segunda-feira, 12 de março de 2018

Barroso libera parte do indulto natalino concedido por Temer e estabelece critérios para aplicação das regras

Parte do decreto estava suspensa desde o ano passado por decisão do STF. Barroso determinou que tem direito ao indulto quem tiver sido condenado por crimes cometidos sem violência; entenda.

Por Rosanne D'Agostino, TV Globo, Brasília
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Foto: Nelson Jr/SCO/STF)
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Foto: Nelson Jr/SCO/STF)
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta segunda-feira (12) liberar alguns pontos do decreto de indulto natalino assinado em 2017 pelo presidente Michel Temer. Barroso estabeleceu, ainda, alguns critérios para aplicação das regras.
Para do decreto de Temer foi suspensa ainda no ano passado por decisão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que atendeu a um pedido da Procuradoria Geral da República.
Ao editar o decreto, o presidente modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados, o que gerou críticas da Transparência Internacional e da Força-Tarefa da Operação Lava Jato, por exemplo.
De acordo com a decisão de Barroso, terá direito ao indulto quem tiver sido condenado por crimes cometidos sem grave ameaça ou violência, com duas ressalvas:
  • Em vez de cumprimento de 20% da pena, será necessário o cumprimento de ao menos um terço;
  • A condenação não pode ter sido superior a oito anos de prisão (no indulto original, não havia limite de pena para a concessão).
Em um trecho da decisão, o ministro afirma:
"O decreto de indulto não pode ser incoerente com os princípios constitucionais nem com a política criminal desenhada pelo legislador. A prerrogativa do presidente da República de perdoar penas não é, e nem poderia ser, um poder ilimitado. Especialmente quando exercida de maneira genérica e não para casos individuais."

'Crimes de colarinho branco'

Pela decisão do ministro do STF, continua sem direito ao indulto quem for condenado pelos chamados "crimes de colarinho branco".
Para Barroso, o mensalão o ajudou a "compreender" que "as regras cumulativas de concessão de benefícios no curso da execução da pena podem significar um tratamento bastante brando a condenados por crimes do colarinho branco no país".
Por isso, ele decidiu que a concessão do indulto não pode beneficiar condenados por:
  • Peculato (crime cometido por funcionário público);
  • Concussão;
  • Corrupção passiva;
  • Corrupção ativa;
  • Tráfico de influência;
  • Crimes contra o sistema financeiro nacional;
  • Crimes previstos na Lei de Licitações;
  • Lavagem de dinheiro;
  • Ocultação de bens;
  • Crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas;
  • Associação criminosa.
Também ficam de fora do indulto:
  • Quem tem multa pendente a pagar;
  • Quem tem recurso da acusação pendente de análise;
  • Sentenciados que já se beneficiaram da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e da suspensão condicional do processo.

'Onde a lei não chega'

Ainda na decisão desta segunda, Barroso ressaltou que 40% dos presos no Brasil são provisórios. Além disso, 60% dos presos são analfabetos ou não completaram o ensino fundamental e não têm "mínimas condições de exigir o gozo dos benefícios legais".
"O problema reside onde a aplicação da lei não chega".
"Para os que possuem condições – sociais, educacionais e financeiras de custear orientação jurídica adequada –, o cumprimento da pena pode até se revelar pouco efetivo diante da condenação imposta", completou.

Ao receber Temer, Cármen Lúcia virou problema


O Palácio do Planalto virou um bunker. Nele, não há inocentes. Apenas suspeitos e cúmplices. Quem olha para a fortificação enxerga pus no fim do túnel. Uma evidência de que a corrupção infeccionou os escalões mais graúdos da República. Numa crise moral dessa magnitude, não há meio termo: ou a pessoa é parte da solução ou ela é parte do problema. No sábado, Cármen Lúcia recebeu em sua casa Michel Temer, um presidente que não tem cara de solução. Graças a esse encontro, a comandante do Supremo Tribunal Federal ganhou instantaneamente uma aparência de problema.
Há um esforço pueril para atribuir à reunião ares de normalidade. Nessa versão, tudo não teria passado de um encontro institucional entre dois chefes de Poderes. Conversa mole. O encontro foi 100% feito de esquisitices: o ambiente doméstico, a atmosfera frouxa do final de semana, a pauta desconhecida, a omissão na agenda oficial… Tudo isso mais o fato de que Cármen Lúcia recepcionou em casa não um presidente do Poder Executivo, mas um prontuário que inclui duas denúncias criminais, dois inquéritos por corrupção e uma quebra de sigilo bancário.
A conversa foi solicitada por Temer. Cármen Lúcia faria um enorme favor a si mesma se perguntasse aos seus botões: como os repórteres ficaram sabendo? Na saída, cercado por câmeras e microfones, o visitante foi questionado sobre o teor da prosa que tivera com a anfitriã. Perguntou-se se haviam tratado do inquérito sobre a propina de R$ 10 milhões da Odebrecht. E Temer: “Não. Só sobre segurança do Rio de Janeiro e do Brasil.” Hã, hã…
A lorota de Temer pendurou Cármen Lúcia nas manchetes na desconfortável posição de alguém que precisa dar explicações sobre atitudes inexplicáveis. Pintado para a guerra, Temer vê inimigos em toda parte. Sobretudo no Supremo. Na Segunda Turma, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, incluiu o presidente no rol de investigados do inquérito sobre a Odebrecht. Na Primeira Turma, Luís Roberto Barroso acaba de quebrar o sigilo bancário de Temer no inquérito sobre a troca de propina pela edição de um decreto na área de portos.
Pela primeira vez desde a chegada de Pedro Álvares Cabral o Estado investiga e pune oligarcas com poderio político e empresarial. Numa quadra tão inusitada da vida nacional, Cármen Lúcia deveria conversar com o espelho antes de receber investigados em casa.
Se a ministra tivesse consultado sua consciência, ouviria sábios conselhos: “Não encontre Michel Temer. Se encontrar, prefira a sede do Supremo. Se cair num sábado, transfira para um dia útil. Se lhe pedirem segredo, faça constar da agenda. Se não especificarem a pauta, não entre na sala com menos de duas testemunhas.
Não espanta que Temer ainda se sinta à vontade para constranger a presidente do Supremo com pedidos de encontro. De um personagem crivado de inquéritos não se espera um comportamento recatado. O espantoso é que Cármen Lúcia aceite recebê-lo de qualquer jeito. Pela experiência que tem, a doutora já deveria saber que todo grande problema começa com pequenas explicações.
Josias de Souza