Ex-líder do governo e ex-ministro
de Lula, cacique do PMDB se diz aliado do PSDB em defesa da precarização
trabalhista e do corte em programas sociais, e afirma que política
'socialista' de Dilma, 'serve para o Cazaquistão'
Wilson Dias/ Abr
Aécio Neves e Romero Jucá (esq.): aliança contra Dilma, o PT, os direitos trabalhistas e as políticas sociais
"Nós tínhamos duas opções de voto: o Aécio e o Eduardo. Hoje perdemos uma. Então, na verdade, eu não quero forçar ninguém, mas eu vou falar o meu voto. Eu vou votar no Aécio porque eu, do que tem, é talvez o que tenha um pouco mais de condição de mudar essa linha de pensamento que eu acho que não combina com o Brasil", disse, referindo-se à "linha de pensamento" que direciona a política econômica do governo federal. "Quando você setorializa a pesquisa [eleitoral], o Aécio já passa a Dilma na região Sudeste em 8% e já passa a Dilma na região Sul em 6%. Onde a Dilma tá ganhando? Essa diferença de seis pontos está no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte. Tem que diminuir essa diferença. Se depender de mim, Roraima vai diminuir essa diferença", completou.
À plateia de economistas e empresários, Jucá reiterou diversas vezes os problemas da gestão "socialista" de Dilma. "Você tem que ganhar produtividade. Você tem que ganhar competitividade. E é nisso que o governo do PT falha, porque ao pender para a linha ideológica, o governo do PT quer taxar, limitar a taxa de retorno, tirando do jogo a produtividade do empresário. E quer aumentar direitos sociais que tiram a competitividade", afirmou. "Porque o discurso dela é socialista e a prática dela é socialista. Então, você tem um governo ideológico na forma de comandar a economia. E na ideologia, centralização, estabilização, não combina com o capitalismo. Não combina. Isso dá certo na Albânia, dá certo nos países do Cazaquistão, onde a visão é outra."
Jucá, que é relator no Senado do projeto de lei que pode mudar a definição legal de trabalho escravo, afirmou ainda que o modelo econômico da China, acusado por organizações internacionais de direitos humanos de promover o trabalho forçado em condições degradantes, é melhor que o "bem-estar social" promovido pelo PT, e atacou os direitos trabalhistas.
"Nós estamos discutindo aqui, no mercado internacional, a competitividade do produto brasileiro com o produto chinês, que não tem [contribuição ao] INSS, não tem licenciamento ambiental, não tem nenhum tipo de custo direto que não era pra ser. E nós estamos aqui discutindo se a gente vai baixar de 44 horas para 40 horas semanais a capacidade de trabalho do trabalhador brasileiro. Ou seja, nós estamos querendo imitar um modelo que não deu certo. Nós estamos querendo importar um modelo que é um modelo do bem-estar social, mas o bem-estar social tem que estar ligado ao bem-estar da produção, a capacidade efetiva de você dialogar com o mercado internacional e discutir", ponderou.
O lucro dos empresários sobre os direitos
do trabalhador não integra apenas o discurso de Jucá, mas sua prática no
Legislativo. O senador do PMDB é também relator da regulamentação dos
direitos garantidos às empregadas domésticas por meio da emenda à
Constituição 72, aprovada em 2013, mas promoveu mudanças no projeto que
impediriam a contribuição sindical para a categoria e criariam regras
distintas para o seguro-desemprego. Além disso, enquanto o projeto não é
votado, as trabalhadoras domésticas seguem sem base legal para
reivindicar folgas semanais, piso salarial e outros direitos.
Rancor
Jucá, que foi líder do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) no Senado de 2006 a 2010, seguiu na posição de
articulação política após a eleição de Dilma. Em 2012, porém, foi
substituído por Eduardo Braga (PMDB-AM) por não trabalhar pelas
prioridades apontadas pelo governo no Congresso. Desde então, jurou
vingança política contra a presidenta. Além da campanha pelo PSDB,
partido a que foi filiado até 2002, Jucá também reforça o discurso
oposicionista que apresenta os governos de Dilma e de Lula como
antagônicos, e não de continuidade, em uma manobra para tentar
enfraquecer o apoio do ex-presidente à reeleição da atual presidenta.
"Aí a gente tem que dividir um pouco
o governo da Dilma do governo do Lula. O presidente Lula era um
artista, vocacionado para a política e com um sentimento muito grande.
