Lula. Foto: Fernando Donasci/Reuters
O Ministério Público Federal em Brasília denunciou à Justiça, no
âmbito da Operação Zelotes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização
criminosa. A acusação atinge também o filho do petista, Luis Cláudio
Lula da Silva, além do casal de lobistas Mauro Marcondes e Cristina
Mautoni. Todos foram denunciados por ‘negociações irregulares que
levaram à compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e à
prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos
por meio da Medida Provisória 627’. O
Estado revelou em 2015
o esquema de tráfico de influência e compra de Medidas Provisórias atribuído ao ex-presidente na Zelotes.
Esta é a quarta denúncia criminal contra Lula. Anteriormente, o
ex-presidente foi acusado pelo Ministério Público Federal por obstrução
de Justiça, por supostamente ter tentado barrar a delação do ex-diretor
da área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró na Operação Lava Jato;
por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do triplex do Guarujá; e
também por tráfico de influência em um empreendimento da Odebrecht em
Angola, na Operação Janus, que envolve o sobrinho de sua primeira
mulher.
As informações foram divulgadas nesta sexta-feira, 9, pela Assessoria
de Comunicação da Procuradoria da República, no Distrito Federal.
Nesta nova denúncia, a Procuradoria da República afirma que os crimes
teriam sido praticados entre 2013 e 2015 quando Lula, já na condição de
ex-presidente, ‘integrou um esquema que vendia a promessa de que ele
poderia interferir junto ao governo para beneficiar as empresas MMC,
grupo Caoa e SAAB, clientes da empresa Marcondes e Mautoni
Empreendimentos e Diplomacia LTDA (M&M)’.
Em troca, afirma a denúncia, Mauro e Cristina, donos da M&M, repassaram a Luis Cláudio pouco mais de
R$ 2,5 milhões.
Ao longo de 154 páginas, os procuradores da República Hebert
Mesquita, Frederico Paiva e Anselmo Lopes descrevem a atuação dos
investigados em dois fatos a partir da existência do que chamaram de
“uma relação triangular”.
“Uma das vértices era formada pelos clientes da M&M – que
aceitaram pagar cifras milionárias por acreditar na promessa de que
poderiam obter vantagens do governo federal – outra, pelos
intermediários (Mauro, Cristina e Lula) e a terceira, pelo agente
público que poderia tomar as decisões que beneficiariam os primeiros, a
então presidente da República Dilma Roussef. Durante as investigações,
não foram encontrados indícios de que a presidente tivesse conhecimento
do esquema criminoso”, afirma a denúncia.
A acusação tem base na análise de documentos apreendidos por ordem
judicial – tanto na Zelotes quanto na Lava Jato -, além de informações
prestadas em depoimentos, como o do próprio ex-presidente Lula e de um
representante da SAAB no Brasil, Bengt Janér.
Entre as declarações feitas pelo executivo da Quadricon, que, durante
um período era contratada pela companhia sueca, está a de que, a partir
de 2009, o processo de compra dos aviões tornou-se mais político do que
técnico. Um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instaurado na
Divisão de Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal do
Distrito Federal, para apurar a compra dos caças também serviu de base
para a ação.
Na denúncia, a Procuradoria sustenta que a promessa de interferência
no governo por parte do ex-presidente Lula (venda de fumaça) rendeu ao
seu filho, Luis Cláudio o recebimento de vantagens indevidas e que o
valor repassado só não foi maior por causa da deflagração da Zelotes, em
março de 2015. Segundo a ação, a expectativa era de um recebimento
total de
R$ 4,3 milhões,
sendo R$4 milhões da M&M e o restante da montadora Caoa. Entre os
meses de junho de 2014 e março de 2015, a M&M fez nove pagamentos à
LFT que somados chegaram a exatos R$ 2.552.400,00.
Compra dos caças. Em relação aos caças, a ação do
Ministério Público Federal detalha o processo que durou oito anos. O
edital para a compra – considerada a maior aquisição militar da América
Latina e que viabilizaria o chamado Projeto FX -2 – foi lançado em 2006.
