terça-feira, 5 de março de 2019
Que desfilem todas as alas deste bloco sujo Perdidos do Brasil. Vêm aí a
Lava Toga e a Lava Beca. Aleluia, amém, nós todos! Artigo de José
Nêumanne, publicado no Estadão:
A confissão do ex-governador do Estado do Rio Sérgio Cabral Filho
está fazendo o Poder Judiciário, até agora intocado nas célebres
operações de combate à corrupção (Lava Jato, Greenfield, Cadeia Velha e
tantas outras, que ganharam fama e prestígio após muitos anos de
impunidade garantida) perder o sono.
Nos últimos dois anos os meios de comunicação têm publicado que
Cabral dispõe de uma lista de 97 nomes de juízes, desembargadores,
ministros de tribunais superiores e membros do Ministério Público. O
emedebista, que foi aliado in pectore dos petistas Lula da Silva e Dilma
Rousseff, mas apoiou Aécio Neves, do PSDB, na eleição de 2014, foi
levado a concluir que terá de delatar, depois de ter adotado várias
estratégias que não tiveram o condão de aliviar sua barra, como se diz
na gíria carioca. Um empecilho previsível, contudo, impediu que ele
sequer começasse a negociar com o Ministério Público Federal (MPF) ou,
em última instância, como fez o ex-maioral petista Antônio Palocci, com a
Polícia Federal (PF). Sem alternativa, numa evidente movimentação para
obter redução de pena a partir de um acordo de delação premiada, ele
promoveu uma ciranda, cirandinha de advogados pulando de banca em banca,
malogrando sempre pela ineficácia dos métodos empregados: enfrentamento
do juiz da causa, Marcelo Bretas, hoje quase tão famoso e respeitado no
Brasil quanto o de Curitiba, atualmente ministro da Justiça, Sergio
Moro, e negativa peremptória de afirmações de cúmplices que fazem
delação premiada. Ao contrário do que ocorreu com alguns desses
companheiros de condenação, caso do ex-chefe de sua Casa Civil Régis
Fichtner, seu então secretário da Saúde Sérgio Côrtes e empresários como
Jacob Barata, vulgo “o rei dos ônibus”, beneficiados pelo espírito
benemérito do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes
ou pela proteção familiar do ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) Marco Aurélio Bellize, promovido por mercê de sua interferência,
Cabral foi somando anos de pena em suas condenações sem que ninguém nas
altas Cortes do Judiciário se apiedasse de suas agruras. Não conseguiu,
porém, tirar do bolso do colete o curinga que lhe restava do baralho, ou
seja, delatar a turma do Batman, que se ausentou das listas da
Odebrecht, da OAS e de outros fornecedores de seu bilionário
propinoduto. O problema é que o que lhe convinha prejudicava os
interesses profissionais e pecuniários dos causídicos que contratou.
Estes, sensatamente, temiam que suas bancas viessem a ser perseguidas,
renegadas e esvaziadas pelos alvos que ameaçava atingir: os magnatas das
mais elevadas Cortes. Foi aí que jogou o orgulho na latrina da cela e
partiu para a opção viável: a “humildade” de contar toda a verdade,
delatar sem prêmio. E, aí, surgiu sua terceira face: o chefão arrogante e
impiedoso virou o réu confesso “viciado em dinheiro”, em busca de
piedade e compreensão dos procuradores que antes desprezava e do juiz
que já tentara enfrentar. como se ainda ocupasse o gabinete mais
poderoso do Palácio Guanabara. O autor destas linhas, com seu testemunho
de leitor fiel e atento, vem acompanhando e comentando a estratégia de
Cabral, que é diminuir seu tempo na prisão, condenado a quase 200 anos, e
também proteger a sua “riqueza”, a ex-primeira dama Adriana Ancelmo,
condenada a 18 anos.
