Não foi por acaso que Osmar Serraglio recorreu ao fiscal agropecuário
Daniel Gonçalves Filho, para pedir que acudisse o dono de um
frigorífico sob fiscalização no Paraná. No exercício do seu mandato de
deputado federal, Serraglio notabilizou-se como um ferrenho protetor
político do personagem. Agora, na pele de ministro da Justiça, Serraglio
tenta se desvencilhar do seu protegido, acusado pela Polícia Federal de
liderar a “organização criminosa” desbaratada na Operação Carne Fraca.
O
blog
apurou que Serraglio pegou em lanças para tentar impedir que o “grande
chefe”, como se referia a Daniel Gonçalves Filho, fosse afastado do
comando da superintendência do Ministério da Agricultura no Paraná.
Última titular da pasta da Agricultura na gestão de Dilma Rousseff, a
senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) recebeu Serraglio em seu gabinete no ano
passado, antes do impeachment da ex-presidente petista. O visitante
estava acompanhado do deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), outro anteparo
político do fiscal da Carne Fraca.
Numa deferência à dupla de
apoiadores do fiscal tóxico, Kátia Abreu informou que recebera da
Consultoria Jurídica do Ministério da Agricultura uma recomendação para
suspender Daniel Gonçalves do posto de autoridade máxima da pasta no
Estado do Paraná. Explicou que o afastamento ocorreria como resultado de
um Processo Disciplinar Administrativo. Inconformado, Serraglio pediu à
então ministra de Dilma uma cópia do processo. Embora o pedido fosse
inusual, foi atendido.
Mesmo depois de folhear o processo,
Serraglio não se deu por achado. Insistiu para que Kátia Abreu
mantivesse Daniel Gonçalves no comando da representação da Agricultura
no Paraná. O processo administrativo tratava de um caso de furto na
superintendência paranaense do ministério. Daniel livrara um subordinado
da acusação de surrupiar combustível. O problema é que ele não tinha
poderes para inocentar o colega. Para complicar, as evidências do desvio
eram eloquentes.
De resto, o protegido de Serraglio respondia a
vários outros processos administrativos. Àquela altura, Daniel Gonçalves
já se encontrava também sob investigação da Polícia Federal. Mas o
inquérito que desaguaria na Operação Carne Fraca corria em segredo. Sem
saber, Kátia Abreu tomou distância de uma encrenca.
Dois meses
antes, em fevereiro de 2016, o ainda deputado Serraglio, também alheio à
movimentação dos agentes federais, tocara o telefone para Daniel
Gonçalves. Por mal dos pecados, aproximara-se da radiação. Sua voz soara
num
grampo
que a Justiça autorizara a PF a instalar, para ouvir as conversas
vadias do então superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná.
Agora, convertido em Ministro da Justiça por Michel Temer, Serraglio
encontra-se na constrangedora posição de superior hierárquico de uma
Polícia Federal que chama seu ex-protegido de corrupto.
Segundo a
Polícia Federal, a “quadrilha” liderada por Daniel Gonçalves cobrava
propinas de frigoríficos. Em troca, fechava os olhos da fiscalização. E
permitia que chegassem às gôndolas dos supermercados carnes com prazo de
validade vencido —por vezes, muito vencido.
O juiz Marcos
Josegrei da Silva, que cuida do caso, anotou no despacho em que
autorizou a deflagração da Operação Carne Fraca: “É estarrecedor
perceber que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no
Paraná, um dos órgãos mais importantes para garantir a qualidade dos
alimentos consumidos diariamente por milhões de pessoas não apenas neste
Estado, como também em outras partes do Brasil, e fora das fronteiras
nacionais em alguns casos de exportação, foi tomado de assalto —em ambos
os sentidos da palavra— por um grupo de indivíduos que traem
reiteramente a obrigação de efetivamente servir à coletividade.”
O
magistrado prosseguiu: “O exame dos indícios que emergem das centenas
de horas de ligações telefônicas captadas ao longo de mais de um ano de
incessante investigação, dos relatórios policiais e do cruzamento de
dados bancários e fiscais realizado minuciosamente pela Receita Federal
apontam para a perturbadora conclusão acerca da presença de uma
organização criminosa há muito enraizada em diversos escalões da unidade
do MAPA/PR.”