No entanto, apenas em 2014, o governo brasileiro firmou contrato com a
empresa SAAB para o fornecimento das aeronaves. A empresa sueca teve
como concorrentes um modelo francês (Rafale) que, em 2009, chegou a ser
anunciado como vencedor da licitação pelo então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva – e um americano (Super Hornet) – que por algum tempo
(2011 e meados de 2012), foi o preferido da presidente Dilma Roussef. Em
declarações dadas ao Ministério Público Federal, o representante da
SAAB afirmou que, nesse período, a empresa acreditou que seria preterida
pelos americanos.
“Joguei a toalha”, disse Bengt Janér.
O que se viu, no entanto, foi uma nova investida por parte da empresa
sueca que já possuía um contrato indireto com a M&M (via Quadricon)
e que, em agosto de 2012, passou a trabalhar diretamente com os
brasileiros. As investigações realizadas por integrantes da força-tarefa
da Zelotes revelaram que, ao todo, a M&M recebeu da SAAB € 1,84
milhão, sendo € 744 mil apenas entre 2011 e 2015. A explicação para esse
reforço nos pagamentos está, segundo os investigadores, no fato de os
lobistas Mauro e Cristina terem convencido os suecos que possuíam
proximidade com o ex-presidente e que poderia contar com a sua
influência junto ao governo para assegurar uma vitória na disputa
concorrencial.
“Assim, argumentos técnicos e indicadores de eficiência tornaram-se
meros detalhes diante das jactadas proximidade e amizade a agentes
públicos federais”, pontuam os autores da ação.
O Ministério Público Federal enviou à Justiça documentos que não
deixam dúvida quanto à estratégia adotada pela M&M para convencer os
parceiros da SAAB que poderia contar com o prestígio do ex-presidente
para interferir na decisão governamental. Entre as provas, estão cartas
endereçadas a Lula em, pelo menos, duas ocasiões. Uma delas foi
elaborada em setembro de 2012 e recebeu o aval dos diretores da SAAB, na
Suécia, antes de ser entregue ao destinatário. No texto, uma espécie de
defesa dos caças produzidos pela empresa sueca. A ação penal também faz
referência a uma intensa troca de e-mails entre funcionários da M&M
e do Instituto Lula, com o objetivo de viabilizar um encontro entre
Lula e o líder do Partido Sindical Democrata e futuro primeiro-ministro
da Suécia Sueco, Stefan Lofven.
Documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, em São Paulo,
revelaram ainda a intenção do político sueco, que defendia a escolha do
modelo fabricado pela SAAB, de se reunir com o ex-presidente Lula e a
então presidente Dilma Rousseff na África do Sul, por ocasião do funeral
de Nelson Mandela. Em 9 de dezembro de 2013 Lula e Dilma viajaram até o
país africano com o objetivo de acompanhar a cerimônia fúnebre e,
exatamente nove das depois, em 18 de dezembro, o governo brasileiro
anunciou a decisão de comprar de 36 caças do modelo Grippen. Era o fim
de uma longa disputa e a vitória do cliente da M&M.
Medida Provisória. As investigações da Operação
Zelotes revelaram que, assim como em 2010 – quando foi negociada e
aprovada a Medida Provisória 471-, do fim de 2013 até meados de 2014, a
Marcondes e Mautoni agiu de forma irregular para garantir a aprovação da
MP 627. Um dos artigos, incluídos pelo relator, o então deputado
federal Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba, garantiu a
prorrogação de incentivos fiscais às montadoras MMC e Caoa até 2020,
contrariando a posição técnica do Ministério da Fazenda. A partir da
análise dos documentos apreendidos na fase preliminar da investigação, o
MPF sustenta que o casal usou – nesse episódio – o mesmo procedimento
adotado na negociação dos caças (vendeu a promessa de influência
política de Lula) para convencer os clientes a firmarem contratos
milionários como a M&M. Durante o processo de tramitação da MP 627,
MMC e Caoa pagaram
R$ 8,4 milhões, cada uma, à empresa de Mauro Marcondes.
Um documento manuscrito apreendido pela Polícia Federal na sede da
Marcondes & Mautoni comprova a intenção de vender a influência. A
anotação traz os nomes dos presidentes da Caoa e da MMC, Antônio dos
Santos Maciel Neto e Robert de Macedo Soares Rittscher, respectivamente,
. Há ainda referências aos então ministros Guido Mantega (Fazenda) e
Aloisio Mercadante (Casa Civil) e à presidente da República, como as
pessoas que dariam a “canetada”, ou sejam, permitiriam ou não a
prorrogação do benefício.
