Uma decisão tomada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, influiu na decretação da
prisão
provisória dos amigos de Michel Temer e de empresários do setor
portuário na Operação Skala, deflagrada nesta quinta-feira. A Polícia
Federal havia requisitado a condução coercitiva dos suspeitos. Mas
Gilmar proibira esse tipo de procedimento num despacho proferido em
dezembro do ano passado. A Procuradoria viu-se compelida, então, a
requerer a prisão dos alvos da PF por cinco dias.
A má notícia
para Temer é que a procuradora-geral da República Raquel Dodge
considerou que há no processo indícios da prática de crimes que
justificam a adoção da providência drástica. A péssima notícia para o
presidente é que o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso dos
portos no Supremo, concordou com Raquel Dodge. E como há males que vêm
para pior, o cheiro que exala da cozinha do inquérito indica que está no
forno uma terceira denúnica criminal contra o presidente da República.
Investiga-se
a suspeita de que Temer tenha recebido propinas para editar, no ano
passado, decreto que afetou os negócios de empresas portuárias. A
Polícia Federal diz ter colecionado evidências de que há um esquema de
corrupção funcionando no setor de portos há mais de 20 anos. Nessa
versão, o principal operador de Temer é o coronel da reserva da PM
paulista João Baptista Lima, amigo do presidente há três décadas. Nas
palavras dos investigadores, as propinas tiveram “fins pessoais e
eleitorais.”
O coronel Lima, como é chamado pelos amigos, é um dos
presos desta quinta-feira. Ele é sócio de uma empresa chamada Argeplan.
No despacho em que autorizou as prisões e as batidas policiais para
busca e apreensão de documentos, valores e equipamentos eletrônicos, o
ministro Barroso anotou que a Argeplan “tem se capitalizado por meio do
recebimento de recursos provenientes de outras empresas – as
interessadas na edição do denominado Decreto dos Portos – e distribuído
tais recursos para os demais investigados”.
O ministro prosseguiu:
“Desse modo, os sócios dessas empresas devem ser trazidos para prestar
esclarecimentos, inclusive sobre se possuem conhecimento quanto à
eventual atuação de João Batista no favorecimento de empresas
concessionárias do setor portuário e na solicitação de vantagens
indevidas a empresários com finalidade de beneficiar agentes políticos,
seja por doações de campanha formais, ‘caixa 2’ ou mesmo sob forma de
‘propina’ direta, sem relação com campanhas eleitorais”.
Instaurado
no ano passado, o inquérito sobre portos é um dos filhotes da delação
do grupo JBS. A pedido da Polícia Federal, o minstro Barroso autorizou
que fossem anexados ao processo documentos de outro inquérito sobre o
mesmo tema, arquivado há sete anos.
A investigação que estava na
gaveta nascera de denúncias de uma ex-mulher de Marcelo Azeredo.
Apadrinhado por Temer, ele presidiu a Companhia das Docas do Estado de
São Paulo (Codesp), entre 1995 e 1998. De acordo com a denúncia, recebia
propinas junto com Temer. Entre os papeis retirados da gaveta há uma
planilha chamada “Parcerias realizadas, concretizadas e a realizar”.
O
documento anota nomes de empresas que administram áreas no Porto de
Santos. Entre elas a Rodrimar, a mesma que está no epicentro da
investigação inaugurada no ano passado. Ao lado do nome da empresa, há
duas letras: “MT”. Suspeita-se que sejam as iniciais de Michel Temer. Na
sequência, anotaram-se valores: R$ 300 mil e R$ 200 mil. Noutro trecho,
aparecem as inicias “MA” e a letra “L”, associada à cifra de R$ 150
mil. Para os investigadores, “MA” é Marcelo Azeredo e “L” refere-se ao
coronel Lima.
Há duas semanas, Raquel Dodge recorreu contra a
decisão de Gilmar Mendes que proibiu a condução coercitiva de
investigados. Para ela, a medida suspensa por liminar do ministro mais
próximo a Michel Temer no Supremo se presta a um “fim legítimo''
(possibilitar a identificação e o interrogatório) sem privar “a
liberdade do conduzido”, que é retido apenas pelo “tempo necessário à
realização do interrogatório.” Realçou que o procedimento “não ofende os
direitos ao silêncio e à vedação da autoincriminação.''
Gilmar,
ao contrário, entendera que a condução coercitiva para interrogatório
fere a Constituição por restringir dois direitos: a liberdade de
locomoção e a presunção de não culpabilidade. De resto, obriga a
presença no interrogatório, “um ato ao qual o investigado não é obrigado
a comparecer.” O resultado prático foi a decretação da prisão dos
amigos do presidente. Eles decerto não gostariam de estar na cadeia. Mas
nesse caso a presença é compulsória.
Josias de Souza
29/03/2018 17:09