sábado, 30 de setembro de 2017

Em vez de salvar o Aécio, deveriam matar o foro



Josias de Souza
 
Há no Brasil mais de 220 mil presos provisórios. São brasileiros pobres que mofam esquecidos nas cadeias à espera de um julgamento. Mas Brasília vive um curto-circuito desde que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal proibiu Aécio Neves de sair de casa à noite. Num esforço para desligar a crise da tomada, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, prometeu ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, que levará a julgamento em 11 de outubro uma ação que sustenta que as sanções contra parlamentares têm de ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado. Numa palavra: deseja-se a restauração da impunidade.
Aécio e sua irmã foram gravados pedindo R$ 2 milhões ao corruptor Joesley Batista. Um primo de Aécio foi filmado recebendo mochilas com dinheiro. Um amigo de Aécio foi pilhado ocultando parte da verba. Diante de tudo isso, ministros que chegaram ao Supremo com o aval do Senado aplicaram uma lei aprovada pelos senadores para afastar Aécio do mandato e proibi-lo de sair de casa à noite. E os senadores agora informam que a lei que eles aprovaram para criar punições diferentes da prisão clássica vale para qualquer brasileiro, menos para eles.
Enquanto o plenário do Supremo se equipa para decidir que as punições impostas a Aécio pela Segunda Turma do mesmo Supremo não valem, permanece na gaveta há 115 dias o processo que impõe restrições ao foro privilegiado. Esse processo, se fosse julgado pelo Supremo, atenuaria o problema, pois investigações como a de Aécio desceriam para a primeira instância do Judiciário, onde mofam os 220 mil brasileiros presos sem uma sentença.
O Brasil será outro país no dia em que matar excrecências como o foro privilegiado for mais importante do que salvar da extinção a tribo dos aécios. (Relembre no vídeo abaixo pedaços da conversa vadia de Aécio com seu mecenas Joesley

Lula virou uma virtude com os glúteos na vitrine

Josias de Souza

Até agora, sem uma defesa técnica convincente, Lula vinha enfrentando seu calvário criminal acorrentado ao enredo-procissão. Nele, a divindade percorre sua via-crúcis, cabendo aos devotos gritar “amém” e denunciar os ímpios que tentam crucificar o político mais honesto que o espelho já conheceu. Mas a conversão do discípulo Antonio Palocci à Lava Jato fez de Lula uma espécie de virtude com os glúteos expostos na vitrine.
A decomposição da imagem de Lula atingiu um estágio inédito. O imaculado do PT conseguira atravessar o mensalão sem amarrotar o terno. Na Era do petrolão, depois que a soma das denúncias acomodadas sobre seus ombros chegou à marca de nove, Lula perdeu o paletó e a camisa. Quando sete dessas denúncias foram convertidas em ações penais, ele ficou sem as calças.
A pena de nove anos e meio de cadeia imposta por Sergio Moro deixou Lula sem cueca. Mas ele ainda aguardava no fundo da loja pelo julgamento do recurso no TRF-4. Os glúteos da virtude foram à vitrine por duas razões. Uma é a devastadora carta em que Antonio Palocci se desfiliou do PT com a seguinte pergunta: “Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade.” A outra razão é a incapacidade de Lula de demonstrar a honestidade que até o ex-discípulo é incapaz de reconhecer.
Medida por seus autocritérios, a virtude de Lula é tão exagerada que, em vez de favorecer, pode aniquilar. Há tantos “mentirosos” contestando Lula que o beato do PT vai se transformando num personagem inacreditável. Os delatores da Odebrecht confirmam a propina. O “laranja” que assumiu o apartamento de São Bernardo desmente a fábula do aluguel. A herdeira do imóvel informa ao fisco que o vendeu imaginando que Lula era o comprador.
Foi contra esse pano de fundo que Palocci disparou suas interrogações mortais. Como essa: “Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto são atribuídosa dona Marisa?”
O contrário do antilulismo que o PT supõe existir é o pró-lulismo que o PT gostaria que existisse. Tal sentimento, para sobreviver, exigiria a aceitação de todas as presunções de Lula a seu próprio respeito. Algo que só seria possível com a aceitação da tese segundo a qual Lula de fato tem uma missão especial no mundo, de inspiração divina e, portanto, inquestionável.
Se Lula reconhecer que também está sujeito à condição humana, pode sair da vitrine. Se seus advogados pararem de atacar investigadores e magistrados para levar meio quilo de explicações à balança, Lula pode recuperar o paletó. Se a defesa parar de utilizar Marisa Letícia como álibi de todas as culpas, o marido talvez consiga reaver a cueca.
Quanto às calças, não será fácil tê-las de volta. A coisa seria simples se os ataques de Palocci tivessem transformado Lula num político igual a todos os outros. Mas foi pior do que isso. A descompostura companheira fez de Lula um personagem completamente diferente de si mesmo —ou da divindade que ele imaginava ser.