Num dos telefonemas captados pelas escutas
autorizadas pelo juiz Marcos Josegrei, Serraglio chama o fiscal Daniel
Gonçalves de “grande chefe”. O então deputado federal pedia informações
sobre uma fiscalização num frigorífico chamado Larissa, assentado na
cidade de Iporã (PR). Pertence a Paulo Rogério Sposito, que também teve a
prisão decretada. Seguiu-se o seguinte diálogo:
Osmar Serraglio: Grande chefe, tudo bom?
Daniel Gonçalves: Tudo bom?
Serraglio: Viu, tá tendo um problema lá em Iporã. Cê tá sabendo?
Daniel: Não.
Serraglio:
O cara lá….que o cara que tá fiscalizando lá…apavorou o Paulo lá…disse
que hoje vai fechar aquele frigorífico…botô a boca..deixou o Paulo
apavorado. Mas para fechar tem o rito, não tem? Sei lá…como funciona um
negócio deste?
Daniel: Deixa eu ver o que está acontecendo..tomar pé da situação de lá…falo com o senhor.
Daniel
Gonçalves ligou para uma subordinada, a fiscal Maria do Rocio, também
encrencada na Carne Fraca. Pediu-lhe que verificasse o que sucedia nas
instalações do frigorífico Larissa. A interlocutora informou que não
havia nada de errado na empresa. A informação foi repassada a Serraglio.
Abalroado
pelo noticiário, Serraglio mandou divulgar uma nota. Nela, sua
assessoria escreveu: “Se havia alguma dúvida de que o ministro Osmar
Serraglio, ao assumir o cargo, interferiria de alguma forma na autonomia
do trabalho da Polícia Federal, esse é um exemplo cabal que fala por si
só. O ministro soube hoje, como um cidadão igual a todos, que teve seu
nome citado em uma investigação. A conclusão tanto pelo Ministério
Público Federal quanto pelo Juiz Federal é a de que não há qualquer
indício de ilegalidade nessa conversa degravada.”
Acomodado na
poltrona de ministro da Justiça há carca de um mês, Serraglio, de fato,
não foi informado previamente sobre a Operação Carne Fraca. Não
ignorava, porém, o risco de contágio que a proximidade com Daniel
Gonçalves propiciava. O fiscal foi alçado pela primeira vez ao cargo de
superintendente da Agricultura no Paraná em 2007, sob Lula. Indicou-o o
ex-deputado federal Moacir Micheletto, morto num acidente
automobilístico em 2012. Nessa época, Serraglio endossou o
apadrinhamento, junto com outros parlamentares paranaenses.
Em
2014, sob protestos de Serraglio, Daniel Gonçalves foi apeado do cargo. O
afastamento chegou com pelo menos dois anos de atraso. Em outubro de
2012, quando respondia pela pasta da Agricultura o peemedebista gaúcho
Mendes Ribeiro, já falecido, o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno
(PR), enviou-lhe um requerimento de informações (leia a íntegra
aqui).
Bueno
indagava ao ministro de então que providências ele havia tomado para
esclarecer denúncias contra Daniel Gonçalves enviadas ao Ministério da
Agricultura pelo Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários.
De acordo com essas denúncias, já naquela época o mandachuva da
superintendência paranaense convivia com a suspeita de afrouxar
fiscalizações e proteger infratores.
Mendes Ribeiro mandou abrir
um processo disciplinar para apurar as suspeitas. Mas ele adoeceu. E o
processo foi enviado às calendas gregas. Só em 2014 o protegido de
Serraglio perdeu o posto. Por pouco tempo. Retornaria à chefia da
superintendência no Paraná em 2015. E lá permaneceria até ser afastado
por Kátia Abril, em abril de 2016.
Em matéria de fiscalização
agropecuária, o interesse público está desassistido no Paraná há muito
tempo. Durante toda a Era do PT, a chefia da superintendência da pasta
da Agricultura no Estado foi compartilhada entre Daniel Gonçalves, o
preferido do PMDB, e outro fiscal de carreira, Gil Bueno de Magalhães,
um apadrinhado do PP, Partido Progressista.
Nesse vaivém, Gil
Bueno retornou ao posto máximo da Agricultura em julho de 2016, já sob a
presidência-tampão de Michel Temer. Apadrinharam-no, novamente,
deputados paranaenses do PP, campeão no ranking de enrolados do
petrolão. Entre eles Dilceu Sperafico, Nelson Meurer e Ricardo Barros,
hoje ministro da Saúde. Na útima sexta-feira, Gil Bueno engordou a lista
de suspeitos que tiveram a prisão decretada nesta primeira fase da
Operação Carne Fraca. DO J.DESOUZA