quarta-feira, 28 de setembro de 2011

CRISE NA JUSTIÇA: Quem está com a razão? No mérito, é a corregedora. Na forma, ninguém! Peluso, presidente do STF e do CNJ, está exagerando; reação tem cheiro de corporativismo

Leiam o que informa Felipe Recondo no Estadão. Volto em seguida:
Na véspera do julgamento que pode restringir o controle externo do Judiciário, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Cezar Peluso, comandou a reação às críticas feitas aos juízes pela corregedora nacional, Eliana Calmon. Uma reunião convocada às pressas por Peluso atrasou em mais de duas horas o início da sessão de ontem do conselho e gerou uma crise sem precedentes no órgão. Peluso chegou carregando uma cópia das declarações feitas por Eliana Calmon em entrevista à Associação Paulista de Jornais (APJ), na qual ela afirmou que a magistratura hoje “está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”. Logo que os conselheiros se sentaram e os servidores deixaram a sala contígua ao plenário, Peluso disse: “Se os senhores não leram, leiam, porque em 40 anos de magistratura nunca li uma coisa tão grave.” E prosseguiu, conforme relatos dos conselheiros presentes: “É um atentado ao Estado Democrático de Direito”.
No texto, declarações da ministra que, na visão de Peluso e dos demais conselheiros, punham todos os magistrados brasileiros sob suspeita. “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura”, afirmou a ministra sobre a proposta de restringir o controle externo do Judiciário. Em seguida, na mesma entrevista à APJ, publicada ontem pelo jornal Folha de S. Paulo, ele citou os “bandidos”. Enquanto o texto passava de mão em mão e alguns conselheiros diziam já ter conhecimento da entrevista, Peluso questionou em voz alta e desferindo uma palmada na mesa: “Eu quero saber o que o conselho vai fazer”. E aguardou uma reação. Eliana Calmon pediu a palavra. Disse que ainda não havia lido a entrevista e afirmou desconhecer sua repercussão. Reafirmou o que pensava, que na sua opinião há de fato juízes que se valem do cargo para cometer crimes. Peluso reagiu. “Então a senhora cumpra sua função, traga os nomes, monte o processo e traga as provas e nós punimos todos eles.” Eliana então disse que enfrenta problemas na corregedoria que atrapalham em certos momentos as investigações. Peluso altercou novamente. “Então diga quais são os problemas.”
À noite, a corregedora afirmou ao Estado que não falava de toda a categoria: “Falei de alguns poucos que estão querendo se esconder atrás da toga, para causar esse estrago absurdo”. Ela se disse “preocupada com o esvaziamento da corregedoria, com a dificuldade que temos de investigar”. E que considera o CNJ “uma luz no fim do túnel para fazer as devidas correções de rumo”.
“Claríssimo”
Para amenizar a crise, o conselheiro Wellington Cabral, que ocupa uma das vagas destinadas ao Ministério Público, sugeriu que Eliana pudesse esclarecer o que havia dito. Peluso se antecipou: “Só se esclarece o que não está claro. O que está expresso na entrevista é claríssimo.” O conselheiro Sílvio Rocha propôs então que o CNJ produzisse uma nota oficial. Ao mesmo tempo, Eliana poderia explicar publicamente suas declarações. “Uma nota é o mínimo que o conselho pode fazer”, reagiu Peluso. Entre alguns conselheiros e entre apoiadores de Eliana, a declaração de Peluso deixou a impressão de que mesmo um processo administrativo contra a ministra foi aventado. Entretanto, ninguém chegou a propor um processo contra a corregedora.
Outro conselheiro, Ney José Freitas, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, pediu a palavra. A reação a Eliana foi aumentando e naquele momento já denotava que ela sairia da sessão isolada. Disse que ele e o tribunal que preside não aceitavam aquela pecha e repudiavam a generalização das críticas feitas pela ministra. Ele lembrou que generalizações como a que teria feito a ministra já haviam marcado os juízes trabalhistas quando descoberto o escândalo na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. “Todos os juízes trabalhistas eram chamados de Nicolau”, afirmou em referência a Nicolau dos Santos Neto, pivô do escândalo de desvio de recursos na execução da obra. Mais Aqui
Voltei
Jornalistas honestos não dão a menor pelota se alguém disser que há bandidos entre jornalistas. Há mesmo! Médicos honestos não darão a mínima se disserem que há bandidos entre médicos. Dificilmente alguém se zangaria: “Aponte quem é ou então se cale”. Porque há bandidos entre médicos, entre padres, entre pastores. Há até bandidos entre os bandidos, entendem?, gente que não consegue nem mesmo se adaptar àquela ética já de natural tão elástica. Por que hão de ficar tão furiosos os juízes quando se afirma que há bandidos que se escondem na toga. E não há?
Ocorre que Eliana Calmon ocupa uma função vital justamente no órgão que tem a missão de avaliar e punir as irregularidades. Considero, por isso, a sua afirmação imprópria, ainda que não descabida — a menos que juízes agora existam no éter e sejam dotados de qualidades morais inatas que os distingam dos outros homens. Para alguém que exerce o seu papel, a fala foi exagerada, sim. Poderia certamente ter expressado o seu descontentamento sem, no entanto, ter ido além do comedimento que se exige de um juiz.
Mas isso não justifica a reação de Peluso, não! A categoria dos juízes não está sob suspeição. Cumpre — e ele deve ter, então, a moderação que ela não teve, mormente porque é o presidente do CNJ e do STF — não “hiperinterpretar” (se me permitem o verbo) o que disse a corregedora. Dois erros não fazem um acerto. E o erro de alguém na posição de Peluso é mais grave do que o erro de alguém na posição da corregedora. Se não for ele a ter moderação, quem será?
Castrar o CNJ
Quanto à questão em si, entendo que, de fato, o CNJ está correndo o risco de virar mais um desses órgãos que têm a nobilíssima missão de nada fazer. Se o STF limitar a ação da corregedoria, como pretende a pressão corporativista, o Judiciário estará dizendo que não aceita ser submetido aos mesmos mecanismos de transparência que se exigem dos outros dois Poderes. Por que não?
O arroubo retórico de Eliana Calmon não deve servir de pretexto para o que seria um óbvio retrocesso. Afinal, é conveniente que o Judiciário não tenha a ambição de ser um Poder soberano da República. Dos três, é o único não-eleito. Por isso mesmo, sua carregedoria deve ser mais severa. Afinal, o povo não pode cassar nas urnas o mandato de um juiz.
Por Reinaldo Azevedo
REV VEJA

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