Se na Esplanada dos Ministérios a “faxina” de Dilma Rousseff passa a ideia de rigor contra a corrupção, na relação do governo federal com estados e municípios, a presidenta acaba de emitir um sinal inverso. Dilma vetou do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo que se destinava a evitar irregularidades e desvios nos convênios da União com as prefeituras e os governos estaduais. Ela retirou da LDO a exigência de que todos os governos estivessem com as prestações de contas em dia para receberem mais dinheiro do orçamento da União. Os problemas nas prestações de contas podem ser sinais de uso irregular ou até desvio de verbas públicas.
Como mostrou o Congresso em Foco no ano passado, apenas sete estados, a maioria da base aliada, receberam R$ 235 milhões mesmo “sujos” com o governo federal. Ou seja, ou não prestaram contas sobre se usaram corretamente o dinheiro, ou fizeram isso fora do prazo, não apresentaram documentos exigidos, ou eram investigados por tomadas de contas. Até hoje, os repasses continuam sendo feitos.
O Ministério do Planejamento, que orientou o veto de Dilma, disse que o objetivo do governo federal não foi “afrouxar” regras de combate à corrupção, mas garantir a continuidade das políticas públicas, para não prejudicar a população, principalmente a mais carente. A oposição não perdoa. “A presidente quer dizer para os aliados que eles podem roubar”, critica o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), autor do mecanismo vetado pelo Palácio.
Para fazer os repasses de dinheiro, considerados ilegais pelas Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, o governo se valeu da diretriz 2/10 do Ministério do Planejamento, publicada às vésperas das eleições. Pela norma, se a Secretaria de Transportes de uma cidade ou governo está “suja” porque não prestou contas das verbas recebidas, as outras secretarias podem continuar a receber verbas. O prefeito pode criar, por exemplo, a Secretaria de Mobilidade Urbana e tocar novas obras, apesar de um superfaturamento na empreitada anterior.
Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso neste ano queria deixar claro que isso já é proibido por lei – no caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por isso, foi incluído no texto orçamentário um artigo obrigando que a verificação de adimplência do estado e do município seja feita em todas as secretarias – e não apenas naquela que vai receber o dinheiro. Continuaria valendo a exceção para as áreas de educação, saúde e assistência, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal, para que as restrições não prejudiquem os serviços essenciais à população.
Mas Dilma vetou o mecanismo de prevenção a novos desvios de recursos. Após parecer dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, a presidenta da República justificou que “a maioria dos entes da Federação” tem problemas e não poderia pedir dinheiro para convênios com a União. A assessoria do Planejamento disse ignorar quantos são os governos e prefeituras impedidos de receberem dinheiro por inadimplência de alguma de suas secretarias.
Dilma alegou que a medida inviabilizaria as políticas públicas, o que prejudicaria a população (leia o veto da presidenta). No entanto, a LRF já exclui as áreas sociais mais sensíveis, como enfatizaram os chefes das Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, Wagner Primo Júnior e Orlando de Sá Neto, em nota técnica que analisou todos os quase 40 vetos da presidente. “Os vetos atingiram importantes dispositivos relacionados à transparência da peça orçamentária”, disseram os especialistas no documento (leia o parecer).
Como eles entendem que a medida apenas confirma o que já está em lei, Primo e Sá Neto, dizem que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo desrespeitada e, mesmo com o “não” de Dilma, é preciso fazer a checagem minuciosa de todas as prestações de contas.
Não há previsão de data para que deputados e senadores se reúnam e, em sessão do Congresso, apreciem o veto presidencial. Essa sessão deliberativa, temem oposicionistas, pode acabar sendo empurrada para o próximo ano pela ampla maioria governista tanto na Câmara quanto no Senado.
Retórica
O deputado Pauderney disse ao Congresso em Foco que a disposição de Dilma contra a corrupção é mera retórica. “A presidente tem dois ou três discursos. O primeiro é para a opinião pública – e, aí sim, ela gosta que a imprensa fale de faxina. O outro discurso é para a base aliada dela, e aí ela diz que não é faxina o que ela está fazendo, que faxina seria uma coisa tópica”, disse o oposicionista. Ele acrescentou que Dilma deixa a “esfera prática” ao decidir vetar uma emenda “que permitiria que a moralidade pública fosse exercida”.
Segundo Pauderney, a gestão da presidenta repete a tolerância do governo Lula em relação à malversação de dinheiro público e à corrupção. “Ela tirou da lei a vedação de que era proibido roubar. Nós já flagramos algumas vezes o Executivo repassando recursos para estados e municípios inadimplentes, burlando a norma legal”, emendou o deputado, garantindo que seu partido reagirá ao veto.
“Já estamos conversando sobre esse tema com o Tribunal de Contas da União. Temos de buscar um caminho, nem que seja trazer para a tribuna, ir ao Ministério Público, ir à Justiça Federal, fazer ação civil pública. Nesse caso, há uma ação realmente orquestrada entre os ministérios e até o próprio Congresso Nacional. São os órgãos da administração federal contribuindo para a corrupção”, concluiu.
Ações judiciais
Em nota, o Ministério do Planejamento disse que a motivação do veto foi evitar prejuízos à sociedade. “A medida geraria prejuízos à população, especialmente a mais carente, e um aumento das ações judiciais para cancelar os registros de inadimplência.”
No ano passado, o Congresso em Foco localizou alguns governo estaduais que alegaram receber recursos públicos mesmo inadimplentes por força de decisão judicial. Para exemplificar isso, o Planejamento citou uma ação cautelar movida por vários estados no Supremo Tribunal Federal contra a União que lhes garantiu o repasse de dinheiro.
Entretanto, a decisão do STF se refere a um governo com problemas por causa de uma empresa estatal ou autarquia – a chamada administração indireta. A medida vetada por Dilma refere-se a secretarias de estados e prefeituras, a chamada administração direta.
O Planejamento não respondeu se, embora motivado por não prejudicar a população, o veto não teria o efeito colateral de fomentar a corrupção. A assessoria disse que não era de sua competência comentar o conteúdo do veto.
Obrigação
Depois de afastar por suspeitas de corrupção e irregularidades ministros e diretores dos setores de Transportes, Turismo e Agricultura, Dilma passou a desprezar o termo “faxina”, para não causar atritos com sua base aliada. Disse que combater a corrupção não é “meta”, mas “obrigação” de um governo, já que a prioridade sempre será acabar com a miséria.
A Casa Civil da Presidência da República disse que não comentaria o caso, sob o argumento de que o assunto diz respeito às ações do Planejamento. O Ministério da Fazenda, que também orientou o veto, não prestou esclarecimentos.
Por Eduardo Militão e Fábio Góis
Do Congresso em Foco