terça-feira, 3 de outubro de 2017

Em resposta a Temer, procuradores avisam que não se intimidarão

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) repudiou nesta terça-feira (3) as declarações feitas pelo presidente Michel Temer em suas redes sociais, definindo-as como irresponsáveis.
No documento, o presidente da ANPR, procurador José Robalinho Cavalcanti, afirma que é natural que Temer exerça sua autodefesa, mas chama de "absolutamente incabível e irresponsável" o uso de meios oficiais pelo presidente para ofender o Ministério Público.
A associação defende a atuação do ex-procurador geral da República Rodrigo Janot, enfatiza que os procuradores da República não se intimidarão e diz que o trabalho seguirá "de forma serena e firme, sem temer ninguém e sem olhar a quem”.
Em post no Twitter, o presidente Michel Temer afirmou que tem que "lidar com mais uma denúncia inepta e sem sentido proposta por associação criminosa que quis parar o país", em referência à acusação apresentada por Rodrigo Janot, que o denunciou por obstrução de justiça e organização criminosa.
"Os membros do MPF – ofendidos de forma generalizada pela mensagem do presidente, como se fosse esta instituição da República e seus componentes a quadrilha –, ao oposto, fizeram mais uma vez um trabalho técnico, impessoal e isento”, afirma Robalinho na resposta a Temer.
Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela ANPR:
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público repudiar, da forma mais veemente, as declarações feitas pelo presidente da República, Michel Temer, no microblog Twitter, na manhã de hoje, 3, atacando a denúncia que sofreu e o trabalho da Procuradoria-Geral da República e do ex- PGR Rodrigo Janot.
O cidadão Michel Temer foi denunciado pelo MPF, desta vez, pelo cometimento dos crimes de organização criminosa e de obstrução de Justiça. Já enfrentava antes denúncia por corrupção passiva, que seguirá seu curso, após o cumprimento do mandato presidencial, por decisão soberana da Câmara dos Deputados. É natural, neste diapasão, que exerça o acusado sua autodefesa e se declare inocente. Normal e corriqueiro.
O Presidente da República Michel Temer, todavia, tem por uma das obrigações constitucionais maiores zelar pelo funcionamento das instituições, o que sempre fez, razão pela qual surpreende e é absolutamente incabível e irresponsável que use agora meios oficiais para ofender sem qualquer base a instituição do Ministério Público Federal.
É Sua Excelência Michel Temer quem responde à acusação – lastrada em numerosas provas de fatos concretos -  de pertencer à organização criminosa. Os membros do MPF – ofendidos de forma generalizada pela mensagem do Presidente, como se fosse esta instituição da República e seus componentes a quadrilha –, ao oposto, fizeram mais uma vez um trabalho técnico, impessoal e isento.
O PGR Rodrigo Janot era o promotor natural ao tempo dos fatos. Agiu, portanto, pela instituição MPF. As denúncias feita pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, baseiam-se em extenso trabalho de investigação de órgãos do Estado, e citam sólido rol de provas. Serão apreciadas, cedo ou tarde, pelo Poder Judiciário, como previsto em lei, e o país acompanhará os resultados.
A imensa maioria senão todas as imputações feitas por Rodrigo Janot enquanto PGR, bom lembrar, foram aceitas e prosseguem no Poder Judiciário.
Os membros do Ministério Público Federal não agem em perseguição a outrem e atentam-se apenas ao cumprimento de sua missão institucional. Assim agiu o então PGR Rodrigo Janot e equipe.
Os procuradores da República não se intimidarão. O trabalho dos membros do MPF em defesa do estado democrático de Direito prosseguirá sempre, de forma serena e firme, sem temer ninguém e sem olhar a quem. Esta, sim, é a verdadeira contribuição a ser dada ao País por todas as autoridades públicas. 
José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
DO G1

