Tudo correu como planejado no primeiro dia do suposto julgamento
do pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff—Michel Temer.
Verificou-se que a única maneira de levar o processo adiante é voltando
no tempo. Em nome da preservação do sacrossanto direito de defesa, o
Tribunal Superior Eleitoral decidiu que, além de conceder mais prazo
para que os advogados de Dilma e Temer apresentem novamente suas
“alegações finais”, será necessário ouvir novas testemunhas.
A
certa altura, o relator Herman Benjamin, preocupado em evitar que o
processo se torne “um universo sem fim”, fixou um limite: “Não vamos
querer ouvir Adão e Eva e a serpente.” O colega Napoleão Nunes Maia
Filho concordou: “Eu também não quero retornar ao Paraíso.” Mas deixou a
questão em aberto: “A não ser se fosse no período anterior à queda.”
Ficou entendido que, no limite, o TSE ainda pode culpar a maçã pelos
pecados nada originais cometidos na campanha que reelegeu Dilma e Temer.Na prática, o TSE decidiu suspender o julgamento antes mesmo que o relator pudesse iniciar a leitura do seu relatório. Retornou-se à fase de coleta de provas. Atendendo a pedido da defesa de Dilma, os ministros da Corte Eleitoral abriram novo prazo de cinco dias para que os advogados se manifestem. Nos dois dias que o relator havia concedido, os advogados de Dilma produziram alegações finais de 213 páginas. Restabelecida a ordem, produzirá muito mais.
Sobretudo porque, na sequência, os ministros deliberaram que o novo prazo de cinco dias vai durar pelo menos uns dois meses, pois só começará a ser contado depois da inquirição do ex-ministro petista Guido Mantega e mais três personagens que acabam de fechar acordo de delação com a força tarefa da Lava Jato: o marqueteiro João Santana, sua mulher Monica Moura e um personagem desconhecido do noticiário: André Santana.
Estima-se que os novos procedimentos empurrarão a próxima sessão do pseudo-julgamento para algum ponto no calendário de maio ou junho. Até lá, dois dos atuais ministros —Henrique Neves e Luciana Lóssio— já terão sido substituídos por um par de julgadores indicados pelo acusado Temer: Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.
Gilmar Mendes, presidente do TSE, elogiou o trabalho do relator Benjamin. “Sua Excelecência, inclusive, hoje, demonstrou a clarividência e a humildade de fazer eventuais ajustes, tendo em vista a marcha do processo, a necessidade de que o processo vá para a frente. E que não fique nesse permanente ritornelo. Ele que está muito sensibilizado pela imagem bíblica da oitiva da serpente. Não sei se isso tem alguma razão metafórica.”
Com sorte, o julgamento hipotético será retomado antes do recesso de meio do ano do Judiciário. Seja quando for, o ministro Napoleão, aquele que admite levar ao processo ao Éden se for “no período anterior à queda”, pedirá vista dos autos, postergando um pouco mais o veredicto. Nada impede que outros ministros façam o mesmo nas sessões subsequentes.
Nesse ritmo, quando conseguir apontar a maçã como culpada pelos crimes eleitorais de 2014, o TSE talvez conclua que será necessário reabrir uma vez mais a fase de instrução processual. Como se sabe, a Bíblia não especifica qual era o fruto proibido que Adão e Eva comeram naquele dia em que, por desobediência a Deus, a humanidade perdeu o Paraíso e, em troca, ganhou a mortalidade, o sexo, a indústria têxtil e o Departamento de Propinas da Odebrecht. DO J.DESOUZA