O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publica, neste
domingo, um de seus mais duros e agressivos artigos contra seu maior desafeto:
o também ex-presidente Lula.
Segundo FHC, o 'propinoduto' da Petrobras é menor do que
o que ele chama de 'asnoduto' na companhia, "dos projetos megalômanos e
malfeitos".
FHC pede força máxima na Lava Jato.
No artigo, FHC diz ainda que Lula é o maior responsável
pela corrupção na Petrobras. "Embora os diretores da Petrobras diretamente
envolvidos na roubalheira devam ser penalizados, não foram eles os responsáveis
maiores. Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo. Lula mesmo encharcou as mãos
de petróleo como arauto da falsa autossuficiência. E agora, José? Não há
culpabilidade política?".
No fim, pede que a sociedade repudie Lula.
Leia, abaixo, a íntegra do artigo de FHC:
Desvendar a trama
‘É preciso que a Justiça não se detenha antes que tudo
seja posto às claras. Só assim será possível resgatar os sentimentos de
confiança no Brasil’
Eu preferiria não voltar ao tema arquibatido das crises
que nos alcançaram. Mas é difícil. Vira e mexe, elas atingem o bolso e a alma
das pessoas. Na última semana o início de recessão repercutiu fortemente sobre
a taxa de desemprego. Considerando apenas as seis principais metrópoles, ela
atingiu 6,2%, a maior taxa desde 2001. A Petrobras, ao tentar virar uma página
de sua história recente, pôs em evidência que o “propinoduto”, enorme (R$ 6
bilhões), é incomparavelmente menor do que o “asnoduto”, dos projetos
megalômanos e malfeitos: R$ 40 bilhões. São cifras casadas, pois quanto piores
ou mais incompletos os projetos de obras, mais fácil se torna aumentar seu
custo e desviar o dinheiro para fins pessoais ou partidários.
O setor elétrico foi vítima de males semelhantes (só à
Petrobras as “pedaladas” da Eletrobrás custaram R$ 4,5 bilhões) e não é o único
no qual os desmandos vêm se tornando públicos. Se algum dia se abrirem as
contas da Caixa Econômica, vai-se ver que o FGTS dos trabalhadores
deu funding para uma instituição bancária pública fazer empréstimos
de salvamento a empreendimentos privados quebrados. No caso do BNDES, a
despeito da competência de seus funcionários, emprestou-se muito dinheiro a
empresas de solvabilidade discutível, também com recursos do FAT, ou seja, dos
trabalhadores (ou dos contribuintes), oriundos do Tesouro.
No afã de “acelerar o crescimento” usando o governo como
principal incentivo, as contas públicas passaram a sofrer déficits crescentes.
Pior, dada a conjuntura internacional negativa e o pouco avanço da
produtividade nacional, também as contas externas apresentam índices negativos
preocupantes quando comparados com o PIB brasileiro (cerca de 4%, com viés de
alta). Pressionado pelas circunstâncias, o governo atual teve que entregar o
comando econômico a quem pensa diferente dos festejados (pelos círculos
petistas e adjacentes) autores da “nova matriz econômica”. Esta teria
descoberto a fórmula mágica da prosperidade: mais crédito e mais consumo. O
investimento, ora, é consequência do consumo... Sem que se precisasse prestar
atenção às condições de credibilidade das políticas econômicas.
As consequências estão à vista: chegou a hora de apertar
os cintos. Como qualquer governo responsável — antes se diria, erroneamente,
neoliberal —, o atual começou a cortar despesas e restringir o crédito. Há
menos recursos para empréstimos, mais obras paradas, maior desemprego, e assim
vamos numa espiral de agruras, fruto da correção dos desacertos do passado recente.
Para datar: esta espiral de enganos começou a partir dos dois últimos anos do
governo Lula. Agora, na hora de a onça beber água, embora sem reconhecer os
desatinos, volta-se ao bom senso. Mas, cuidado, é preciso que haja senso.
Ajuste fiscal, às secas, sem confiança no governo, sem horizontes de
crescimento e, pois, com baixo investimento, é como operação sem anestesia.
Pior: política econômica requer dosagem, e nem sempre os bons técnicos avaliam
bem a saúde geral do país. Também o cavalo do inglês aprendeu a não comer; só
que morreu.
Não quero ser pessimista. Mas o que mais falta faz neste
momento é liderança. Gente em quem a gente creia, que não só aponte os caminhos
de saída, mas comece a percorrê-los. Não estou insinuando que sem impeachment
não há solução. Nem dizendo o contrário, que impeachment é golpe. Estou apenas
alertando que as lideranças brasileiras (e escrevo assim no plural) precisam se
dar conta de que desta vez os desarranjos (não só no plano econômico, mas no
político também) foram longe demais. Reerguer o país requer primeiro passar a
limpo os erros. Não haverá milagre econômico sem transformação política. Esta
começa pelo aprofundamento da operação Lava-Jato, para deixar claro por que o
país chegou onde chegou. Não dispensa, contudo, profundas reformas políticas.
Não foram os funcionários da Petrobras os responsáveis
pela roubalheira (embora alguns nela estivessem implicados). Nenhuma diretoria
se mantém sem o beneplácito dos governos, nem muito menos o dinheirão todo que
escapou pelo ralo foi apropriado apenas por indivíduos. Houve mais do que
apadrinhamento político, construiu-se uma rede de corrupção para sustentar o
poder e seus agentes (pessoas e partidos). Não adianta a presidente dizer que
tudo agora está no lugar certo na Petrobras. É preciso avançar nas
investigações, mostrar a trama política corrupta e incompetente. Não foi só a
Petrobras que foi roubada, o país foi iludido com sonhos de grandeza nacional
enquanto a roubalheira corria solta na principal companhia estatal do país.
Quase tudo o que foi feito nos últimos quatro mandatos
foi anunciado como o “nunca antes feito neste país”. É verdade, nunca mesmo se
errou tanto em nome do desenvolvimento nacional nem jamais se roubou tanto sob
a proteção desse manto encantado. Embora os diretores da Petrobras diretamente
envolvidos na roubalheira devam ser penalizados, não foram eles os responsáveis
maiores. Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo. Lula mesmo encharcou as mãos
de petróleo como arauto da falsa autossuficiência. E agora, José? Não há
culpabilidade política? Vai-se apelar aos “exércitos do MST” para encobrir a
verdade?
É por isso que tenho dito que impeachment é uma medida
prevista pela Constituição, pela qual não há que torcer, nem distorcer: havendo
culpabilidade, que se puna. Mas a raiz dos desmandos foi plantada antes da
eleição da atual presidente. Vem do governo de seu antecessor e padrinho
político. O que já se sabe sobre o petrolão é suficientemente grave para que a
sociedade repudie as forças e lideranças políticas que teceram a trama da qual
o escândalo faz parte. Mas é preciso que a Justiça não se detenha antes que
tudo seja posto às claras. Só assim será possível resgatar os nossos mais
genuínos sentimentos de confiança no Brasil e no seu futuro.