FACHIN NEGA PEDIDO DE AÉCIO PARA DEVOLVER O MANDATO

Pedro Ladeira - 26.set.2017/Folhapress
O senador Aécio Neves (PSDB-MG), que foi afastado pelo Supremo
O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), negou nesta terça-feira (3) um pedido do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para devolver seu mandato. Ele foi afastado das funções parlamentares na semana passada pelos ministros da primeira turma do STF.
Nesta segunda (2), a defesa de Aécio e o PSDB entraram com dois mandados de segurança no Supremo contestando o afastamento do tucano. Fachin foi sorteado relator dos pedidos –o sorteio excluiu os colegas da primeira turma.
Aécio pediu para que a decisão da primeira turma do STF fosse suspensa até que termine o julgamento da ação que trata sobre medidas cautelares contra parlamentares.
Este foi o pedido negado por Fachin. Ele manteve a suspensão imposta pelos colegas da corte.
"É incabível o presente mandado de segurança", disse Fachin na decisão.
De acordo com o ministro, Aécio deve primeiro recorrer na primeira turma e, no recurso, deve pedir a suspensão da decisão dos ministros.
Em outra frente, o PSDB –também por meio de mandado de segurança– pediu o retorno imediato de Aécio ao cargo, alegando que a primeira turma não poderia ter afastado Aécio.
No pedido, o PSDB afirma que a decisão dos ministros foi ilegal.
Neste caso, o ministro pediu que a AGU (Advocacia-Geral da União) se manifeste em até 72 horas.
A diferença nas decisões se deu por razão de quem entrou com as ações: no pedido feito por Aécio, o mandado de segurança que chegou ao Supremo era de "interesse individual", do próprio autor do pedido.
Já no caso do PSDB, era um mandado de segurança "de interesse coletivo": para que a decisão não pudesse ser aplicada a nenhuma pessoa. E, como a ação questionava uma decisão do Supremo, que é uma instituição federal, cabe à AGU representar o STF.
DEFESA
Quando o primeiro mandado de segurança foi sorteado, a defesa de Aécio contestou a relatoria do caso, que caiu com Fachin.
Para o advogado de Aécio, Alberto Toron, outro ministro deveria relatar a ação, uma vez que Fachin já havia afastado Aécio do cargo, em maio, e imposto medidas cautelares a ele.
Toron pediu a redistribuição do processo, e Fachin encaminhou o pedido para que a presidente Cármen Lúcia decidisse. Ela negou o pedido da defesa.
Nesta terça, o Senado deve deliberar sobre o afastamento de Aécio determinado pelo Supremo.
RESTRIÇÕES
Os senadores vão discutir se as restrições impostas a Aécio devem ter validade ou não. O tucano está afastado do mandato e cumpre recolhimento noturno por determinação da corte.
Depois da decisão sobre o afastamento, senadores encamparam movimento para marcar a votação no Senado para deliberar se o tucano deve acatar as medidas –e, portanto, cumprir o que foi imposto pela corte, além de ter de entregar o passaporte.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se reuniram na manhã de segunda para discutir uma saída a fim de evitar o alastramento da crise entre Legislativo e Judiciário.
Pela tarde, Cármen Lúcia conversou com Fachin, pessoalmente e por telefone, para tratar sobre a situação da votação do Senado prevista para terça e passou uma avaliação do que foi discutido com Eunício e Maia.
OUTRA AÇÃO
Aécio queria o mandado de volta até que o Supremo julgasse uma outra ação que está na pauta do dia 11 de outubro.
Na ação direta de inconstitucionalidade, partidos políticos pedem que as sanções contra parlamentares –como suspensão do exercício de função pública, por exemplo– sejam submetidas ao Congresso Nacional em 24 horas.
No julgamento, os ministros devem discutir duas questões: se o tribunal pode determinar medida cautelar contra parlamentar e, em caso positivo, se o Congresso precisa colocar essa decisão em votação.
A discussão chegou ao Supremo porque três partidos –PP, Solidariedade e PSC– questionaram o poder de sanção dos ministros em maio de 2016, depois do afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). LETICIA CASADO-BRASILIA-FOLHA

Temer usa agência contratada pelo governo para se defender sobre inquérito nas redes