A ação penal faz ainda referências a outros documento, também
apreendido por ordem judicial, que registra a existência de “coisas
contrárias” à aprovação da MP 627. O texto diz que a Fazenda está
“trancando tudo” e cita, como justificativa para a resistência técnica à
renúncia fiscal, o contexto econômico-fiscal desfavorável e a
preocupação com a avaliação das agências de classificação de riscos. Há
ainda a comprovação documental que, nesse período, Mauro manteve com os
clientes uma intensa negociação e troca de mensagens acerca da discussão
da MP no âmbito do Congresso Nacional. Paralelamente a esses contatos, o
lobista encontrava-se pessoalmente com Lula para, segundo os
investigadores, acertar os pagamentos pelo tráfico de influência. Um
deles ocorreu poucos dias antes da inclusão do artigo 100 no texto da MP
por Eduardo Cunha.
Na ação penal, os procuradores da República lembram que no fim de
2015, Mauro e Cristina foram denunciados pelo MPF pela prática de crimes
durante a tramitação da MP 471. Em maio deste ano, o juiz federal
Vallisney Oliveira condenou Mauro Marcondes a 11 anos e 8 meses de
reclusão por associação criminosa, corrupção ativa e lavagem de
dinheiro). No caso de Cristina, a pena imposta foi de 6 anos e 8 meses
de prisão. ( ação penal 0070091132015 4013400). Caberá ao mesmo
magistrado apreciar a denúncia referente ao caso dos caças e da MP 627.
Negociação financeira. O contrato entre o governo
brasileiro e a empresa SAAB , no valor de U$5,4 bilhões, foi assinado em
outubro de 2014. Já a Medida Provisória 627 foi convertida na Lei
12.973, sancionada em maio do mesmo ano. Documentos reunidos pela Força
Tarefa revelaram que, nesse período, houve uma intensa movimentação
entre os envolvidos. O período marca também o início dos repasses
financeiros da M&M às empresas de Luiz Cláudio ( junho de 2014). Há
registros, por exemplo, de que o filho do ex-presidente esteve em quatro
ocasiões na sede da M&M e de que Lula, o filho e Mauro Marcondes se
encontraram, também, quatro vezes no Instituto Lula. Os encontros,
avaliam os procuradores, serviram para que fosse acertada a viabilização
do pagamento das vantagens indevidas . Uma das provas é a constatação
de que as minutas dos contratos foram elaboradas quase dois meses após a
data informada como tendo sido a de assinatura dos documentos.
Como parte dos encontros presenciais entre os envolvidos ocorreu em
2015, após, portanto, à deflagração da Operação Zelotes, os
investigadores afirmam que eles também serviram para a discussão de
formas de se evitar a descoberta da prática criminosa por parte dos
investigadores e da própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
instalada do Senado Federal com o objetivo de apurar as irregularidades
no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mauro Marcondes
chegou a ser convocado para depor da Comissão, mas alegou problemas de
saúde para se livrar do compromisso marcado para o dia 6 de agosto de
2015. Informações anexadas à ação dão conta de que o possível depoimento
de Mauro Marcondes à CPI era motivo de preocupação de Lula.
A ação judicial menciona ainda outros dois aspectos. O primeiro é o
fato de existir uma vasta documentação que contradiz as afirmações
feitas pelo ex-presidente em depoimento à Polícia Federal. Na época,
Lula disse que, ao deixar o cargo, “tomou como decisão de honra não
interferir na gestão do novo governo”, e que nem ele e nem seus parentes
realizaram atividade de lobby.
O segundo se refere às provas de que a LFT não prestou nenhum serviço
à M&M. Um relatório da Polícia Federal constatou que o material
entregue pela empresa como sendo o objeto do contrato não passava de
cópias disponíveis na internet, montadas após a deflagração das
investigações. “Foram documentos apresentados impressos, sem data de
formulação, sem arquivos digitais que permitiriam aferir sua “idade”.
Tudo pós-fabricado”.
