sexta-feira, 20 de abril de 2018

Michel Temer se autoelogia e esquece corrupção

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Michel Temer convocou uma cadeia (ops!) nacional de rádio e televisão para levar aos lares do país uma gravação. A pretexto de celebrar o Dia de Tiradentes, despejou 681 palavras na fita destinada ao horário nobre. Falou sobre quase tudo. Até versos de Cecília Meirelles o presidente declamou. Mas não foi capaz de pronunciar o vocábulo “corrupção” uma mísera vez.
O presidente priorizou em seu pronunciamento a crise econômica, que imagina superada. Considerando-se que há sobre a mesa também uma epidemia de amoralidade, pode-se dizer que Temer ignorou 50% da crise. Deixou de mencionar em seu pronunciamento justamente a metade da encrenca em que figura como parte do problema, não da solução.
Portador de duas denúncias criminais, Temer convive com a síndrome de uma terceira denúncia que está por vir. Sete em cada dez brasileiros reprovam o seu governo. Por isso gravou o pronunciamento. Munido de autocritérios, considera-se um gestor fabuloso. E quis levar ao ar uma pose de vitorioso injustiçado.
Temer chegou mesmo a esboçar uma sutil comparação entre o nó que lhe aperta o pescoço e a corda que pendurou o inconfidente. Ao mencionar Tirandentes, disse que ele foi acusado e condenado. Mas realçou que a história lhe “deu uma vitória maior.”
A prisão de Lula tornou o futuro penal de Temer instável. Na pior das hipóteses, corre o risco de descer ao verbete da enciclopédia como o segundo ex-presidente da República a passar uma temporada no xadrez. Na melhor das hipóteses, arrastará seus processos como um rastro pegajoso até a prescrição. Em nenhuma das hipóteses a posteridade concederá a Temer o papel de neo-Tirandentes.
O presidente declarou a certa altura: “É fácil bater no Michel Temer! É fácil bater no governo, é fácil só criticar. Quero ver fazer. Quero ver conquistar! Quero ver construir e realizar o que nós conseguimos avançar em tão pouco tempo. A torcida organizada pelo fracasso tenta bater bumbo. Tenta perder o jogo todos os dias. A verdade é que o Brasil virou esse jogo.” Não é bem assim!
Temer chegou ao Planalto graças ao impeachment de Dilma Rousseff. Carregava o traquejo de quase três décadas de vida parlamentar —um ativo político que sua antecessora não tinha. Compôs um ministério loteado e convencional. Dizia-se que a mediocridade era necessária para azeitar a aprovação de reformas no Congresso. De repente, sobreveio o grampo do Jaburu. E a maioria parlamentar foi utilizada para congelar denúncias de corrupção. Ou seja: Temer apanhou de si mesmo.
A reforma da Previdência foi para as cucuias. Junto com ela, seguiu para o beleléu a perspectiva de recuperação pujante da economia, dos empregos e das finanças públicas. É nesse contexto que Temer, cercado de auxiliares denunciados, com o sigilo bancário quebrado e com os amigos sentados no banco dos réus, fala aos brasileiros sobre seu governo radioso sem mencionar a corrupção.
Em sua pesquisa mais recente, o Datafolha descobriu que 84% dos brasileiros desejam a continuidade da Lava Jato, operação que vira a biografia de Temer do avesso. E os 70% que desaprovam o presidente rezam para que o seu governo acabe. Até lá, Temer tentará passar a ideia de que faz e acontece. Fará novas poses em horário nobre. Cogita convocar outra cadeia (ops!) de rádio e TV no Dia do Trabalhador. Inútil. Para que as poses surtam efeito, seria preciso que por trás delas existisse uma noção qualquer de ética.
Josias de Souza

STF privilegiou a ética quatro vezes em 14 dias





Os bons costumes começaram a prevalecer no Supremo de forma surpreendente. Nos últimos 14 dias, de cinco decisões da Suprema Corte apenas uma premiou a falta de ética. O tribunal empurrou Lula para a cadeia, manteve Palocci preso, converteu Aécio em réu e negou a Maluf um recurso —embargo infringente— que reabriria o debate sobre sua condenação. A moralidade só não ficou invicta porque a Segunda Turma ressuscitou o ficha-suja Demóstenes Torres, permitindo que ele se recandidate ao Senado.
É importante registrar cada vitória da ética porque certas decisões e opiniões de magistrados dão ao Supremo a aparência de um órgão muito distante, uma Justiça lá longe. O que é angustiante num país como o Brasil, onde o crime é tão perto. Além do impacto que essas decisões mais recentes tiveram nos casos concretos, elas têm reflexos sobre o esforço anticorrupção.
Com Lula, o Supremo reafirmou a regra da prisão na segunda instância. E reaproximou José Dirceu do xadrez. Com Palocci, avalizou as prisões preventivas da Lava Jato. Com Aécio, feriu a invulnerabilidade do tucanato. Com Maluf, agora um preso domiciliar, o Supremo restringiu a hipótese de recursos aos larápios. Tudo foi obtido aos trancos —em geral pelo magro placar de 6 a 5. Uma evidência de que ainda há no Supremo quem se disponha a ser flexível com o roubo. O grande problema é que o brasileiro prefere não ser roubado.
Josias de Souza