O presidente Michel Temer discutiu nesta segunda-feira (2) com seus auxiliares uma estratégia para usar a estrutura de uma agência contratada pela Secretaria de Comunicação Social com o objetivo de reagir ao pedido de Raquel Dodge para que ele seja ouvido em um inquérito.
Nesta segunda-feira, a procuradora-geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Temer seja ouvido no inquérito que investiga se houve corrupção na edição de decreto do setor de portos. Se o STF autorizar, Temer terá que prestar esclarecimentos.
O presidente teme que o pedido de Dodge desgaste ainda mais sua imagem diante da romaria para pedir votos contra a segunda denúncia na Câmara.
Por isso, segundo fontes disseram ao blog, Temer delegou a seu marqueteiro Elsinho Mouco - contratado como diretor da agência Isobar - a tarefa de construir nas redes sociais uma campanha com discurso de que o pedido de Dodge é normal.
Elsinho foi procurado para comentar o assunto. Diz o marqueteiro: "Quando você tem um cliente, você veste a camisa do cliente. A gente veste a camisa do governo. Mas nossa prioridade é jogar para o futuro, falar de gestão. A gente deixa o resto para os advogados".
E completou: "O que a procuradora fez foi o que o antecessor deveria ter feito. Não estamos comemorando, mas é o correto, o justo e normal pedir para ser ouvido. Tinha muita queixa sobre isso. Mas o presidente tem advogados para se defender, além da Secom para responder a inverdades sobre o governo".
Segundo dados da Secom, a agência Isobar tem um contrato de cerca de R$ 44 milhões com o governo, desde 2015.
O marqueteiro, na prática, cuida da imagem de Temer, neste caso, com dinheiro público - pago indiretamente pelo Planalto. As leis não permitem que a propaganda de governo enalteça a figura do presidente.
Na própria segunda, Temer foi às redes sociais com um discurso elogioso ao pedido da procuradora.
A ideia do presidente é usar as redes sociais para reproduzir o discurso. DA ANDREIA SADI-G1

Se Senado revisar STF abrirá ‘fratura institucional’, declara Ayres Britto


Josias de Souza


Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o jurista Carlos Ayres Britto observa com preocupação os desdobramentos do caso do senador tucano Aécio Neves, que eletrifica as relações entre o Senado e o órgão máximo do Judiciário. Em entrevista ao blog, ele declarou: “O que de pior pode acontecer neste caso é o Senado sustar a eficácia da decisão jurisdicional do Supremo. Os senadores não têm competência legal para isso. Seria inconcebível. Se acontecer, abrirá uma fratura institucional exposta.”
Após encontrar-se com a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, Eunício Oliveira (PMDB-CE), comandante do Senado, manteve na pauta desta terça-feira a votação sobre Aécio. A maioria dos senadores deseja anular a decisão da Primeira Turma do Supremo, que suspendeu o mandato de Aécio e proibiu o tucano de sair de casa à noite. Para Ayres Britto, a votação não deveria ocorrer, sobretudo depois que o PSDB e o próprio Aécio recorreram, nesta segunda-feira, ao Supremo.
“Ao entrar com mandado de segurança no próprio Supremo, Aécio obriga o Senado a suspender qualquer tipo de deliberação nesta terça-feira”, declarou Ayres Britto. “Foi o próprio senador atingido que bateu às portas do Supremo, reconhecendo que cabe ao tribunal dar a última palavra. É mais uma razão para que nesta terça-feira não ocorra deliberação nenhuma por parte do Senado.”
Presidente da Suprema Corte na época do julgamento do mensalão, Ayres Britto declara-se otimista com os efeitos da Era Lava Jato. ''Creio que o país sairá desse processo repaginado'', afirmou. Vai abaixo a entrevista:

