permanece impune. Há quatro dias, seu processo desceu do STJ para a primeira instância do Judiciário, no Rio de Janeiro. Segue a trilha da prescrição.
Em 3 agosto de 2010, três anos depois de ter sido investigado pela operação Furacão, da Policia Federal, Medina sofreu uma condenação com gosto de premiação. O Conselho Nacional de Justiça condenou-o ao pijama perpétuo. A decisão só foi publicada no Diário Oficial sete meses depois, em 28 de fevereiro de 2011. Medina migrou, então, para a folha de inativos do STJ, com vencimentos integrais. Ele só perderia o salário se fosse condenado em ação penal.
Como ministro do STJ, Medina dispunha de foro privilegiado. Só podia ser processado no Supremo Tribunal Federal. Formulada pela Procuradoria-geral da Repúlica, a denúncia contra ele foi aceita pela Suprema Corte em 26 novembro de 2008. Mas o acórdão (resumo da decisão) só foi publicado um ano e quatro meses depois, em março de 2009. Quer dizer: quando o ministro foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ, já estava no banco dos réus, enviado pelo STF. Ainda assim, manteve o salário. Não havia condenação.
Junto com Medina, foram içados para o processo do Supremo outros personagens acusados de participar da quadrilha de venda de sentenças: o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio; o juiz Ernesto da Luz Pinto Dória, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas; o procurador regional da República do Rio de Janeiro João Sérgio Leal Pereira; e o advogado Virgílio Medina, irmão do ministro do STJ. Outro acusado, o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira, morreu em julho de 2008.
Com a aposentadoria forçada, Medina perdeu a prerrogativa de foro. No entanto, um dos réus, o procurador regional da República do Rio João Sérgio Leal Pereira também dispunha do privilégio de foro —teria de ser processado no STJ, não no STF. O processo só migrou de um tribunal para o outro em 2012. João Sérgio arrastou consigo todos os outros réus, inclusive Medina. Os advogados do acomodaram o ferro sobre os autos e esperaram o tempo passar.
De repente, a defesa de João Sérgio peticionou ao STJ para recordar que é de oito anos o prazo de prescrição do único crime de que o procurador era acusado: formação de quadrilha. Ou seja: como a denúncia fora convertida em ação penal na data de 26 de novembro de 2008, o crime atribuído ao procurador estava prescrito desde o final de 2016.
Confrontada com a evidência, a Procuradoria-Geral da República deu o braço a torcer. Reconheceu a extinção de qualquer pretensão de punir o procurador João Sérgio. Como nenhum outro réu dispunha de foro privilegiado, dois processos relacionados à Operação Furacão foram remetidos, há quatro dias, à primeira instância da Justiça Federal do Rio, onde os outros réus terão de ser julgados. A decisão foi tomada pela Corte Especial do STJ. Entre os processos que desceram está o que envolve Paulo Medina.
A defesa de Medina ainda tentou uma última cartada. Requereu a extinção do processo sob a alegação de que Medina sofre de insanidade mental. Teria sido acometido, de resto, do Mal de Parkinson. Seus colegas de tribunal decidiram que caberá ao juiz que for cuidar do caso no primeiro grau deliberar sobre o tema. Generalizou-se no STJ a impressão de que também os crimes atribuídos a Medina tendem a prescrever.
A prescrição é um fenômeno cada vez menos incomum nos tribunais superiores. Políticos enrolados na Lava Jato celebram o fato de serem processados no Supremo Tribunal Federal. No curto prazo, enxergam no escudo do foro especial uma proteção contra a agilidade de juízes como Sergio Moro. No longo prazo, sonham com a prescrição, que é um outro nome para impunidade.