Ele não é economista, ele não tem nível superior, mas ele aprendeu na
vida, com sensibilidade, com experiência, ganhando e perdendo, e ele
fazia ou faz um discurso social, às vezes quase socialista, no discurso,
na divisão de renda, nos predicados que, de certa forma, buscam mais a
igualdade e a distribuição de renda, mas, na prática dele é uma prática
capitalista", pontuou, durante sua fala ao Corecon.
Jucá soma à sua dissidência pessoal o
sentimento antipetista que se fortaleceu em Roraima desde 2005, quando o
governo Lula contrariou a elite local com a demarcação das terras
indígenas de Raposa e Serra do Sol. Desde então, o PT encontra
dificuldades eleitorais no estado: em 2006 e 2010, Geraldo Alckmin e
José Serra (ambos do PSDB) tiveram votação acima de 50% no estado tanto
no primeiro quanto no segundo turno, embora Lula tenha vencido os dois
turnos das eleições de 2002. Segundo pesquisa ibope de agosto deste ano,
o quadro mudou em 2014: Dilma tem 46% das intenções de voto em Roraima,
contra 24% de Aécio Neves, que tem dificuldades para se estabelecer
como alternativa à presidenta fora das regiões Sul e Sudeste.
O tom de guerra fria é recorrente
entre as lideranças de perfil mais conservador do PMDB. No Maranhão,
onde Lobão Filho está mais de 40 pontos percentuais atrás de Flávio Dino
(PCdoB) na disputa para governador, o discurso também é ácido:
panfletos do candidato governista, apoiado por Roseana Sarney (PMDB),
dizem que a eleição "tem dois lados", e opõe imagens de Lobão Filho
beijando a mão do papa João Paulo II sobre fundo azul à silhueta de Dino
sobreposta pela foice e o martelo da bandeira da extinta União
Soviética, com fundo vermelho.
Verticalização
Os "rebeldes" regionais do PMDB
foram institucionalizados a partir de 2006, quando a Câmara dos
Deputados derrubou, por 343 votos contra 143, uma norma do Tribunal
Superior Eleitoral que obrigava os partidos a repetirem a aliança em
torno do candidato a presidente nas coligações para disputa a
governador, a chamada verticalização das alianças. De um lado, caciques
regionais defendiam o direito de oficializar acordos locais que não
necessariamente estivessem em sintonia com os objetivos programáticos
nacionais de uma aliança política; de outro, estavam deputados
favoráveis ao fortalecimento dos partidos e dos projetos políticos na
composição das alianças.
Naquela época, o apoio do PMDB à
mudança de regra já tinha a ver com discordâncias com o PT: às vésperas
da eleição de 2006, a primeira com os partidos unidos, uma parcela
considerável da legenda não queria pedir votos para Lula. A regra só
valeu para aquela eleição por decisão do STF, que foi provocado a
decidir se a mudança, aprovada em janeiro do ano eleitoral, poderia
valer para o mesmo ano.
No dia da palestra de Jucá, Aécio fazia
campanha no Rio Grande do Norte ao lado de outro peemedebista, Henrique
Eduardo Alves, eleito presidente da Câmara dos Deputados em acordo com o
PT – desde que se coligaram, PT e PMDB revezam, a cada dois anos, as
presidências da Câmara dos Deputados, do Senado e do Congresso. No Rio
de Janeiro, a esquizofrenia das alianças eleitorais deste ano é mais
gritante: lá, o PT tem candidatura própria, mas, pelo acordo que manteve
Michel Temer (PMDB) como seu candidato a vice-presidente, Dilma também
tem de apoiar o candidato a governador Luiz Fernando Pezão (PMDB).
Pezão, por sua vez, tem materiais de campanha “mistos”, em que aparece
como candidato de Dilma e também de Aécio.
No total, coligações apoiadas oficial ou
extraoficialmente pelo PMDB vão enfrentar chapas integradas ou apoiadas
pelo PT em 17 estados. Em outros dez estados, repetirão a aliança
nacional, embora o PMDB seja cabeça de chapa em sete delas. O racha com o
PT colocou o PSDB na mesma chapa dos peemedebistas em pelo menos quatro
estados: Acre, Bahia, Ceará e Espírito Santo.
DA RBA-REDEBRASILATUAL