A recente prisão de seu braço direito, negociador de todos os
achaques, o chefe da Casa Civil de seus governos, Regis Fitchner,
acelerou esse movimento. Seu ex-primeiro-ministro, como agora ele
definiu, tinha sido preso em 2017 e, naquela ocasião, ameaçou contar
coisas do Judiciário que nem o diabo sabia. Não teve tempo de fazê-lo,
pois rapidamente foi solto, graças ao desembargador Espírito Santo.
Amém.
Agora, Regis Fichtner foi preso novamente e Cabral está abrindo a
boca, “sentindo-se aliviado”. O “aliviado” Cabral acusou Regis Fichtner
de ser o coordenador dos esquemas de pagamento de propinas,
operacionalizando o disfarce de caixa 2. O agora “arrependido” e loquaz
ex-governador confirmou entregas de propinas no Palácio Guanabara e por
meio do escritório de advocacia de Fichtner, com o emprego de honorários
superfaturados. Quem pode garantir que esse caso tenha sido o único?
Ora, pelo visto, a Lava Jato ainda tem salas que precisam ser abertas.
Vamos a elas:
1) As omissões premiadas
A confissão de Sérgio Cabral de superfaturamento em obras da
Odebrecht no Rio não constou da delação dos 78 executivos da companhia.
Nenhum dos solícitos súditos dos empreiteiros “teutobaianos” contou que a
empreiteira pagou propinas para transformar o velho Estádio Mário
Filho, o maior do mundo, o templo do maracanazo de 1950, em Arena
Maracanã, palco das finais da Copa do Mundo da Fifa em 2014 e da
primeira medalha de ouro olímpica da seleção nacional na final do
futebol da Olimpíada do Rio, de cuja escolha Cabral participou como
governador, na companhia de alguns “sócios”, como o famoso “rei Arthur”.
Lembra-se? E agora?
Esse caso não é único no capítulo a que me tenho referido
frequentemente, seja neste espaço semanal no Blog do Nêumanne, seja no
Estadão Notícias, no comentário matutino da Rádio Eldorado (FM 107.3) e
no canal com meus vídeos no YouTube. O assunto também tem sido tratado
fora do território fluminense e da roubalheira do MDB, aliado do PT de
Lula e Dilma. Recente reportagem da Folha de S.Paulo revelou as
estranhezas que acontecem em delações/omissões premiadas. Paulo Vieira
de Souza, conhecido como Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, do ninho
tucano, estava pronto para delatar. Aí, Aloysio Nunes Ferreira arrumou
para ele um novo advogado, Roberto Santoro, que “funcionou como salvador
da pátria” ao conseguir um habeas corpus de Gilmar Mendes, soltar Paulo
Preto e abortar sua delação premiada. Dia destes, a Polícia Federal
(PF) pôs os olhos em e-mails de uma filha do dito cujo lamentando o
favor que terminou desfavorecendo o favorecido. Em idêntica busca e
apreensão recente foi revelado o diário do engenheiro referindo-se a um
“anjo protetor Gi” na mesma linha em que o ministro Gilmar era citado.
A desconfiança da filha de que Paulo Preto deveria ter seguido a
trilha da delação confirmou-se com a prisão do pai, agora condenado a 27
anos por fraude em licitações e formação de cartel de empreiteiras para
a construção do trecho sul do Rodoanel, a primeira condenação da Lava
Jato de São Paulo. Qual será agora a estratégia de Roberto Santoro, o
“salvador da pátria”? Santoro é figurinha conhecida no meio jurídico,
pois faz dupla com o advogado Frederick Wassef, que, segundo o colunista
do Globo Lauro Jardim, “opera nas sombras”. A dupla está trabalhando
também para o clã Bolsonaro. Não deixaremos de acompanhar suas façanhas.
