sexta-feira, 12 de abril de 2019
Lula não está preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar
o Brasil para cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão. Coluna de
J. R. Guzzo, publicada na edição impressa de Veja:
Lula acaba de completar seu primeiro aniversário na cadeia sem que
tenha sido possível perceber, ainda dessa vez, a revolução que as massas
fariam para tirá-lo de lá. É verdade que estão trabalhando o tempo todo
para soltar o ex-presidente, nos tribunais superiores, nos escritórios
de advocacia especializados em defender ladrões do erário e nas alturas
da classe “civilizada”, tal como ela existe neste país. Mas a coisa está
mais complicada do que garantiam um ano atrás os doutores em análise
política – segundo eles, Lula ia ficar não mais que umas 24 ou 48 horas
preso, se tanto, pois “o Brasil não aguentaria” o cataclisma de sua
entrada no sistema penitenciário. O Brasil aguentou perfeitamente, como
se viu até agora; ninguém está sentindo falta do homem descrito como o
“mais importante” da história política do Brasil. Por que será que ficou
assim? Talvez porque não se tenha conseguido, até o momento, colocar de
pé três argumentos sérios para justificar a sua soltura. Dois
argumentos, então? Também não se encontra. Um, pelo menos? Pois é: nem
um. Daí a dificuldade de tirar Lula do xadrez – ninguém consegue dar um
motivo minimamente razoável para isso.
O que existe, na verdade, é a velha contrafação de sempre – Lula
deveria ser solto, segundo afirma o seu sistema de apoio, porque vai ser
“bom para o país”. Só por causa disso? Sim, só por causa disso; não se
julga necessário dar nenhuma outra razão. Não há surpresa alguma, aí. O
Brasil já se acostumou, há anos, a ver os grandes cérebros da nossa
política transformarem os interesses particulares do ex-presidente em
necessidade nacional – se isso ou aquilo diz respeito a Lula, acham
eles, então tem de dizer respeito a todos. Mas, no caso, Lula não está
preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar o Brasil para
cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão, segundo resolveu o único
organismo que pode resolver se ele é ladrão ou não é – a justiça
brasileira.
Não é uma opinião. Quem diz que Lula é ladrão são os autos – as
testemunhas, a exibição de fatos e as provas apresentadas. Mais que
tudo, ele foi condenado num processo impecável do ponto de vista legal;
seria difícil encontrar algum outro caso na história da justiça penal
brasileira em que as exigências da lei para punir alguém tenham sido
obedecidas com tantos extremos de cuidado. Seu direito de defesa foi
exercido na mais absoluta plenitude; não lhe foi negado rigorosamente
nada, no incomparável arsenal de facilidades que a justiça brasileira
oferece a réus que têm milhões para gastar com advogados. Ninguém sabe
ao certo o número de recursos, apelos, habeas corpus, mandados de
segurança, agravos, embargos, etc. que o réu socou em cima da justiça
para se defender. Passaram de 100, possivelmente, e tudo o que ele achou
errado foi considerado certo pelas instâncias superiores. Fazer o que,
então?
Há uma vaga ideia, na elite iluminada, de que a culpa de Lula não
está suficientemente demonstrada. Mas muita gente acha que está. E aí:
quem resolve? Com certeza não é torcida do Corinthians, nem o Datafolha.
É a justiça, e ela já resolveu. Nossa justiça é ruim? É horrível. O
presidente do STF levou bomba duas vezes seguidas no concurso para a
magistratura; não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos, mas
pode ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. É preciso
dizer mais alguma coisa? Mas essa justiça, do jeito que está, é a única
disponível no Brasil de hoje – não dá para entregar o julgamento de Lula
ao judiciário da Holanda, não é? Além disso, o Complexo Pró-Lula não
apenas acha que ele é inocente até prova em contrário, ou até a sua
sentença “transitar em julgado”, daqui a mais uma dúzia de sentenças.
Acha que Lula é inocente enquanto negar que é culpado; só pode ser
punido se um dia confessar seus crimes.
Ninguém reclama, ao mesmo tempo, que estejam presos Eduardo Cunha,
Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e tantos outros. Será que é porque
roubaram mais? Ou porque sua prisão “não faz mal ao Brasil”? Jamais se
menciona, também, que ex-presidentes presos não prejudicam a “imagem
internacional” de país nenhum. Rafael Videla, da Argentina, morreu na
cadeia. Park Geun hye, da Coréia, está cumprindo pena de 24 anos de
prisão por corrupção. Alberto Fujimori, do Peru, aos 80 anos de idade,
acaba de voltar ao xadrez para cumprir o restante da sua pena de 25 anos
de prisão por ladroagem, após ter sido liberado por três meses para
tratamento de um câncer. Por que teria de ser diferente com Lula?DO O.TAMBOSI