quinta-feira, 29 de março de 2018

Brasil de Temer vira uma Pasárgada às avessas


Na Pasárgada de Michel Temer, onde “a existência é uma aventura”, a amizade com o Rei tornou-se algo arriscadíssimo. A prisão temporária dos amigos José Yunes, Wagner Rossi e João Baptista Lima Filho reforça a impressão de que os chegados do monarca estão divididos em dois grupos: os presos e os que aguardam na fila, protegidos sob a marquise do foro privilegiado.
As novas prisões ocorreram no âmbito do inquérito sobre portos. O mesmo inquérito que, no mês passado, o ex-diretor da Polícia Federal Fernando Segovia dizia que caminhava para o arquivo porque os indícios eram “muito frágeis”. Segovia caiu. E a investigação ganhou impulso. Uma das molas da investigação foi retirada da gaveta. Com autorização do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, os investigadores manusearam documentos de um processo antigo, arquivado em 2011.
O processo desarquivado tratava do mesmo tema: irregularidades no Porto de Santos. Nele, há uma tabela com o seguinte título: “Parcerias realizadas, concretizadas e a realizar”. O documento anota nomes de empresas que administram áreas no porto. Menciona a Rodrimar. Ao lado da logomarca da emprensa, há duas letras: “MT”. Suspeita-se que sejam as iniciais de Michel Temer. Na sequência, anotaram-se valores: R$ 300 mil e R$ 200 mil. Noutro trecho, aparece a letra “L” e a cifra de R$ 150 mil. Para os investigadores, “L” pode identificar o coronel Lima, um dos amigos presos nesta quinta-feira.
No despacho em que autorizou a prisão dos amigos de Temer, Barroso mencionou a hipótese de o caso atual envolver, na verdade, um esquema longevo de troca de propinas por decisões governamentais. A primeira autoridade a se pronunciar sobre as prisões foi Carlos Marun, o ministro que cuida da coordenação política do Planalto. Ele diz ter “certeza” de que o decreto dos portos, assinado por Temer, não beneficiou empresas portuárias. Marun fez piada: ''É como se estivesse investigando o assassinato de alguém que não morreu''.
Se Marun diz que a investigação contra Temer dará em nada, é melhor não discutir. O ministro é um especialista. O último personagem sobre o qual Marun dizia ter “certeza” da honestidade era Eduardo Cunha, hoje um condenado em segunda instância, recolhido à penitenciária paranaense que abriga os corruptos da Lava Jato. Marun é, ele próprio, um símbolo da deterioração do governo Temer. Ex-general da infantaria parlamentar de Cunha, ele ocupa no Planalto a sala que era de Geddel Vieira Lima, outro amigo de Temer recolhido ao cárcere depois que a Polícia Federal estourou o apartamento em que guardava R$ 51 milhões.
Manuel Bandeira resumiu a essência da nacionalidade ao tratar do desejo que todos cultivam de estar em Pasárgada, onde se pode ser amigo do Rei. No momento, os amigos de Temer talvez dispensassem as vantagens da terra idealizada pelo poeta –a ginástica, a bicicleta, o burro brabo, o pau-de-sebo, os banhos de mar, a mulher ambicionada na cama escolhida. Trocariam tudo isso por um sedutor habeas corpus.
Josias de Souza
29/03/2018 14:40

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