Para os procuradores que assinam a ação, não há dúvidas de que, pelo
menos a partir de setembro de 2012, Lula tinha conhecimento da
estratégia utilizada por Mauro Marcondes (de vender à SAAB, a MMC e à
Caoa a ideia de que o empresário mantinha relação de proximidade com
ex-presidente) e que viu nesse fato a oportunidade de garantir o
enriquecimento do filho. Para isso, o ex-presidente valeu-se do trabalho
de funcionários do Instituto Lula que, por meio de ligações telefônicas
e e-mails, filtravam as conversas. “Assim, ele não subscrevia mensagens
e os interessados num contato direto tinham que agendar encontro
pessoal”, resume um dos trechos da ação.
Enquadramento dos crimes
Mauro Marcondes – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de
dinheiro (nove vezes), Organização criminosa e evasão de divisas (uma
vez)
Cristina Mautoni – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de
dinheiro (nove vezes), Organização criminosa e evasão de divisas (três
vezes)
Luiz Inácio Lula da Silva – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de dinheiro (nove vezes), Organização criminosa
Luis Cláudio Lula da Silva – Lavagem de dinheiro (nove vezes) e organização Criminosa
COM A PALAVRA, A DEFESA DE LULA
Nota
A denúncia ofertada hoje (09/12/2016) pelo Ministério Público Federal
contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu filho Luis
Claudio Lula da Silva, dentre outras pessoas, baseia-se em procedimentos
que tramitavam de forma oculta e sem acesso à defesa.
Nem mesmo após a divulgação da denúncia por meio de nota, foi
permitido que a defesa tivesse acesso ao teor da acusação. Essa
recorrente forma de atuação do Ministério Público Federal, de
transformar a denúncia em um espetáculo midiático em detrimento da
defesa, abala a cada dia o já sucumbindo Estado Democrático de Direito
no País, além de impedir, neste momento, o enfrentamento dos fundamentos
utilizados pelos Procuradores da República que subscrevem o documento.
Nem o ex-Presidente Lula nem seu filho participaram ou tiveram
conhecimento de qualquer ato relacionado à compra dos aviões caças da
empresa sueca SAAB, tampouco para a prorrogação de benefício fiscais
relativos à Medida Provisória nº 627/2013, convertida na Lei nº
12.973/2014. Luis Claudio recebeu da Marcondes & Mautoni remuneração
por trabalhos efetivamente realizados e que viabilizaram a realização
de campeonatos de futebol americano no Brasil.
Afirmar que Lula interferiu no processo de compra dos caças em 2014
significa atacar e colocar em xeque as Forças Armadas Brasileiras e
todas as autoridades que acolheram o parecer emitido por seus membros.
Ao afirmar que Lula interferiu na aprovação de medidas provisórias e
de leis, o Ministério Público Federal ataca todo o Parlamento brasileiro
e demais autoridades que participaram desses atos.
A denúncia ofertada é fruto de novo devaneio de alguns membros do
Ministério Público que usam das leis e dos procedimentos jurídicos como
forma de perseguir Lula e prejudicar sua atuação política, fenômeno que é
tratado internacionalmente como “lawfare”.
Uma das táticas de “lawfare” consiste na propositura de sucessivas
ações judiciais sem materialidade contra o inimigo político, para que
todo o seu tempo fique voltado à realização de depoimentos e à sua
defesa judicial e, ainda, para gerar na opinião pública a ideia de uma
suspeita difusa.
Até o momento, já foram ouvidas mais de 20 testemunhas arroladas pelo
próprio Ministério Público Federal em relação a outras duas ações
propostas contra Lula e todas elas negaram a acusação. É o exemplo de
como Lula tem sido acusado de forma irresponsável e gratuita por alguns
membros do Ministério Público Federal que claramente usam do cargo para
promover ações políticas. Um dos Procuradores da República que
subscrevem a denúncia mantinha em conta nas redes sociais diversas
publicações ofensivas a Lula e a membros do seu partido. Embora o fato
tenha sido levado ao conhecimento do Conselho Nacional do Ministério
Público nenhuma providência foi tomada, permitindo ao agente público
usar de suas atribuições para promover uma vingança contra Lula.
Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira DO ESTADÃO