PAZ AMOR E VIDA NA TERRA
" De tanto ver triunfar as nulidades,
De tanto ver crescer as injustiças,
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega
a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
[Ruy Barbosa]
domingo, 19 de março de 2017
Metamorfose na capital do poder. A desfaçatez dos políticos
DA ISTOÉ
Enquanto
Brasília ainda contabiliza os atingidos pela “lista de Janot”, os
integrantes de quase todos os partidos já começam a articular a reação
para evitar que venham a ser punidos pelos crimes que cometeram
Aguirre Talento
“Cuidado com os idos de março”. A expressão, que remonta a 44
a.C., numa alusão à conspiração senatorial contra Júlio Cesar em 15 de
março, ajusta-se como uma luva ao atual momento político. Mesmo com a
escassez de chuvas em Brasília na última semana, uma nuvem negra com
estrondosos relâmpagos estacionou sobre o Congresso Nacional e não tem
previsão de se dissipar tão cedo. A aguardada “lista de Janot”, baseada
na delação dos 77 executivos da Odebrecht, com 83 pedidos de abertura de
inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) e 211 solicitações de
distribuição de investigações para outras instâncias da Justiça, atingiu
em cheio a classe política brasileira e provocou um festival de
desfaçatez, mesmo ainda sem a revelação dos detalhes que fundamentam as
futuras investigações. Os políticos, verdadeiros camaleões que se
adaptam a toda e qualquer nova situação, começaram a se movimentar nos
porões do navio em busca de boias para salvarem a própria pele, nem que
para isso precisem editar leis que apaguem os crimes que cometeram no
passado. O grande perigo é a lista de Janot ser triturada pelas
conveniências políticas do momento. Fazer picadinho do material
encaminhado pelo procurador-geral significa submeter as investigações da
Lava Jato ao risco de terminar como a Operação Mãos Limpas, na Itália,
que perdeu fôlego e, ao fim e ao cabo, serviu aos interesses dos
corruptos. “Não pode acontecer o que ocorreu na Itália. Logo depois da
operação, houve uma redução dos crimes. É verdade. Mas como os políticos
agiram para garantir a própria impunidade, os crimes voltaram a ocorrer
e de forma ainda mais sofisticada. A mobilização da sociedade diminuiu
porque as pessoas caíram em desesperança”, alertou o coordenador da Lava
Jato, Deltan Dallagnol. CARGA PESADA A lista de Janot chegou ao STF dentro de dez caixas, carregadas por funcionárias da Procuradoria-Geral da República
Até agora, foram revelados 38 nomes da lista, mas informações de
fontes com acesso às investigações apontam que mais de 150 políticos
devem se tornar alvos de inquéritos. Os pedidos chegaram ao Supremo na
terça-feira 12, mas ainda estão guardados sob sigilo até que o relator
da Lava Jato, ministro Edson Fachin, autorize a divulgação das
informações.
O pânico se alastra entre membros do Executivo, Legislativo e
ex-autoridades, sob a percepção de que a lista pode ser capaz de
implodir o sistema político brasileiro: os repasses de recursos feitos
pela Odebrecht, registrados oficialmente ou por caixa dois, poderão
implicar num grande número de parlamentares em casos de corrupção. O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou uma mensagem
interna aos seus pares, após a apresentação da lista, na qual
diagnostica uma democracia marcada essencialmente pela corrupção. Suas
palavras são de perplexidade. “As revelações que surgem dos depoimentos,
embora já fossem presumidas por muitos, lançadas assim à luz do dia, em
um procedimento formal perante a nossa Suprema Corte, nos confrontarão
com a triste realidade de uma democracia sob ataque e, em grande medida,
conspurcada na sua essência pela corrupção e pelo abuso do poder
econômico e político”, escreveu Janot.