O primeiro caso de omissões premiadas, que não diz respeito nem a
Cabral nem ao tucanato emplumado, mas “desempoderado”, está indo a
julgamento. O relator da Operação Lava Jato no STF, ministro Edson
Fachin, vai pôr no plenário a votação sobre a validade ou não da delação
dos quatro executivos do Grupo J&F, tendo em vista que houve
“omissão de fatos criminosos” pelos delatores. Se o plenário do STF
julgar que houve omissões, as benesses recebidas pelos irmãos Joesley e
Wesley irão por água abaixo por um bom motivo. Quando o
ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, protagonista da
excelente reportagem de José Fuchs, no Estado (Economia, B4) de domingo,
Os privilegiados da Previdência, por receber R$ 37,3 mil de
aposentadoria, usou Joesley para gravar a confissão do ex-presidente
emedebista Michel Temer (que lhe disse “tem que manter isso aí, viu?”), o
marchante de Anápolis ganhou o prêmio de anistia para penas que
somariam 200 anos de cadeia, conforme revelou o repórter do Estado
Marcelo Godoy. Tudo por ter contado que administrava contas de Lula e
Dilma no exterior, das quais nunca apresentou uma provinha sequer.
2) O câmbio negro das omissões premiadas por meio de pagamento a advogados
Há que apurar quem paga os advogados dos envolvidos na Lava Jato, no
caso de Palocci: os novos-ricos Adriano Bretas e Tracy Reinaldet.
Palocci não pode ser, pois o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe
da Casa Civil de Dilma tem seus recursos bloqueados, assim como outros
envolvidos na mesma e célebre operação. O site O Antagonistainformou
também que executivos da empreiteira OAS foram acusados de combinar
delações favoráveis à empresa e, em contrapartida, receberam polpudas
remunerações. Grave! Não pode cair na vala comum do esquecimento.
3) O uso de bancas de advocacia como instrumento de lavagem de
dinheiro, que é caso do escritório de Regis Fichtner, de acordo com o
que já se sabe, também pelo depoimento de seu ex-chefe e sócio Cabral.
4) O mercado persa de nomeações, as incestuosas relações entre
advogados e juízes, que foi confirmado pelo mesmo Sérgio Cabral, que
confessou que ele e Regis Fichtner indicaram vários ministros para as
Cortes superiores. Aqui não pode valer aquela velha saída petelulista da
“falta de provas” nem dispensar a investigação pelo mesmo motivo pelo
qual a chapa Dilma-Temer foi absolvida no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) sob presidência do onipresente Gilmar Mendes e o olhar curioso,
arguto e probo do ministro relator, Herman Benjamin, ou seja, o “excesso
de provas”.
Ainda sobre esse mercado persa de nomeações, em sua proposta de
delação premiada Palocci narrou que Márcio Thomaz Bastos prometeu ao
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Asfor Rocha uma vaga no
STF em contrapartida à anulação da Operação Castelo de Areia. A vaga não
saiu, mas a referida operação foi anulada no STJ, onde Asfor se
aposentou, passando a fazer parte da casta de privilegiados da
Previdência, tal qual Janot. Isso sem falar que todos nós sabemos, pois
ficou público, que o próprio Lula colocou Márcio Thomaz Bastos para
advogar para a Camargo Corrêa, livrando a empresa, os empreiteiros e os
políticos e arquivando a Castelo de Areia, o trailer da Lava Jato. Não
têm faltado evidências de que este escriba não está vendo pelo em ovo.
Casos escabrosos acontecem mesmo. Para ilustrar, Eurico Teles, o
atual presidente da Oi, que os novos acionistas querem substituir, foi
denunciado pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, em
2014, e réu em 2017, por formação de quadrilha, estelionato, patrocínio
infiel e lavagem de dinheiro. O esquema, segundo a PF, consistia em
subornar um escritório de advocacia que defendia 13 mil clientes em
ações contra a Oi, em troca de encerramento dos processos judiciais. Ou
seja, Eurico e a Oi compravam o defensor de seus clientes insatisfeitos.
O fim dessa história é público e notório. A Oi faliu devendo R$ 65
bilhões aos credores, principalmente o contribuinte brasileiro.
Para encerrar, vamos aproveitar o que resta do tríduo do Rei Momo e
festejar, pois o Brasil tem tudo para ser, de fato, passado a limpo. Que
desfilem todas as alas deste bloco sujo Perdidos do Brasil. Vêm aí a
Lava Toga e a Lava Beca. Aleluia, amém, nós todos!