— Acha justificável que o Senado desfaça as decisões da Primeira Turma do Supremo sobre Aécio Neves? É inteiramente injustificável. Mas vamos esquecer por um instante o objeto da discussão. Sugiro que nos concentremos no que diz a Constituição em matéria de separação dos Poderes? O artigo 2º diz que são três os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa ordem é tão lógica quanto cronológica. Tudo começa com o Legislativo, porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O primeiro princípio regente de toda a administração pública é a legalidade. Tudo começa com a lei. O Executivo, como o nome diz, executa as leis. Para isso, baixa decretos e regulamentos. Tudo na ordem lógica e cronológica. Mas é preciso que haja um Poder que diga se o Legislativo editou as leis de acordo com a Constituição e se o Executivo editou seus decretos e regulamentos de acordo com as leis. Esse Poder é o Judiciário. Tudo afunila para o Judiciário. O Judiciário não governa, mas impede o desgoverno. Isso é lógico, é civilizado. O mundo ocidental democrático se comporta assim.
— A última palavra, em qualquer hipótese, é do Supremo Tribunal Federal? Sim. Quando você olha para o Judiciário, enxerga uma estrutura: os tribunais superiores, os tribunais regionais federais, os tribunais estaduais, o tribunal eleitoral… Todos estão sob a jurisdição última do Supremo. É o Supremo que encima o Judiciário, é ele que está no ápice, no topo do Poder. Você vai ao artigo 102 da Constituição e verifica que está dito lá: compete ao Supremo a guarda da Constituição. Então, quando o Supremo fala, acabou! Quem quiser recorrer, recorre para o próprio Supremo. Há o habeas corpus, o mandado de segurança, embargos de declaração. O jogo consticucional que pode ser praticado numa democracia é esse.
— Ao recorrer ao Supremo Aécio Neves joga o jogo correto, não? Sem nenhuma dúvida. Ao entrar com mandado de segurança no próprio Supremo, Aécio obriga o Senado a suspender qualquer tipo de deliberação nesta terça-feira. Foi o próprio senador atingido que bateu às portas do Supremo, reconhecendo que cabe ao tribunal dar a última palavra. É mais uma razão para que nesta terça-feira não ocorra deliberação nenhuma por parte do Senado.
— Se o Senado levar adiante a ideia de se autoconverter em instância revisora de decisões do Supremo, quais serão as consequências? O que de pior pode acontecer neste caso é o Senado sustar a eficácia da decisão jurisdicional do Supremo. Os senadores não têm competência legal para isso. Seria inconcebível. Se acontecer, abrirá uma fratura institucional exposta.
— Há algum risco de a Primeria Turma ter exorbitado de suas atribuições ao punir Aécio? Não. Basta ler o artigo 102, inciso 1-B. Estabelece que cabe ao Supremo, entre outras coisas, julgar os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns. Você pode dizer: Ah, por desencargo de consciência, vou verificar as competências do Congresso, enumeradas no artigo 49 da Constituição. Não há neste trecho nada que habilite o Congresso —seja em reunião conjunta, seja em sessões do Senado ou da Câmara— a sustar atos jurisdicionais do Supremo. Não existe isso! Não tem! Nem poderia ter. Do contrário, a Constituição seria incoerente. O Congresso não tem competência para sustar decisões do Supremo.
— A decisão da Primeira Turma do Supremo, tomada por 3 votos a 2, baseou-se no artigo 319 do Código de Processo Penal, que relaciona sanções cautelares ‘diversas da prisão’, para punir Aécio. Acha que está correto? É preciso deixar claro que a Primeira Turma não incorreu em esquisitice, em bizarrice, em esdruxularia deliberativa. Longe disso. O que a turma fez é perfeitamente cabível do ponto de vista técnico. Não quero dizer com isso que seja uma decisão insuscetível de críticas. Isso é secundário. O que interessa é que a decisão é tecnicamente defensável. Em Direito, apressados comem cru. Não se deve superficializar o debate. Primeiro, é preciso entender o seguinte: quando a Constituição fala em prisão —e fala umas oito ou nove vezes— é prisão entendida como trancafiamento em estabelecimento do Estado, seja uma cela na delegacia de polícia, seja uma penitenciária. Isso é para cumprimento de pena, depois da sentença condenatória. A Constituição não fala em prisão domiciliar, recolhimento em domicílio. O texto constitucional é radical. Quando fala em prisão é no sentido de carceragem.
— Como surgiu o recolhimento domiciliar noturno? Numa lei recente, salvo engano de 2012, os congressistas modificaram o Código de Processo Penal. O artigo 312 do Código Penal estabelece quatro pressupostos para a decretação de prisão preventiva. O que fez o legislador no artigo 319? Ele decidiu suavizar a coisa. Disse: ‘vou evitar o encarceramento’. Então, anotou-se no artigo 319 que poderão ser adotadas como medidas cautelares diversas da prisão a suspensão da função pública e o recolhimento domiciliar noturno. Muitos dirão: ah, isso é dourar a pílula, porque recolhimento domiciliar à noite é prisão. Não é! Digo que não é porque a Constituição só considera como prisão o trancafiamento em estabelecimento prisional do Estado. Como se não bastasse, a própria lei, deliberadamente, oferece ao julgador um elenco de medidas diversas da prisão, alternativas à prisão. Não é invencionice. Está escrito na lei aprovada pelo Congresso. Então, a Primeira Turma do Supremo não incorreu em nenhuma esdruxularia interpretativa. Nenhuma!
— Portanto, a aplicação de sanções diversas da prisão, como previsto no Código de Processo Penal, não fere o artigo 53 da Constituição, que prevê a manifestação do Legislativo sobre prisões em flagrante dos parlamentares? Uma coisa não se confunde com a outra. Está claro que um parlamentar não poderá ser preso a não ser em flagrante de crime inafiançável. Quando houver a prisão, nessas circunstâncias, em 24 horas a Casa respectiva —o Senado ou a Câmara— delibera sobre a decisão do Supremo. E pode relaxar a prisão. Isso não muda. Mas no caso que envolve o senador Aécio, não se trata de prisão. Trata-se de recolhimento domiciliar, previsto na lei como medida diversa da prisão.
— Está otimista ou pessimista com os rumos das investigações anticorrupção? A vida nos impõe um visual holístico, sistêmico, equilibrado sobre as coisas. Devemos fugir da visão caolha. Acontece no inconsciente da gente um processo freudiano. Funciona mais ou menos assim: um olho da gente lacrimeja ao ver coisas como a dinheirama do Geddel Vieira Lima, num apartamento de Salvador. Mas o outro olho brilha ao perceber que esses milhões só estavam ali porque os paraísos fiscais, submetidos aos modernos sistemas de controle, deixaram de ser convidativos. Estamos evoluindo. E vamos aprendendo a ver as cisas com um olho na missa e outro no padre. Creio que o país sairá desse processo repaginado.

