O
deputado Daniel Coelho (PE), vice-líder do PSDB, classifica como “uma
grande vergonha” a destinação de R$ 3,6 bilhões do contribuinte para a
criação de um fundo eleitoral. Sustenta que algo como R$ 1,3 bilhão
seria suficiente para custear toda a campanha de 2018. Não haveria
impacto sobre o déficit público, pois o dinheiro seria remanejado do
fundo partidário, já existente, e das emendas penduradas no Orçamento da
União por bancadas estaduais. Em entrevista ao
blog, o
deputado defendeu uma mudança radical no modelo de propaganda
eleitoral: os candidatos se apresentariam em estúdio padronizado,
dirigindo-se diretamente aos eleitores —sem efeitos visuais ou a
intermediação de apresentadores.
Na avaliação de Daniel Coelho, a
“vergonha” tende a aumentar se, além do fundão anabolizado, os deputados
optarem por manter o atual sistema proporcional, em que os votos dados a
um candidato superpopular podem arrastar para a Câmara companheiros sem
voto do mesmo partido ou coligação. “O sistema proporcional é utilizado
para que corruptos se elejam por trás das celebridades e do voto de
legenda”, diz o deputado. Ele defende o chamado distritão, sistema em
que são eleitos apenas os candidatos mais votados em cada Estado.
''O
sistema proporcional fortalece as cúpulas partidárias e seus caciques,
em detrimento daqueles que têm alguma conexão com a sociedade'', diz
Daniel Coelho. ''Isso não está correto. Os partidos brasileiros,
incluindo o meu, o PSDB, têm agido com pouca coerência. Retirar poder da
cúpula partidária, repassando-o para a população, a quem cabe escolher
os seus representantes, só pode ser bom.” Vai abaixo a entrevista:
— Se o voto distrital misto é melhor, por que perder tempo com o distritão? Não
se pode ir direto para o distrital misto porque o TSE sinalizou que não
haveria a possibilidade de dividir o Brasil em 513 distritos a um ano
da eleição. Isso teria de ser repassado à população com antecedência. É
uma questão de falta de tempo hábil para colocar os distritos em
prática.
— Por que defende o distritão? Não
é o modelo ideal, mas reduz os danos. Em primeiro lugar, o distritão
permite acabar com o ‘Efeito Tiririca’. Com sua votação, o Tiririca
arrastou para a Câmara outros candidatos de São Paulo —dentro do PR e da
coligação. O resultado disso é trágico. Por exemplo: na votação do
pedido de abertura de inquérito contra Michel Temer, o Tiririca veio ao
plenário e votou a favor da continuidade do processo. Mas os deputados
que foram eleitos com a carona que pegaram nos votos de Tiririca não o
seguiram. Votaram para que o inquérito não fosse aberto. Então, o
eleitor está sendo fraudado pelo atual sistema.
— Qual é o principal defeito do sistema atual?
Não existe nada pior do que o atual sistema. Por isso digo que o
distritão, embora não resolva todos os problemas, reduz os danos. Pelo
menos as pessoas precisarão ter votos para chegar ao Parlamento. Hoje,
9% dos deputados que estão no plenário da Câmara Não tiveram votos
suficientes para isso. Muitos não são conhecidos nem nos seus próprios
Estados.
— Acha, portanto, que é um erro levar em conta os votos da legenda e da coligação?
O sistema proporcional só faria sentido se nossos partidos fossem
orgânicos e ideológicos, com uma linha clara de atuação. Como não temos
partidos assim, o sistema proporcional é utilizado para que corruptos,
pessoas de má reputação se elejam por trás das celebridades e do voto de
legenda. É um sistema que, no caso brasileiro, está trazendo para
dentro do Parlamento o que há de pior.
— Uma das
críticas feitas ao distritão é que o sistema inibiria a renovação,
facilitando a reeleição dos atuais parlamentares, muitos sob
investigação. O argumento não o sensibiliza? Concordo que
temos um Congresso muito ruim. Mas convém considerar que ele foi eleito
com o sistema atual. Se há algo confortável para essa gente é a
manutenção do sistema. A mudança provoca um ruído nos partidos que
montam suas chapinhas e coligações esdrúxulas. Sem contar o fato de que
acaba esse fenômeno de pessoas se elegerem sem voto, escondidas atrás de
celebridades. Entre o distritão e o atual sistema, a taxa de renovação
tende a ser a mesma. A diferença é que a renovação com o distritão se
dará com mais qualidade. Para chegar à Câmara, o cara tem que ter votos.
Hoje, a renovação é falsa —gente que não tem voto chega pela brecha do
sistema eleitoral.
— Qual seria o efeito do distritão na campanha de um político corrupto?
Eu não tenho dúvida de que, com o modelo majoritário do distritão, em
que se elegerão os candidatos mais votados, dificilmente alguém que está
envolvido em casos de corrupção levará vantagem. Acho improvável que
parlamentares que se posicionam constantemente contra os interesses da
sociedade, tenha facilidade para se eleger num sistema majoritário, que
exige uma grande votação. O distritão tende a fomentar o voto de
opinião, mais qualificado. Com o sistema majoritário, os corruptos não
vão poder se esconder por trás dos seus partidos e coligações.
— Outra crítica feita ao distritão é que a supervalorização do candidato enfraquece os partidos. Como responde a isso?
