Dono da JBS gravou conversa com presidente
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RIO - Por volta de 22h30m do dia 7 de março, Joesley Batista entrou
no Palácio do Jaburu. Michel Temer estava à sua espera. Joesley chegou à
residência oficial do presidente com o máximo de discrição: foi
dirigindo o próprio carro para uma reunião a dois, fora de agenda.
Escondia no bolso uma arma poderosa — um gravador. Temer havia chegado
pouco antes em casa, logo depois do seu último compromisso do dia: uma
passada rápida na comemoração dos 50 anos de carreira do jornalista
Ricardo Noblat.
Todo o diálogo foi gravado por Joesley. Tem trechos explosivos. Num
deles, o dono da JBS relatou a Temer que estava dando mesada a Eduardo
Cunha e Lúcio Funaro para que ambos, tidos como conhecedores de segredos
de dezenas de casos escabrosos, não abrissem o bico. Temer mostrou-se
satisfeito com o que ouviu. Neste momento, diminuiu um pouco o tom de
voz, mas deu o seu aval:
— Tem que manter isso, viu?
Em seu depoimento aos procuradores, Joesley afirmou que não foi Temer
quem determinou que a mesada fosse dada. Mas que o presidente tinha
pleno conhecimento da operação cala-boca.
Tanto Cunha quanto Funaro já haviam prestado diversos serviços para o
grupo J&F. Cunha, por exemplo, por meio de emendas em projetos de
lei e pela influência que detinha no FI-FGTS, que investiu mais de R$ 1
bilhão em empresas da J&F. A mesada já era dada há alguns meses. A
PF filmou pelo menos uma entrega de R$ 400 mil para Roberta, irmã de
Funaro. Para Cunha, o dinheiro era entregue a Altair Alves Pinto, seu
homem de confiança. O "senhor Altair", como era conhecido, já foi
apontado por Fernando Baiano como o responsável pelo transporte das
propinas pagas a Cunha.
A conversa continuou e, em seguida, Joesley pediu a ajuda de Temer
para resolver uma pendência da J&F no governo. Temer disse que
Joesley deveria procurar Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para cuidar do
problema:
— Fale com o Rodrigo.
Joesley quis se certificar do que Rocha Loures poderia fazer por ele e perguntou:
— Posso falar tudo com ele?
Temer foi sucinto:
— Tudo.
Rocha Loures é um conhecido homem de confiança do presidente. Foi
chefe de Relações Institucionais da Vice-Presidência sob Temer. Após o
impeachment, virou assessor especial da Presidência e, em março, voltou à
Câmara, ocupando a vaga do ministro da Justiça, Osmar Serraglio.
Assim foi feito. O dono do JBS procurou Rocha Loures. Marcaram um
encontro em Brasília — e se acertaram. Joesley lhe contou do que
precisava do Cade. Desde o ano passado, o órgão está para decidir uma
disputa entre a Petrobras e o grupo sobre o preço do gás fornecido pela
estatal à termelétrica EPE. Localizada em Cuiabá, a usina foi comprada
pelo grupo em 2015. Explicou o problema da EPE: a Petrobras compra o gás
natural da Bolívia e o revende para a empresa por preços extorsivos.
Disse que sua empresa perde "1 milhão por dia" com essa política de
preços. E pediu: que a Petrobras revenda o gás pelo preço de compra ou
que deixe a EPE negociar diretamente com os bolivianos.
Com uma sem-cerimônia impressionante, o indicado de Temer ligou para o
presidente em exercício do Cade, Gilvandro Araújo. E pediu que se
resolvesse a questão da termelétrica no órgão. Não há evidências de que
Araújo tenha atendido ao pedido. Pelo serviço, Joesley ofereceu uma
propina de 5%. Rocha Loures deu o seu ok.: "Tudo bem, tudo bem".
Para continuar as negociações, foi marcado um novo encontro. Desta
vez, entre Rocha Loures e Ricardo Saud, diretor da JBS e também delator.
No Café Santo Grão, em São Paulo, trataram de negócios. Foi combinado o
pagamento de R$ 500 mil semanais por 20 anos, tempo em que vai vigorar o
contrato da EPE. Ou seja, está se falando de R$ 480 milhões ao longo de
duas décadas, se fosse cumprido o acordo. Loures disse que levaria a
proposta de pagamento a alguém acima dele. Saud faz duas menções ao
"presidente". Pelo contexto, os dois se referem a Michel Temer.
A entrega do dinheiro foi filmada pela PF. Mas desta vez quem esteve
com o homem de confiança de Temer foi Ricardo Saud, diretor da JBS e um
dos sete delatores.
Esse segundo encontro teve uma logística inusitada. Certamente,
revela o traquejo (e a vontade de despistar) de Rocha Loures neste tipo
de serviço. Assim, inicialmente Saud foi ao Shopping Vila Olímpia, em
São Paulo. Em seguida, Rocha Loures o levou para um café, depois para um
restaurante e, finalmente, para a pizzaria Camelo, na Rua Pamplona, no
Jardim Paulista. Foi neste endereço, próximo à casa dos pais de Rocha
Loures, onde ele estava hospedado, que o deputado recebeu a primeira
remessa de R$ 500 mil.
Apesar do acerto de repasses semanais de R$ 500 mil, até o momento só
foi feita a primeira entrega de dinheiro. E, claro, a partir da
homologação da delação, nada mais será pago.
(
Colaborou Guilherme Amado) DO O GLOBO