O brasileiro sempre foi um povo de pouquíssimos espantos. No país
dos absurdos, o ponto de exclamação deixou de fazer parte dos hábitos
nacionais. Quando se imaginava que o Brasil estava mesmo condenado à
falta de estupefação, o juiz Sérgio Moro horrorizou todo mundo em
novembro de 2014. O magistrado ressuscitou o assombro ao colocar o
baronato da construção civil para dormir nos colchonetes da carceragem
da Polícia Federal, em Curitiba. Com seus mandados de prisão, Moro
transformou a Operação Lava Jato num ponto fora da curva.
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Operação Lava Jato da PF141 fotos
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28.abr.2015
- Por 3 votos a 2, a segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal)
concedeu nessa terça-feira (28) liberdade ao empreiteiro Ricardo Pessoa,
dono da UTC, que foi preso pela Polícia Federal por suspeita de
participação na operação Lava Jato. O Supremo também pode determinar que
ele cumpra prisão domiciliar. Além dele, oito acusados de participação
no esquema de corrupção na Petrobras, seis executivos e dois
funcionários de empreteiras também poderão cumprir a pena em casa
Leia mais Pedro Ladeira/Folhapresss
Antes
que o pasmo fizesse aniversário de cinco meses, a 2ª turma do STF
tratou de puxar o ponto de volta para perto da curva. Em decisão
apertada —três votos contra dois— o Supremo
transferiu
nove empreiteiros dos colchonetes do PF’s Inn para os lençois de linho
egípcio da prisão domiciliar. Restituiu-lhes o conforto às vésperas de
prestarem depoimentos sobre o assalto aos cofres da Petrobras.
Restaurou-se a anormalidade, tão normal no Brasil quanto as escamas no
peixe.
A decisão do STF foi tomada numa sessão em que se julgou um
pedido de habeas corpus formulado pela defesa de Ricardo Pessoa.
Trata-se do dono da UTC, apontado pelos operadores da Lava Jato como
coordenador do cartel que tomou de assalto a Petrobras. Como o mandado
que levara Pessoa à cadeia incluía os nomes de outros oito empreiteiros,
o STF decidiu estender o linho egípcio para os demais.
Relator do
processo, o ministro Teori Zavascki anotou em seu voto que “a sociedade
tem justificadas e sobradas razões para se indignar” com a
petrorroubalheira. Acrescentou que as pessoas têm motivos para “esperar
uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir os
responsáveis.”
Porém, prosseguiu Zavascki, “a sociedade saberá
também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente
do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for
capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração
e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos
princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito a ampla
defesa e do devido processo legal.”
Na opinião de Zavascki,
avalizada pelos colegas Gilmar Mendes e Dias Toffoli, as razões
invocadas por Sérgio Moro para ordenar as prisões dos empreiteiros
perderam a razão de ser. Como os executivos afastaram-se formalmente dos
postos que ocupavam nas empresas, não teriam como reincidir nos crimes.
A
ministra Carmen Lúcia, vencida na ilustre companhia do colega Celso de
Mello, decano do STF, contrapôs às teses de Zavaschi um argumento tão
singelo quanto avassalador. “Testemunhas ainda podem ser reinquiridas.
Como não existe mulher quase grávida, não existe instrução [de
inquérito] quase acabada. Quando finalizar a instrução, esse quadro pode
mudar.”
Ante o argumento de Zavascki de que os presos não estavam
sendo soltos, mas transferidos para a prisão domiciliar, Carmen Lúcia
recordou que, em casa, os empreiteiros terão acesso a telefone, internet
e a outras formas de comunicação. Der resto, o fato de os executivos
estarem formalmente afastados das respectivas empresas não impede que
continuem mandando e, sobretudo, desmandando por baixo dos panos.
A
lógica linear do raciocínio de Cármen Lúcia não foi capaz de reverter o
placar. Natural. O brasileiro não resistiria a tanto espanto. Ele já
está acostumado com o Brasil da anormalidade —um país em que sempre
existiu a corrupção só de um lado.
A CPI dos Anões do Orçamento,
por exemplo, identificou os parlamentares corruptos. Mas fechou os olhos
para os corruptores. A consultoria fictícia de PC Farias atraiu para as
arcas clandestinas de Fernando Collor o dinheiro de empresários
graúdos. Alguns tiveram seus 15 segundos de má-fama. Mas nenhum teve de
dar muitas explicações. Estava entendido que aquilo tudo era normal. Era
a maneira de fazer negócios.
Só de raro em raro consegue
prosperar no Brasil a ideia de que o corruptor é tão culpado quanto o
corrupto. Agora mesmo, sob Dilma Rousseff, o governo se esforça para
retirar as empreiteiras da fogueira. Alega-se que desonestas são as
pessoas, não as empresas. Sustenta-se, de resto, que a ruína das
empreiteiras atrapalha o desenvolvimento do país e o bom andamento das
obras.
Nos autos da Lava Jato, a propina é pecado. Nos hábitos
nacionais, trata-se de uma das mais normais anormalidades da história
nacional. No papelório do processo, Ricardo Pessoa é o chefão do cartel
que trocou contratos na Petrobras por propinas. Na defesa sustentada
oralmente da tribuna do Supremo pelo advogado Alberto Toron, o
todo-poderoso do cartel é apenas um bom marido, um bom pai, um ótimo
avô. Uma pessoa cuja liberdade não oferece o mais remoto risco à
sociedade. Sendo assim, nada mais normal do que restaurar a
anormalidade. Os doutores soltam
fogos. DO JOSIASDESOUZA-UOL