Raquel Dodge defende prisão de empresário que Gilmar soltou

Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal, procuradora pediu o restabelecimento da encarceramento preventivo do ex-presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira


BRASÍLIA – Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu nesta segunda-feira (2) o restabelecimento da prisão preventiva do ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira. Para Raquel, “chegam a ser acintosas” as cogitações de que a imposição de medidas cautelares seriam suficientes para garantir plenamente a ordem pública, como havia sido considerado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que mandou soltar Lélis.

+ Lava Jato acha telefone da mulher de Gilmar no celular do Rei do Ônibus

Em agosto, Lélis Teixeira e o empresário Jacob Barata Filho deixaram o presídio de Benfica, onde ficava o antigo Batalhão Especial Prisional (BEP). Os dois são réus na Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato que desmontou esquema de corrupção no setor de transportes do Rio, e tiveram a soltura ordenada por Gilmar Mendes.
Para Raquel Dodge, a periculosidade de Lélis Teixeira, Jacob e outros investigados é ainda maior porque eles ostentam “longa habitualidade criminosa – superior a 6 anos ininterruptos”, “enorme potencialidade de influência política e econômica sobre autoridades públicas – principalmente no âmbito estadual” e “ânimo de não se vincularem exclusivamente a este ou aquele grupo político, a esta ou aquela organização criminosa.”
Procurada pela reportagem, a defesa de Lélis Teixeira não havia respondido até a publicação deste texto.
SOFISTICADO. Na avaliação da procuradora-geral da República, não é razoável inferir que o potencial de Lélis Teixeira voltar a cometer crimes estaria neutralizado pelo simples fato de ele estar afastado de cargos que ocupou por anos a fio.
“Diante deste sofisticado modus operandi, chegam a ser acintosas quaisquer cogitações de suficiência das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP para garantir, plenamente, a ordem pública e a instrução criminal no caso concreto. Por todo o exposto (…), a decretação da prisão preventiva de Lélis Teixeira (assim como dos demais investigados) para garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, e também por conveniência da instrução criminal, apoia-se em motivos hígidos e em elementos probatórios idôneos e suficientes”, ressaltou Raquel Dodge.
“Revela-se necessário, pois, manter a prisão preventiva questionada. Especialmente em casos como o dos autos, referentes a grandes, complexos, duradouros e institucionalmente entranhados esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e outros delitos financeiros graves – que envolvem, além de diversas outras pessoas, um número considerável de agentes públicos e políticos, muitos dos quais, inclusive, ainda ocupam postos de comando na estrutura de poder do Estado brasileiro – a custódia preventiva exsurge como essencial instrumento inibitório da continuidade ou da repetição das graves práticas ilícitas constatadas”, concluiu a procuradora-geral da República. DO ESTADÃO

‘A era dos nossos barões da corrupção está chegando ao fim’ - DISCURSO DE SERGIO MORO

Leia a íntegra do discurso de gratidão do juiz federal Sérgio Moro ao receber o Notre Dame Award, homenagem já concedida anteriormente à madre Teresa de Calcutá pela univesidade americana


