domingo, 9 de setembro de 2012

Aos amigos e inimigos - DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo




O julgamento do mensalão até agora tem sido "um massacre", como diz o advogado Márcio Thomaz Bastos numa avaliação de premissa reta e conclusão torta quando aponta "retrocesso" no trato rigoroso que o Supremo Tribunal Federal tem dado aos réus e na interpretação "flexível" das exigências legais para a configuração dos crimes. Realmente massacrante para os réus em geral e para o PT em particular o relato detalhado e quase diário de um episódio que os envolvidos prefeririam ver esquecido e do qual imaginavam já ter se livrado depois de o partido ganhar duas eleições presidenciais desde então. Errático, porém, o arremate com o qual, em última análise, Thomaz Bastos compara a Corte Suprema do País a um tribunal de exceção, na medida em que acusa o STF de solapar garantias constitucionais. A referência enviesada ao AI-5 e ao alerta de Pedro Aleixo sobre o uso que o "guarda da esquina" faria do instrumento de arbítrio soou especialmente fora de esquadro na boca de um ex-ministro da Justiça cuja influência, como ele mesmo gosta de lembrar, se fez presente nas indicações de vários ministros alvos de sua diatribe. Compreende-se a chateação do comandante em chefe da tese do caixa dois a defensor vencido por unanimidade na condenação de seu cliente José Fernando Salgado, do Banco Rural. Mas isso não o credencia a desqualificar a fundamentação exaustiva, lógica e majoritariamente convergente de votos que, sem combinação prévia, partem de diferentes cabeças para chegar a um mesmo lugar. Não sendo mera coincidência, dada a impossibilidade de o acaso atuar nessa amplitude, tal convergência só pode ser obra do vigor dos fatos cotejados com a lógica e a percepção da realidade. Como bem reiteraram alguns ministros na sessão de quinta-feira na defesa do tribunal como guardião e garantidor da Constituição, o STF não retrocede. Antes contribui para que o Brasil evolua e almeje ser um País onde a aplicação da lei não fique refém do cinismo que, sob o argumento da legalidade estrita, presta serviço à impunidade. O Supremo vai fazendo muito mais que condenar. Vai dando um aviso aos navegantes da vida política e adjacências para que andem devagar com os respectivos andores, porque os santos não precisam ser de barro para se quebrar. Podem ser de ouro, podem integrar um governo popular, podem contar com o benefício da desinformação do eleitor, podem pagar fortunas a medalhões da advocacia. Podem ter base social, podem ter abrigo na intelectualidade, podem ter base de sustentação parlamentar, podem agir sob o guarda-chuva de uma figura de grande apelo popular, podem muito e algo mais.