Os políticos atingidos, em um primeiro momento, exibiram o já usual
cinismo. Como sempre, tentaram diminuir o fato de estarem na lista,
dizendo que ser citado por delatores não basta e que vão provar a
inocência durante as investigações. Mero malabarismo de palavras. A
mesma adaptação do discurso ocorre quando são indiciados, denunciados
até quando se tornam réus. É do jogo. O que traz riscos à democracia é a
ofensiva, em geral deflagrada em conjunto pelas vossas excelências, no
sentido de descriminalizar os crimes que eles próprios cometeram. É o
que ocorre agora. Nos últimos dias, em meio ao clima de salve-se quem
puder, o espírito de corpo prevaleceu e os parlamentares se uniram para
articular, mais uma vez, uma anistia ao caixa dois. Nessa empreitada,
contaram, até mesmo, com o apoio do presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, que deu surpreendentes
declarações à BBC Brasil defendendo “desmistificar” a prática,
classificando-a como uma “opção” das empresas para evitar serem
achacadas pelos candidatos enciumados com doações aos concorrentes. Sem
corar a face, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou
até que pautaria o projeto, desde que algum deputado se identificasse
como autor. “Qualquer tema pode ser pautado. Não tenho objeção a nenhum
tema, contanto que ele seja feito com nome, sobrenome e endereço fixo da
matéria e um pedido dos partidos políticos. Aí a gente não pode se
negar a pautar”, afirmou. Primeira lista foi aperitivo
O que os parlamentares tentam fazer agora é o mesmo que mudar as regras
de um jogo com a partida em andamento. Ou pior. É como se tivessem sido
flagrados roubando lanche da cantina do Congresso e, de repente,
resolvessem estabelecer que o furto não só será permitido como quem
furtou não receberá qualquer tipo de sanção ou punição. Atingido pela
lista, o PMDB do Senado convocou uma reunião de emergência na
quarta-feira 15 no gabinete do presidente da Casa, Eunício Oliveira. Na
saída, os parlamentares evitaram comentar o motivo da reunião, mas não
puderam se esquivar das perguntas sobre o assunto. Sem meias-palavras, o
senador Edison Lobão (PMDB-MA) classificou as delações como “má-fé”. “A
investigação não constitui uma acusação concreta. Não me oponho a
nenhuma investigação. É o momento de se provar inocência”, repetia. O
atual líder do PMDB no Senado, Romero Jucá (RR), conhecido por suas
declarações desastrosas, não fugiu ao hábito. Primeiro, tentou
transparecer tranquilidade: “A melhor resposta que o Congresso pode dar é
trabalhar. Votar aquilo que precisa ser votado”, explicou. Mas, em
seguida, escancarou seu verdadeiro estado de espírito: “Estamos em
guerra e, morrer na guerra, acontece, faz parte”. Seis ministros na lista
A grandiosidade do material gerado pela delação da Odebrecht deixa no
chinelo a primeira lista de Janot, enviada ao Supremo em março de 2015
com base nas delações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e
do doleiro Alberto Youssef. Na ocasião, foram abertos 21 inquéritos. O
número agora representa quase quatro vezes a quantidade de investigações
iniciadas no Supremo naquela ocasião e também vai significar a remessa
de cerca de 200 petições às primeiras instâncias judiciais por não
envolver autoridades com foro privilegiado – estão nesse pacote, por
exemplo, as citações a Lula e Dilma. Foram cerca de 950 depoimentos de
77 executivos e ex-executivos da Odebrecht e da Braskem (braço
petroquímico da empreiteira), que foram gravados em vídeo e totalizam
500 gigabytes de dados.
Além dos abalos ao Congresso, a lista de Janot atinge o coração do
governo: ao menos seis ministros estão nos pedidos de investigação,
incluindo o palaciano Eliseu Padilha (Casa Civil), apontado como
interlocutores de Temer na obtenção de recursos da Odebrecht. A situação
de Padilha é a mais complicada, porque o ex-assessor de Temer José
Yunes contou em depoimento aos investigadores que recebeu um pacote em
seu escritório a pedido de Padilha. A suspeita é que o ministro da Casa
Civil tenha recebido R$ 4 milhões da Odebrecht, por diversos meios,
inclusive envio de dinheiro em espécie ao Rio Grande do Sul, seu Estado.
Temer não deve ser investigado nesse caso, apesar de ter participado de
um jantar com Marcelo Odebrecht para selar o pedido de R$ 10 milhões ao
PMDB. O entendimento adotado por Janot é que o presidente da República
não pode ser processado por fatos estranhos ao exercício do atual
mandato. Os outros quatro ministros alvos de pedidos de investigação são
Gilberto Kassab (PSD-SP), da Ciência e Tecnologia, Aloysio Nunes
(PSDB-SP), das Relações Exteriores, Bruno Araújo (PSDB-PE), das Cidades e
Marcos Pereira (PRB-RJ), da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Os
chefes dos Executivos estaduais também não foram poupados, já que
diretores regionais da Odebrecht participaram das delações e cuidavam
dos acertos locais. Ao menos seis governadores devem ser alvos de
investigações no STJ: Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Luiz Fernando Pezão
(PMDB-RJ), Renan Filho (PMDB-AL), Fernando Pimentel (PT-MG), Tião Viana
(PT-AC) e Beto Richa (PSDB-PR).
A expectativa é que o ministro Fachin demore alguns dias para
despachar os pedidos de Janot. Apesar de ter juízes auxiliares, ele quer
ler pessoalmente as peças. Não foi o que o ex-ministro Teori Zavascki
fez quando recebeu a primeira lista. Ele, quase que imediatamente,
tornou-a pública. Quando Fachin autorizar as aberturas de inquérito, ele
deve também retirar o sigilo dos processos. A grande dúvida é se as
investigações servirão para realmente separar o joio do trigo e punir
corruptos ou se elas fornecerão combustível à realização de uma anistia
geral. As palavras finais da carta de Janot dão um norte do que seria
possível construir para aprimorar a democracia, em vez de enterrá-la de
vez: “Por fim, é preciso ficar absolutamente claro que, seja sob o ponto
de vista pessoal, seja sob a ótica da missão constitucional do MP de
defender o regime democrático e a ordem jurídica, o trabalho
desenvolvido na Lava Jato não tem e jamais poderia ter a finalidade de
criminalizar a atividade política”, ponderou. Para Janot, o sucesso das
investigações conduzidas pelo MPF representa uma oportunidade ímpar de
depuração do processo político nacional. Ao menos para aqueles que
acreditam verdadeiramente ser possível fazer política sem crime e para
os que crêem que a democracia não é um jogo de fraudes, nem instrumento
para uso retórico de demagogos. Que a Justiça acompanhe a precisão
cirúrgica das palavras do procurador-geral da República. Colaborou Ary
Filgueira
Nenhum comentário:
Postar um comentário