“Primeiro, minhas condolências para as vítimas deste terrível tiroteio em Las Vegas. Ele ofende a todos. Fatos como esse nunca deveriam ocorrer e são até mesmo difíceis de entender.
Dito isso, eu devo dizer que estou profundamente honrado em receber essa distinta premiação pela também distinta Universidade de Notre Dame.
Estou tocado pelas palavras gentis e fortes do Padre John Jenkins. Fico muito agradecido.
Eu devo dizer que eu sou apenas um dos agentes do Movimento brasileiro anticorrupção.
Os cidadãos brasileiros recuperaram em 1985 todos os seus direitos e liberdades democráticas depois de mais de vinte anos de ditadura militar.
As Forças Armadas brasileiras tiveram um grande e importante papel na história do Brasil. Elas foram responsáveis pela independência e a integridade territorial do Brasil, mas esse período de ditadura militar foi – sem qualquer dúvida – um grande erro.
Apesar da recuperação completa de nossos direitos e liberdades democráticas em 1985, outros erros foram cometidos desde então. Parece que nós, como um povo, falhamos em prevenir o desvio e o abuso do poder público para ganhos privados. Então a corrupção cresceu e com o tempo espalhou-se, tornou-se endêmica ou sistêmica.
Entetanto, não há democracia real com corrupção disseminada e impunidade. Democracia exige governo de leis, instituições fortes e integridade.
Especialmente desde uma decisão famosa do Supremo Tribunal Federal brasileiro em 2012, no assim chamado Mensalão, os cidadãos brasileiros começaram a entender que a corrupção mina a eficiência da economia e a qualidade de nossa democracia.
A assim chamada Operação Lavajato é somente mais um grande passo na luta do povo brasileiro contra a corrupção disseminada.
Eu apenas tive a oportunidade de servir ao povo brasileiro como um juiz em alguns desses casos criminais importantes.
Atualmente, a Operação Lavajato em Curitiba está possivelmente chegando ao fim. Vários casos já foram julgados e vários criminosos poderosos estão cumprindo pena após terem sido condenados em um julgamento público e com o devido processo legal.
Ainda há investigações e casos relevantes em andamento em Curitiba, mas uma grande parte do trabalho já foi feita. Mas, atualmente, outros juízes estão desempenhando um papel importante e realizando um trabalho fantástico em outras jurisdições, por exemplo em Campo Grande, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro está também fazendo a sua parte. Ele proferiu decisões importantes em 2015 e 2016, proibindo contribuições eleitorais ilimitadas por parte de empresas – o que era uma fonte de corrupção, e permitindo a execução de uma condenação criminal logo após o julgamento por uma Corte de Apelação.
Antes era necessário aguardar uma decisão final por uma Corte Superior. Isso, na prática, significava impunidade porque esses casos envolvendo acusados poderosos nunca chegavam no passado ao fim.
Esses novos precedentes do Supremo Tribunal Federal brasileiro foram e ainda são fundamentais.
Existem ainda casos criminais envolvendo elevados agentes políticos e públicos perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro em virtude do privilégio de jurisdição denominado ‘foro privilegiado’ e todos têm a expectativa de que eles serão julgados com a mesma correção e rigor que o caso Mensalão.
Então os esforços do Brasil contra a corrupção disseminada não mais dependem exclusivamente do trabalho dos policiais, procuradores e juízes de Curitiba.
O Movimento brasileiro anticorrupção está crescendo, está se espalhando e está tornando-se forte com o apoio da imprensa, da opinião pública e do povo brasileiro. E igualmente de nossos amigos no exterior, como a Universidade de Notre Dame.
Atualmente alguns de nossos vizinhos na América Latina nos olham com alguma admiração e pensam seriamente em copiar esses esforços contra a corrupção em seus próprios países.
O Brasil deve se orgulhar de seus esforços contra a corrupção disseminada. Como dito em uma oportunidade pelo presidente norte-americano Theodore Roosevelt: “A exposição e a punição da corrupção pública é uma honra para a nação, não uma desgraça. A vergonha reside na tolerância, não na correção. Nenhuma cidade ou Estado, muito menos a Nação pode ser ofendida pela aplicação da lei.”
Existem, é certo, reações contra o movimento brasileiro anticorrupção, especialmente da parte daqueles que vivem sob a corrupção disseminada e que lucram ou ganham poder com ela.
A vergonha está com eles. É sempre difícil fazer previsões sobre o futuro. Mas, a despeito dessas reações contra o Movimento brasileiro anticorrupção, há razões para ter fé no futuro, para manter uma esperança infinita de que os dias de impunidade e da corrupção disseminada estão chegando ao fim.
‘Esperança infinita’ são as mesmas palavras usadas por Joaquim Nabuco do Movimento brasileiro abolicionista no século 19 para dizer que eles nunca iriam desistir apesar de derrotas momentâneas.
O mesmo é verdadeiro aqui.
Nós nunca nos renderemos à corrupção.
A era dos nossos barões da corrupção está chegando ao fim e o império da lei está se tornando uma possibilidade real no Brasil.
O objetivo é democracia com integridade.
Agradeço a todos por sua atenção e apoio.”
São Paulo, 2 de outubro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal. - DO ESTADÃO