Matéria publicada em O Globo, no último dia 25 de outubro:
O Ministério da Saúde, responsável pela política nacional de oncologia, tem fracassado nas ações para atender doentes de câncer, enquanto a doença avança no Brasil, com o envelhecimento da população. Conforme o tipo de tratamento, nem a metade dos pacientes que procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) consegue assistência.
E, num contexto em que o tempo é fundamental para a cura ou a sobrevida, a espera média pela primeira sessão de radioterapia chega a ser desesperadora: mais de três meses. Os dados constam de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Conforme o relatório, as unidades públicas de saúde deveriam ter atendido em 2010 169,3 mil doentes que necessitavam radioterapia, mas só 111,5 mil foram contemplados (65%). No caso das cirurgias oncológicas, os números são ainda piores: de 152,4 mil pessoas, 71,2 mil ou 46% conseguiram passar pelo procedimento. No Rio, os dados são mais dramáticos: só 41% dos pacientes tiveram acesso à radio e 29% às cirurgias.
Quimioterapia vai além da demanda
No caso da quimioterapia, a situação é inversa. O número de procedimentos é maior que o necessário, fruto do excesso de prescrições. Mesmo quando as sessões não surtem mais efeito, segundo o Ministério da Saúde, os médicos as indicariam por "obstinação terapêutica". Mesmo assim, comparado aos parâmetros internacionais, é longa a espera pela assistência. Em países como Canadá e Reino Unido, a quase totalidade dos doentes aguarda no máximo 30 dias, a partir do diagnóstico, para iniciar o combate ao câncer. No SUS, a primeira quimioterapia é feita em 76,3 dias e a primeira radioterapia, em 113 dias.
O quadro resulta de uma cadeia de deficiências, fruto do baixo investimento público. Um estudo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), citado na auditoria, diz que o SUS precisa de 375 centros de atendimento a doentes de câncer, mas tinha 264 em junho deste ano. Só para radioterapia, faltavam 135 serviços. "Essa carência de instalações aptas a atender a crescente demanda contribui com a intempestividade no diagnóstico da doença e no tratamento provido pelo SUS", escreveu o relator do caso no TCU, ministro José Jorge.
Ouvidos em pesquisa do TCU, 87% dos oncologistas consideraram a espera por uma cirurgia demorada ou muito demorada; na consulta sobre a radioterapia, o percentual foi de 74%. Oito em cada dez deles responderam que procedimentos importantes para tratamento e diagnóstico da doença não são custeados pelo sistema público. Soma-se a isso o despreparo da rede de atenção primária para detectar o câncer e encaminhar os doentes a unidades especializadas, citado por 84% dos médicos e 77% das associações de apoio aos pacientes.
O câncer é o segundo tipo de doença que mais mata no Brasil. Com a estrutura que propicia, 65,4% dos tumores diagnosticados pelo SUS já estão em estágio avançado. No caso das neoplasias de brônquios e pulmões, o percentual é de 87%. O TCU constatou que o Ministério da Saúde tem descumprido suas próprias normas e não divulga orientações de assistência oncológica. "Dentre os sete tipos de câncer com maior incidência no país (pele não melanoma, próstata, mama, cólon e reto, pulmão, estômago e colo do útero), somente cerca de 40% possuem protocolos clínicos e diretrizes diagnósticas e terapêuticas", dizem os auditores.
Procurado, o Ministério da Saúde reconheceu parte das deficiências e argumentou que, com o reforço das políticas de combate ao câncer, cujos investimentos previstos são de R$ 4,5 bilhões até 2015, a tendência é que a situação melhore. De qualquer forma, até lá os doentes terão de conviver com problemas de acesso. A supervisora do Departamento de Atenção Especializada da pasta, Maria Inez Gadelha, explica que há, sim, uma carência de atendimento nos serviços de radioterapia, mas que ela pode ser menor, já que os dados do TCU são estimativos e consideram uma produtividade mínima dos equipamentos à disposição do SUS.
- O tribunal, e nós também, considera dois turnos de trabalho. Há hospitais que trabalham em três, até quatro turnos - explica a supervisora, acrescentando que, de qualquer forma, nos próximos quatro anos mais 32 serviços devem ser abertos no país e 48 serão ampliados ou atualizados tecnologicamente. - O déficit está em torno de 30%, mas já foi de 45% - pondera. Maria Inez Gadelha nega que a carência por cirurgias de câncer seja tão grande, pois são feitos procedimentos em outras unidades, que não as oncológicas. Questionada sobre o tempo de espera por terapias, ela respondeu: - Isso ocorre e a gente tem trabalhado para melhorar. Realmente, é uma iniquidade.
DO BLOG DO CELEAKS