Prisão após sentença de 2ª instância ‘é para evitar a impunidade’
Coordenador
da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol está
apreensivo com o vaivém do Supremo Tribunal Federal. Teme que, depois da
decisão que beneficiou Aécio Neves, a Suprema Corte altere a regra
sobre a prisão de condenados em segunda instância, para deter a punição
de réus ilustres, entre eles Lula. “O receio é que, conforme a
investigação tenha se dirigido a uma totalidade de partidos políticos, a
políticos relevantes de todo espectro ideológico exista uma espécie de
freio por parte do Supremo Tribunal Federal, impedindo a
responsabilização de pessoas poderosas”, disse o procurador em
entrevista ao
blog. (Veja trechos ao longo do post e assista à íntegra no rodapé).
O
Supremo aprovou, em outubro de 2016, o encarceramento de pessoas
condenadas na segunda instância. A decisão foi apertada: 6 votos a 5.
Depois disso, “alguns ministros começaram a querer mudar de ideia”,
disse Dallagnol. Desejam que “a prisão aguarde o julgamento de terceira
instância (STJ) ou quarta instância (STF)”. Inquirido sobre a situação
de Lula, o coordenador da Lava Jato disse acreditar que o TRF da 4ª
Região confirmará a condenação imposta por Sergio Moro no Caso do
Tríplex. “A valer as regras atuais, ele deve, sim, ser preso no momento
seguinte”, declarou o procurador, antes de levar o pé atrás:
“Diante
da tendência de rever o julgamento da execução provisória da pena,
vários ministros [do Supremo] começaram a dar decisões liminares para
soltar réus que foram presos após a decisão de segundo grau. Eles estão
fazendo isso contra a decisão proferida pelo pleno do tribunal.” O
ministro Gilmar Mendes é um dos adeptos da política de celas vazias,
recordou o repórter. E Dallagnol: “Foi uma decisão do tribunal pleno,
com efeito vinculante a toda a Justiça. Uma decisão contrária de um
ministro retira a credibilidade do próprio tribunal.”
‘Pelas regras atuais, Lula deve, sim, ser preso’, afirma Dallagnol
Uma
das inquietações do coordenador da Lava Jato é a ausência de chefões
com mandato no rol dos condenados. Ele empilhou os alvos atingidos pela
força tarefa de Curitiba: empresários, lavadores de dinheiro, altos
executivos da Petrobras… E lamentou: “Faltam os grandes chefes desse
esquema criminoso, as pessoas mais responsáveis entre todas por ele, que
foram os políticos poderosos que organizaram. Falta a responsabilização
deles. E a responsabilização deles tramita exatamente no Supremo
Tribunal Federal.”
Para Dellagnol a anomalia pode se agravar se o
Supremo permitir que ocorra a combinação de duas novidades: a aprovação
de restrições à abrangência do foro privilegiado e a revisão da regra
que permitiu a execução da pena já na segunda instância. O procurador
avalia que o envio de parlamentares e autoridades da Suprema Corte para a
primeira instância do Judiciário seria uma providência benfazeja. Mas
pondera: “Se, ao mesmo tempo, [o Supremo] decidir que a pena só pode ser
executada depois da terceira, da quarta instância, isso é dar o prêmio
de impunidade para todas essas pessoas cujos processos vão descer para a
primeira instância.”
‘Falta responsabilizar os grandes chefes’, lamenta o procurador
Dallagnol
fez uma avaliação ácida sobre o julgamento em que o Supremo decidiu,
por 6 votos a 5, que cabe à Câmara e ao Senado dar a palavra final sobre
sanções cautelares impostas a deputados e senadores. Sanções como a
suspensão do mandato, por exemplo. A novidade veio à luz para beneficiar
o senador tucano Aécio Neves. Faltou “coerência”, disse o coordenador
da Lava Jato. “Quando o tribunal dá uma decisão em relação a Eduardo
Cunha, dizendo que é cabível, sim, o afastamento dele e, numa situação
idêntica, envolvendo Aécio Neves, o tribunal dá uma decisão diferente,
todos os cidadãos passam a questionar: peraí, será que tem alguma coisa
por trás dessa decisão? Isso coloca em cheque a credibilidade do
Judiciário.”