ASCENSÃO E QUEDA


Para simularem uma espécie de ideologia de esquerda e protegerem seu “pobre operário”, Lula da Silva, que há muito não é pobre nem operário, ardilosamente os donos do poder inventaram que elite é aquela entidade suja e rancorosa composta por ricos impiedosos, que aliados a uma imprensa a serviço de monstruosos interesses têm como objetivo destruir o magnânimo pai da pátria e seu partido
Maria Lucia Victor Barbosa
Enfim, uma atraente versão tropical e populista da luta de classes, algo que deve ter feito Karl Marx tremer na tumba.
Nos estudos clássicos de Sociologia o termo elite ou escol tem sentido bem diferente como os vistos nas primeiras abordagens elaboradas pelos chamados “maquiavelistas”, Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, Robert Michels e Georges Sorel. Em vez da luta de classes eles consideravam que a história das sociedades é a luta das elites pelo poder.
Pareto (1848-1923) entendia elite de modo positivo, pois fariam parte do escol pessoas de qualidades excepcionais tanto pelo seu trabalho quanto por seus dotes naturais e, de forma realista afirmou: “Todo escol que não se dispõe a travar batalha para defender suas posições está em plena decadência; só lhe resta deixar o lugar a outra elite que tenha as qualidades viris que lhe faltam”.
Gaetano Mosca (1858-1941) preferiu o termo classe dirigente ou dominante em vez de elite para designar a distinção entre dirigentes e dirigidos.
Sem aprofundar a discussão sobre tais teorias lancemos um olhar sobre o quadro das eleições municipais lembrando que, pelo fato do PT se manter na presidência da República há quase 10 anos se pode dizer que é a classe dirigente, dominante ou elite sem, é claro, as boas qualidades de que falou Pareto.
Posto isso, recorde-se que na sua longa trajetória para lograr Lula lá os petistas desenvolveram certas táticas que continuam usando, tais como: Jamais aceitar críticas por menores que sejam e reagir às mesmas com maior agressividade possível; encarar o adversário como inimigo; invés de argumentar desqualificar quem não reza por sua cartilha como incompetente, rancoroso, invejoso, membro da famigerada e suja elite; usar a sedutora e comovente imagem de vitima transformando suas vítimas em seus algozes; distorcer ao máximo os fatos; usar de meios baixos para atacar adversários como, por exemplo, falsos dossiês ou compra de apoios.
Essas táticas foram usadas à exaustão para resguardar a figura de Lula tornada excelsa. Para ele só o elogio, qualquer crítica é considerada como grave preconceito. Então, amparado pelos companheiros e pelo marketing o guardião do poder petista exerceu plenamente o paternalismo pedagógico e a alienação das massas. Ele foi o “líder-preceptor que precede ao nascimento do Estado-Nação”. Por isso sempre dizia com prazer: “nunca antes nesse país”.
Antes de chegar ao cargo mais alto da República o PT soube ser oposição. Durante os oito anos de mandato de FHC petistas gritaram: “fora Fernando Henrique”. Ao mesmo tempo, tudo que FHC fazia era estridentemente criticado.
Apesar disso, quando Lula finalmente alcançou a presidência da República, Fernando Henrique inventou a “transição”, ou seja, colocou a disposição de Lula seus melhores técnicos para que ensinassem aos neófitos do PT como se governa.
Então, o PT copiou as politicas econômicas e sociais de FHC, mas sempre as criticando como herança maldita. Mesmo assim o PSDB foi o grande auxiliar de Lula, muito mais do que parte do PT que cindiu e formou o PSOL e mais ainda do que a base aliada. E quando Lula poderia ter sofrido o impeachment à época da CPI dos Correios, FHC sustentou o amigo no poder. Aliás, com raras exceções, os tucanos sempre demonstraram um imenso encantamento por Lula e nunca souberam ser oposição enquanto o PT, de modo implacável, atacava como ainda ataca Fernando Henrique e sua herança maldita.
O resultado é o que se vê no momento em São Paulo: José Serra em queda e Celso Russomanno subindo nas pesquisas de intenção de voto.
Na verdade, o PSDB não soube ocupar seu lugar como oposição. Deixou um vácuo que vai sendo ocupado por outro ator político. O PT, que nunca brilhou muito na capital paulista entrou em rota de desgaste com o julgamento do mensalão no STF, a doença de Lula, a emergência de outras lideranças políticas, a insatisfação do funcionalismo público e dos ditos movimentos sociais com a presidente Rousseff.
Ascenção e queda são ciclos inevitáveis na vida pessoal e na dinâmica das sociedades. No Brasil algumas mudanças estão acontecendo. Uma coisa boa e que trás um raio de esperança é o julgamento do mensalão a demonstrar a independência do Poder Judiciário e, portanto, o resguardo da democracia.
No mais, como disse Pareto, perdem os que não se dispõe a travar batalha para defender suas posições. Isto é bem mais importante do que apresentar renovação de candidatos. Que o PSDB aprenda a lição se quiser chegar de novo à presidência da República.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
www.maluvibar.blogspot.com.br
@maluvi 
DO R.DEMOCRATICA