(…) Notícias da TV apurou
que a medida [de cortar os comentários da apresentadora Rachel
Sheherazade] foi tomada sob pressão do governo federal. Há duas semanas,
[o diretor de jornalismo do SBT] Marcelo Parada se reuniu em Brasília
com o ministro da Secretaria de Comunicação Social [Secom], Thomas
Traumann. Na ocasião, Traumann manifestou desconforto com os comentários
de Sheherazade. O ministro controla as verbas do governo federal, que
investe cerca de R$ 150 milhões em publicidade por ano no SBT. (…)
Thomas Traumann é o ex-porta-voz da Presidência que, no começo deste ano eleitoral, substituiu Helena Chagas na Secom. A
avaliação
era que Traumann “tem perfil mais agressivo e mais afinado com o
ex-ministro Franklin Martins”, que coordena a área de comunicação da
campanha de Dilma Rousseff e é conselheiro do Instituto Lula.
Só fico imaginando a doçura e a delicadeza com que um petista de
perfil agressivo, afinado com o homem que luta pelo “controle social da
mídia”, manifesta a um “companhêru” como o coordenador da campanha
passada de Dilma, Marcelo Parada, o seu “desconforto” em relação a uma
apresentadora que critica o partido de ambos na emissora cujo jornalismo
este dirige. Longe de mim crer que a mãe de Sheherazade foi
homenageada…
-
Por obeséquio, companheiro Parada, o senhor poderia conversar com esta
moça e pedir-lhe gentilmente que pegue mais leve em suas críticas ao
governo? Não creio que elas sejam justas, de modo que me sinto um tanto
quanto desconfortável. O senhor me faria este favor?”
- Mas é claro, companheiro Traumann, estou certo de que ela entenderá…
- Puxa vida, companheiro Parada, não sei como agradecer-lhe. O
companheiro Lula vai ficar satisfeitíssimo de ver mais embasamento por
parte dela ao
zapear para o SBT.
- Minhas saudações ao presidente, digo, ex-presidente. Até a próxima.
- Até.
Lindo,
não? Mas volto à realidade. Helena Chagas sofria um intenso bombardeio
dos “blogs sujos” e dos veículos oficialistas, que cobravam mais verba
oficial para prestar seus servicinhos. Após o anúncio de sua saída,
“motivada por pressões do PT” e “pelo desgaste da falta de transparência
com a agenda da presidente Dilma na polêmica ‘escala técnica’ da
comitiva presidencial em Lisboa”, ela escreveu no Facebook que “a
distribuição da publicidade oficial, que envolve dinheiro público, não
pode se transformar em uma ‘ação entre amigos’”.
Deu para entender por que Helena sofria pressões (dos amigos) do PT? Ok.
E
quem dizia que a comunicação do governo era “uma porcaria” e que “O
Lula mantinha uma canalização de recursos para alguns blogs, mas a Dilma
cortou tudo”? Ele mesmo: André Vargas, o petista hoje famoso pelo
escândalo da Petrobras. Quando Helena saiu, Vargas comemorou: “Não gosto
dela. A Helena foi pro pau! Beleza.” Um doce, não?
Helena, na verdade, entregou sua carta de demissão no dia 30 de
janeiro, surpreendida com o vazamento da notícia de que seria
substituída. Pouco mais de uma semana depois, em 7 de fevereiro, seu
pai, Carlos Chagas, foi um dos três comentaristas demitidos do SBT.
Isso mesmo: coincidências da ditadura petista.
Em 2011, quando o ministro das Comunicações Paulo Bernardo falou que
nenhuma proposta que ameaçasse a liberdade de expressão seria apoiada
pelo governo Dilma e “o projeto de Franklin Martins está enterrado”, ele
também foi atacado por dirigentes petistas – como o negador das Farc no
Foro de São Paulo, Valter Pomar – que o acusaram de ter mais afinidade com as grandes redes de TV do que com o partido.
Martins, para se ter uma ideia, deixou de falar com Bernardo por causa disso.
Mas
com a sua volta ao comando, trazendo Traumann para a Secom, a ala “mais
agressiva” do PT se tranquilizou e os blogs companheiros celebraram.
Paulo Nogueira, aquele que me chama de “o reaça-engraçado”, considerou
Traumann “uma excelente aquisição” para a Secretaria. Seu irmão e colega
de “Diário” Kiko Nogueira, aliás, foi um dos nove “
blogueiros progressistas” que participaram da “
entrevista dos camaradas”
com Lula no último dia 8. Miguel do Rosário, que julgou na época a
demissão de Chagas e o retorno de Martins ao núcleo “uma excelente
notícia, em todos os sentidos!”, também foi um dos entrevistadores.
Aloysio Nunes Ferreira, líder do PSDB no Senado, já protocolara um
requerimento pedindo a Traumann [ouça
aqui]
informações sobre as verbas oficiais destinadas àqueles “veículos de
comunicação que são descaradamente patrocinados pelo governo, por
empresas estatais, por órgãos da administração direta, cuja função é
repercutir a mensagem política do PT, especialmente na difamação
daqueles que se opõem ao atual governo”. Agora o Globo tentou desvendar o
segredo, mas a prefeitura de São Paulo avisou que o valor pago pelos
anúncios nos blogs é uma informação comercial que não costuma ser
divulgada para veículos concorrentes.
“Ação entre amigos” é assim: fica só entre “amigos”.
Com a liberação do dinheiro dos brasileiros – inclusive dos que não
votaram no PT – para os “blogs sujos” e as ameaças de corte do dinheiro
das estatais para emissoras como o SBT, sem contar a infiltração de
militantes em todas as grandes redações, o controle petista da mídia já
vai funcionando como pode, embora os líderes do partido queiram sempre
mais um bocado.
Rachel Sheherazade foi calada por pressão de Traumann, o companheiro
de Martins – o conselheiro de Lula. Se fosse uma esquerdista, o mundo
midiático teria caído em cima do governo supostamente reacionário, com
manchetes em letras garrafais no alto das primeiras páginas. Como é uma
reacionária, na definição rodrigueana de quem reage contra tudo que não
presta, as mídias anestesiadas, infiltradas e patrocinadas pelos agentes
do
Foro de São Paulo preferem dar destaque às censuras de 50 anos atrás.
Só idiotas úteis ainda não entenderam que o controle da opinião
pública exercido no tempo dos militares através de medida
administrativas oficiais e explícitas se transformou nos tempos de
ditadura petista naquele “
poder onipresente e invisível” preconizado por Antonio Gramsci.
E só os militantes (ou ameaçados) para se recusar a ver censura quando ela mesma se escancara.
- Até a próxima.
Felipe Moura Brasil - http://www.veja.com/felipemourabrasil