sábado, 27 de janeiro de 2018
Irmãs conseguiram escapar das
experiências que o médico Josef
Mengele fazia no campo de
extermínio; filha de Chechia
Reichman teme que a história
de sua mãe se repita e diz que,
na época, houve Hitler, ‘mas
atualmente há outros que não
são menos maus que ele’
O Estado de São Paulo
EVEN YEHUDA, ISRAEL - Chechia e sua irmã gêmea Amalia
sobreviveram ao campo de extermínio nazista de Auschwitz e às
experiências que o médico Josef Mengele fazia no local com gêmeos graças
a um jogo de "esconde-esconde", e não se deixaram ver juntas nem por um
minuto.
"Sonhava em ser um pássaro, voar dali e trazer no meu bico pedaços de
pão para a minha gêmea e a minha irmã mais velha, mas não havia pão em
Auschwitz", relata Chechia Reichman, que passou a se chamar Tzvia Cohen
desde que foi viver em Israel, em um vídeo gravado recentemente. Sua filha, Ofira Azrieli, revelou à agência de notícias EFE a história da mãe e a sua própria, e mostrou uma foto das gêmeas quando ainda viviam na cidade polonesa de Pabianice. "De repente, explodiu a guerra e nos levaram a guetos onde o mais
terrível eram as separações", relembra Chechia. Ela conta que tanto no
gueto da sua cidade natal como no de Lodz, para onde foram levadas mais
tarde, "toda amanhã vinham os alemães, chamavam e quem descia à rua já
não voltava com sua família"."Assim aconteceu com meu avô", relata Ofira na sala de sua casa, em Even
Yehuda, 30 quilômetros ao norte de Tel Aviv, ao lembrar que aqueles
judeus poloneses faziam o que lhes ordenavam. "Um dia de 1944 disseram
que deviam ir à estação de trem e levar uma mala pequena porque iam a um
campo de trabalho. Mas quando entraram no trem se deram conta de que
não iam trabalhar."Ofira indica que "havia centenas de pessoas nos vagões, de pé,
apertadas. Viajaram três dias e três noites, sem comida nem bebida, sem
ar, sem banho e, quando o trem finalmente chegou a Auschwitz, um terço
delas já tinha morrido".Quando a porta do trem se abriu, "minha avó, Sara, escutou um dos
oficiais nazistas gritar aos outros 'Zwillings'", que quer dizer
"gêmeos" em alemão, e se deu conta do perigo. Ela então separou as irmãs
e ordenou que nunca ficassem juntas naquele lugar horrível, lembra
Ofira.
A avó de Ofira não sabia de Mengele nem dos seus horríveis experimentos.
"Após três dias, a levaram às câmaras de gás, mas, graças às suas
instruções, as meninas ficaram separadas e por isso Mengele não as
capturou, embora procurasse obsessivamente por gêmeos, especialmente
idênticos. Minha mãe e sua irmã gêmea 'brincaram de esconde-esconde' com
Mengele em Auschwitz. E ganharam”, conta Ofira."Não tive infância, mas me alegra ter sobrevivido e ter tido uma vida meio normal", declara Chechia, entre risos.
Sobreviventes
"Viver com dois pais que passaram fome durante seis anos é raro, porque
meu pai também é sobrevivente. A minha casa parecia um supermercado.
Compravam quilos de comida, todos os armários estavam cheios, a
geladeira, o congelador... E eu também tenho essa obsessão por acumular
alimentos", confessa Ofira. Como muitos outros sobreviventes do nazismo, seus pais também guardaram
silêncio sobre o seu passado, e Ofira e seu irmão tiveram de "montar um
quebra-cabeça", até que na última década Chechia começou a relatar
detalhes daquela vida. "Quando os nazistas já não tinham o que fazer conosco, nos levaram a pé,
uns 15 quilômetros a cada dia, na neve, pelas florestas, e durante o
caminho muitos caíram", aponta Chechia, ao lembrar as Marchas da Morte,
nas quais os nazistas, acossados pelos aliados e os soviéticos, tentaram
ocultar os campos de concentração e suas atrocidades, e levar os
prisioneiros ao interior do país."Não tínhamos forças nem para ficar em pé e à noite, quando nos
colocavam para dormir em algum povoado, com os animais, comíamos as
batatas das vacas, e acordávamos pela manhã com forças renovadas. Havia
neve no caminho, comíamos a neve, estava muito boa", conta ela. Ofira lamenta que "quando era menina, ficava ansiosa para ir ao
acampamento de verão na floresta, mas meus pais não me deixavam ir
porque, para eles, a palavra ‘floresta’ era morte. Eu era a única menina
do colégio que nunca tinha ido a um acampamento na floresta". Neste sábado, 27, no Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, no
qual são lembrados os cerca de seis milhões de judeus, 200 mil ciganos,
250 mil deficientes mentais e 9 mil homossexuais exterminados pelos
nazistas durante a 2.ª Guerra (1939-1945), Ofira relata o que aconteceu à
sua mãe porque teme que a história se repita. "Nós judeus tivemos
Hitler, mas atualmente há outros que não são menos maus que ele",
alerta. / EFE