Na visão de Dallagnol, uma deliberação como a que
favoreceu Aécio teria de ser “devidamente justificada”, para atenuar a
incoerência. Algo que “não aconteceu”. Nesse ponto, o procurador
filosofou: “A história, infelizmente, não é feita apenas de avanços no
processo civilizatório. Você tem avanços e retrocessos. E nós precisamos
aprender a viver com eles e a responder a eles do modo o mais
construtivo possível. Eu fico muito contente ao ver a sociedade se
envolvendo, se inteirando sobre o que aconteceu, passando a aprender
como funcionam as instituições, como funciona o nosso sistema de
Justiça. A sociedade pode mudar essa realidade.”
Tratamento diferente para Aécio e Cunha afetou a ‘credibilidade’
No
julgamento que favoreceu Aécio, alguns ministros destacaram a
conveniência de preservar a harmonia entre os Poderes Judiciário e
Legislativo, eliminando os conflitos. Dallagnol tomou distância desse
discurso: “Eu não posso concordar com esse argumento, porque existe uma
divisão de funções e de papeis. Ao Poder Judiciário cumpre dar a última
palavra em toda discussão jurídica. Mais do que isso: essa não é uma
decisão contramajoritária do Poder Judiciário, em que ele deveria ficar
preocupado com uma crise institucional.”
Tomado pelo timbre,
Dallagnol pareceu soar como se preferisse um Supremo afirmativo, não a
Corte contemporizadora que se rendeu à caciquia do Senado. “Essa é uma
decisão em que, se o Supremo determinasse a prisão ou o afastamento do
mandato de um parlamentar acusado com fortes provas de corrupção, ele
estaria dando uma decisão altamente majoritária. E mais: se for
descumprida, existe uma solução prática para essa questão, que é
simplesmente determinar a prisão do senador, para afastar da vida
parlamentar.”
Dallagnol diz discordar da tese de que papel do STF é ‘apaziguar’
Em
nota oficial, a força-tarefa da Lava Jato informou que são
“ideologicamente falsos” os recibos que a defesa de Lula apresentou para
demonstrar o suposto pagamento de aluguel do apartamento contíguo ao do
ex-presidente, em São Bernardo do Campo. De onde vem a certeza?, quis
saber o repórter. “Existem provas mostrando que o dinheiro que gerou a
compra daquele apartamento é o dinheiro que veio da Odebrecht”, afirmou o
procurador.
Dallagnol prosseguiu: “Não há prova de que ele [Lula]
tenha pago alugueis ao longo do tempo. Não existe nenhuma transação
financeira. […] Chegou a ser apreendida uma planilha de despesas
domésticas do ex-presidente. E nessa planilha constavam o pagamento do
condomínio desse segundo apartamento. Agora pergunte se constava o
pagamento do aluguel. Não constava. Constava o pagamento do condomínio, o
pagamento do IPTU. Mas não constava o pagamento do aluguel.”
Não existe prova de que Lula pagou os aluguéis, disse Dallagnol
O
procurador negou que o Lava Jato esteja perto do fim em Curitiba, como
dissera o juiz Sergio Moro dias atrás. “Essa afirmação do juiz Sergio
Moro, na minha impressão, refelte muito mais um desejo do que a uma
realidade.: , disse o procurador. “Basta nós vermos que ele já tinha
feito uma declaração semelhante há mais de um ano. Em Curitiba, hoje,
nós temos muito ainda por percorrer.”
O coordenador da Lava Jato
revelou que, entre os casos ainda pendentes de investigação está o da
compra ruinosa da refinaria texana de Pasadena, na época em que Dilma
Rousseff era presidente do conselho de administração da Petrebras.
Acrescentou: “Nós ainda temos outras áreas para explorar. A investigação
suíça da Lava Jato já alcançou mais de mil contas. E menos de 300 foram
encaminhadas ao Brasil até o momento. Nós ainda temos que explorar
ações contra partidos políticos, ações contra bancos, porque grande
parte desse esquema aconteceu por falha do sistema de
compliance de bancos.”
Lava Jato está longe do fim, diz Dallagnol sobre previsão de Moro
Veja a íntegra da entrevista com o procurador Deltan Dallagnol
– Charge do Duke, via
O Tempo.