Vivemos um momento em que os partidos precisam ser implodidos, para ser
reconstruídos. O sistema proporcional fortalece as cúpulas partidárias e
seus caciques, em detrimento daqueles que têm alguma conexão com a
sociedade. Isso não está correto. Os partidos brasileiros, incluindo o
meu, o PSDB, têm agido com pouca coerência. Retirar poder da cúpula
partidária, repassando-o para a população, a quem cabe escolher os seus
representantes, só pode ser bom. É um processo de transformação que pode
nos preparar para, a partir de 2022, adotarmos um sistema mais
adequado, que seria o distrital misto. Nesse momento, não vejo lógica em
fortalecer cúpula partidária. Essas cúpulas, em todos os grandes,
médios e pequenos partidos brasileiros estão completamente desconectadas
da sociedade. Muitos estão inclusive envolvidos em denúncias graves.
— O que acha da ideia de criar um fundo com R$ 3,6 bilhões em verbas públicas para financiar as campanhas eleitorais? O
financiamento público tornou-se a solução inevitável. O modelo privado
está esgotado até pelos escândalos recentes —a Lava Jato e outros. Mas o
financiamento público teria que vir não como um gasto novo, mas como
uma substituição de outras despesas.
— Como assim?
O fundo partidário, já existente, é uma vergonha. Não há motivo para
partido receber dinheiro fora de período eleitoral. Então, o fundo de
financiamento eleitoral deveria ser criado por meio da extinção do atual
fundo partidário e também das emendas orçamentárias apresentadas por
bancadas. São volumes grandes de recursos. Com o sacrifício dos
partidos, que abririam mão do fundo partidário, e dos parlamentares, que
abdicariam das emendas de bancadas, nós implementaríamos um fundo
eleitoral aceitável.
— Acha razoável a cifra de R$ 3,6 bilhões? De
jeito nenhum. O fundo eleitoral evidentemente não precisa ter esse
volume que está sendo proposto. Esse valor considera um padrão de
despesa de campanha que não está adequado com o momento que vive o
Brasil. Temos, portanto, dois problemas. Primeiro, elevamos as despesas
ao criar um fundo eleitoral sem mexer no fundo partidário. Em segundo
lugar, essa cifra de R$ 3,6 bilhões pode ser muito menor.
— Quanto seria necessário para custear as eleições de 2018? Com
metade dos recursos que estão sendo propostos seria possível fazer
campanhas tranquilamente em todo país. Até um pouco menos. Creio que
algo como R$ 1,3 bilhão seria suficiente. Há um exagero imenso no volume
e no formato da proposta. Evidentemente teríamos que mudar o padrão das
campanhas.
— Como seria a mudança?
Defendo que os programas de televisão sejam em estúdios únicos,
exclusivamente com o candidato. Ele falaria para a câmera, dirigindo-se
diretamente ao eleitor. Sem jornalistas, sem a participação de
apresentadores. Nada de efeitos visuais. Apenas o tempo para que o
candidato diga ao eleitor o que pensa e o que pretende fazer. Só com
isso, o custo da eleição cairia muito.
— Esse modelo seria adequado inclusive para a campanha presidencial?
Sem nenhuma dúvida. O eleitor teria um ganho imenso. No modelo atual,
os programas de televisão vendem um mundo de sonho. Uma campanha
presidencial em que os candidatos tivessem que se apresentar diretamente
ao eleitor traria uma nova perspectiva para a disputa. Acho que isso
seria adequado tanto na campanha para deoputado quando na disputa para
governador e presidente.
— Que mais poderia mudar para baratear custos? Precisaríamos
proibir alguns itens de campanha, como os carros de som. Isso é coisa
do século passado. Hoje, com a internet, com as mídias sociais, não tem
mais sentido ter despesa com elementos de campanha de rua que ainda
existem na legislação.
— Acha que o distritão será aprovado?
Ficou mais difícil com o ambiente que se formou na Câmara. Há um
fechamento de questão contra distritão no PRB e no PR. A gente sabe que o
comandante do PR, Valdemar da Costa Neto, é um dos grandes
beneficiários do atual sistema. Ele tira vantagens do efeito Tiririca e
do próprio controle que exerce sobre os parlamentares desde a formação
das chapas. Há também uma posição contrária do PT, que tem parlamentares
muito desgastados junto à opinião pública. É gente que tem medo de
enfrentar o voto diretamente, sem caronas. Nesse cenário, o distritão
tem poucas chances de ser aprovado.
— Quais serão as consequências?
Vejo que a gente vive na Câmara e na própria sociedade um ambiente
muito reacionário. Qualquer proposta de mudança é sempre combatida num
primeiro momento. Gostaria muito que o distritão fosse aprovado. Até
porque a proposta prevê o distritão como transição para o voto distrital
misto em 2022. Teríamos uma mudança real. Seria um avanço. Mas receio
que as posições isoladas que temos em todos os partidos, mais a aversão
do PRB, do PT e do PR, três partidos com bancadas grandes, acabem
impedindo a aprovação.
— Em relação ao fundo eleitoral, parece consolidada a maioria a favor de despejar R$ 3,6 bilhões na campanha de 2018, não acha?
Infelizmente parece que é isso mesmo. Será uma grande vergonha se
acontecer. Um fundo de financiamento público desse tamanho, com a
manutenção do sistema proporcional de voto, elevará ainda mais o poder
dos caciques e donos de partido. Eles passarão a mandar muito mais do
que já mandam hoje. É uma belela falar em fortalecimento dos partidos
num quadro como esse. Nós estamos fortalecendo os donos dos partidos.
São coisas completamente diferentes. É o aprofundamento do caciquismo
dentro de todos os partidos —da direita à esquerda. Um resultado assim
será muito ruim.