A
realidade brasileira está cada vez mais inacreditável. Há duas semanas,
fui às férias convencido de que nada de relevante aconteceria na
política durante a Copa do Mundo. No Brasil, porém, nada tornou-se uma
palavra que ultrapassa tudo. A ausência foi de apenas 15 dias. Mas volto
ao trabalho com uma nova visão sobre o Brasil, o mais antigo país do
futuro em todo o mundo.
Imaginei que conseguiria descansar do
noticiário. Planejara passar os olhos e os ouvidos a limpo. Nada de
internet, TV ou jornal. Não deu. O repouso foi contaminado por uma
espantosa sequência de fatos extraordinários protagonizados por pessoas
ordinárias —em todos os sentidos. O país não merecia destino tão
medíocre. Mas instalou-se uma espécie de monarquia tropical. Reina a
esculhambação.
Numa manhã de domingo, retido na cama do hotel pela
preguiça e pelo frio, fui despertado por uma novidade que chegou via
celular. Minha mulher leu em voz alta a mensagem enviada por uma amiga:
TRF-4 manda soltar Lula. Minha reação foi instantânea: Esqueça, é
notícia falsa. E ela: Será? A contragosto, fui à manchete do UOL. E
descobri que, no Brasil, o pesadelo é, hoje, melhor do que o despetar.
O
inusitado não era obra do TRF-4, mas de um desembargador do tribunal.
Não um desembargador qualquer. Tratava-se de um desembargador de porta
de cadeia. Do tipo que aproveita a condição de plantonista para produzir
um habeas corpus partidário, revendo decisão tomada em colegiado por
seus colegas. Coisa mantida pelo STJ e STF, as Cortes supostamente
superiores de Brasília.
É como se a história do Brasil
contemporâneo tivesse pretensões literárias. Ela parece buscar paralelos
na dramaturgia grega. Exagera nos detalhes. Transforma o plantão de um
magistrado companheiro em oportunidade a ser aproveitada por petistas
aloprados. Esforça-se para demonstrar que o exato é o exagero, que a
verdade é a esperteza.
Passado o espanto e a correção do
despautério, sobrou a evidência de que os libertadores do Supremo
fizeram escola. O Judiciário pulou dentro do mesmo micro-ondas que
carbonizou a legitimidade do Legislativo e a autoridade do Executivo.
Consolidou-se durante a Copa a sensação de que todos os países são
difíceis de consertar. Só o Brasil é impossível.
As
histórias de horror que ouvimos nos últimos anos —de partidos
antropofágicos em guerra permanente, de cofres estuprados, de desemprego
selvagem, de impunidade sádica, de bombas orçamentárias —são meras
camadas de um abismo que continua sendo cavado com persistência e
método. Volto do descanso cansado. O jornalista às vezes tira férias. A
realidade nunca. Nem em tempo de Copa.