Em artigo publicado no
Estadão, o desembargador aposentado (TJ-SP) Aloísio de Toledo César
critica a decisão do STF em favor de Renan Calheiros, que, praticamente,
quebra as pernas da Polícia Federal:
Dias atrás o ministro
Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a
investigação da Polícia Federal em inquérito que envolvia senadores, na
chamada Operação Métis. Ele externou o entendimento de que os senadores
têm prerrogativa de foro, pela função que exercem, e por isso remeteu o
processo à geladeira do Supremo.
Naquela famosa Corte,
nove processos contra o senador Renan Calheiros dormem a sono solto.
Agora será só mais um – e por isso não fará muita diferença para os
julgadores, mas para nós representa uma porretada na cabeça.
Sim, com a decisão de
Zavascki, a Polícia Federal fica praticamente de pernas quebradas. A
remessa do processo ao Supremo significa que os policiais, para dar
continuidade às investigações, terão de remeter um ofício ao presidente
do STF, este o examinará pela ordem cronológica e, quando o deus da
preguiça estiver satisfeito, será o processo enviado a algum dos
ministros.
Aquele que o receber
decidirá, quando lhe aprouver, se é o caso de deferir ou não a pretensão
de investigar. O objetivo da investigação abortada era evitar e punir a
ocorrência de crime por obstrução da Justiça, ou seja, a polícia
interna do Senado tentava blindar as casas de alguns senadores de
investigações em curso pela Operação Lava Jato.
Pelo que aprendemos
com a Lava Jato, crimes dos mais graves se consumaram nos gabinetes e
nas residências de senadores, como, por exemplo, acertar as propinas com
as empreiteiras, exercer influência maléfica para destinar obras caras
aos amigos, combinar valores a serem depositados no exterior e outras
coisas assim. Isso se tornou público e ocorreu ao abrigo de um
privilégio de virar o estômago, chamado prerrogativa de função, ou seja,
a inviolabilidade e a imunidade que a Constituição federal concede a
cada parlamentar.
Mas se a ação
criminosa se situa além da inviolabilidade e da imunidade consagradas ao
parlamentar, impedir investigações destinadas à apuração do crime
representa um erro dos mais graves. Imagine-se, por exemplo, uma partida
de droga camuflada na casa de um parlamentar, mesmo sem a participação
dele. Não pode a Polícia Federal investigar?
A investigação
suprimida pelo ministro Teoria Zavascki fazia parte de processo da Lava
Jato, ou seja, caso de corrupção, que precisa e deve ser posto a nu para
julgamento. A Polícia Federal é instituição de alta credibilidade no
País e não merecia ter sido submetida a humilhação pela fala arrogante
do senador Renan Calheiros.
Ao estilo dos velhos
coronéis nordestinos, com a arrogância que o caracteriza, Renan
Calheiros chegou a investir furiosa e equivocadamente contra o ministro
da Justiça, Alexandre de Moraes, que nada tinha que ver com a ação em
desenvolvimento pelos policiais do Senado nas residências de senadores.
Foi grosseiro ao extremo, estava errado na sua avaliação e nem pediu
desculpas. Alexandre de Moraes poderia até mesmo agradecer, porque, como
diziam os antigos latinos, “laudari a bonis et vituperari a malis unum
atque idem est”, ou seja, ser louvado pelos bons e censurado pelos maus é
a mesma coisa.
Foi igualmente
grosseiro com o juiz federal que exercia sua competência de conformidade
com o que lhe delega a Constituição federal no seu artigo 109, V, ou
seja, processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais
praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.
Como a Constituição
dá com uma mão, é curioso admitir que alguém tire com a outra, razão
pela qual parece contraditório suprimir competência do juiz e dos
policiais federais quando não se trata nem de inviolabilidade, nem de
imunidade, que privilegiam o foro. Os senadores e deputados federais são
pessoas como todas as outras e não podem ser diferenciados quando a
acusação de crime se afasta das hipóteses de prerrogativas destinadas a
proteger a independência do Poder Legislativo.
Essas prerrogativas
foram estabelecidas em favor não do congressista, mas da instituição
parlamentar, e se destinam a garantir o exercício da atividade com
independência. Assim, por exemplo, deputados e senadores não respondem
civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos.
Mas se eles cometem
crimes inafiançáveis, podem até ser presos. Razão por que não se deveria
impedir a Polícia Federal de investigar crime comum praticado por
senador ou deputado federal, sobretudo quando é cometido fora do recinto
de trabalho.
No episódio em que a
arrogância de Renan Calheiros abalou o Congresso Nacional, não havia
provas de que o crime investigado fosse de sua autoria, mas ele causou a
impressão de que era. Os chamados policiais do corpo de segurança
interna do Senado tentaram, nas residências de alguns senadores, impedir
a coleta de provas objeto de investigação pela Lava Jato, isto é,
buscava-se dificultar a realização de justiça.
A grita de Renan
Calheiros é própria de alguém que pretende apresentar-se como vítima
quando contra ele ganham força os processos por suspeita de crime de
corrupção que dormem no STF. Algo assim: “Estão vendo? Eu enfrentei os
poderosos e agora tentam se vingar de mim...”.
Há uma certa
ignorância, até mesmo de graduados políticos, a respeito do que seja a
Lava Jato. Trata-se de processos judiciais que tramitam de conformidade
com o Código de Processo Penal e o Código Penal, sob a supervisão de um
juiz. Não existe a menor forma de interferir nesses processos, porque
significaria desautorizar o juiz Sergio Moro.
Vários deputados
federais e senadores são alvo desses processos e por isso a grita de
Renan Calheiros de nada os livrará. Todos devemos alegrar-nos quando o
Ministério Público Federal e a Polícia Federal agem no combate aos
crimes do colarinho-branco. - DO O.TAMBOSI