PAZ AMOR E VIDA NA TERRA
" De tanto ver triunfar as nulidades,
De tanto ver crescer as injustiças,
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega
a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
[Ruy Barbosa]
A mudança, para salvar Lula, na jurisprudência do STF que permite a
prisão após a segunda instância, vai beneficiar também estupradores,
pedófilos e todo o tipo de bandido.
Só em Curitiba são 114 presos, já condenados, que serão soltos.
Os advogados do ex-presidente estão tentando mudar essa jurisprudência e
agora querem mudar a Lei da Ficha Limpa, que existe há muito tempo e é
clara: o condenado em segunda instância não pode ser candidato.
O PT não deveria nem indica-lo candidato; mas vai indicar, criar o fato
político, impetrar recursos atrás de recursos, até conseguir, como está
conseguindo no STF, usando brechas na lei, livra-lo da prisão.
Em entrevista
ao Roda Viva, Sergio Moro explicou didaticamente como o Supremo
Tribunal Federal pode “dar um passo atrás” no combate à corrupção ao
julgar o pedido de Lula para não ser preso. Sem ofender a Suprema Corte,
o juiz da Lava Jato declarou que uma eventual mudança na regra sobre a
prisão de condenados na segunda instância levará à “impunidade dos
poderosos”. Abstendo-se de comentar o julgamento do habeas corpus de
Lula, marcado para 4 de abril, Moro disse: “Se alguém cometeu um crime, a
regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num
sistema judiciário de faz de conta.”
Logo na primeira pergunta,
Moro teve a oportunidade de discorrer sobre o conceito de presunção de
inocência. Realçou que “em países como França e Estados Unidos, que são
berços históricos da presunção de inocência, a prisão se opera a partir
de um primeiro julgamento. E a eventual interposição de recursos contra
esse julgamento não impede que, desde logo, a prisão seja operada.”
No
Brasil, vigora desde fevereiro de 2016 uma jurisprudência do Supremo
segundo a qual a prisão pode ser efetuada a partir de uma condenação de
segundo grau. É o caso de Lula, cuja sentença de 12 anos e 1 mês de
cadeia foi confirmada nesta segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, em Porto Alegre.
Lula pede que o Supremo reconheça o
seu direito constitucional de recorrer em liberdade aos tribunais
superiores de Brasília —até o chamado trânsito em julgado, quando se
esgotam todas as possibilidades de recurso. Obteve na semana passada um
salvo-conduto da Suprema Corte, que proibiu sua prisão até o julgamento
do mérito do pedido, que ocorrerá na quarta-feira (4) da semana que vem.
“Seria
ótimo esperar o julgamento final”, disse Moro, falando em termos
genéricos. O problema, acrescentou o juiz, é que “o sistema processual
brasileiro é extremamente generoso em relação a recursos.” O que acaba
“representando um desastre para a efetividade do processo penal.” Na
expressão de Moro, a profusão de recursos cria “processos sem fim, que
levam uma década ou até mais de uma década'' para ser julgados.
Há
mais: “A nossa lei prevê que, durante o processamento desses recursos,
continua a correr aquilo que a gente chama de prescrição, que é um tempo
que a lei fornece para que o recurso seja julgado.” Professor
universitário, Moro caprichou no didatismo: “Se não for julgado naquele
tempo, o caso prescreve. O tribunal não vai decidir sobre a culpa ou a
ausência de culpa. Vai simplesmente dizer que não pode mais punir pelo
decurso de prazo.”
Há pior: “Isso, na prática, é a impunidade”,
afirmou Moro, antes de esclarecer quem se beneficia das brechas abertas
pelo sistema judiciário: “De uma maneira bastante simples: essa
generosidade de recursos consegue ser muito bem explorada por criminosos
poderosos política e economicamente. São eles que têm condições de
contratar os melhores advogados.”
O juiz prosseguiu: “O efeito
prático é que nós temos, muitas vezes, a impunidade dos poderosos, o que
é contrário aos compromissos maiores que a gente tem na nossa
Constituição de garantir liberdade e também igualdade.” Foi nesse ponto
que Moro injetou em sua prosa o comentário que se encaixa à perfeição no
caso de Lula: “Se alguém cometeu um crime, a regra é que a pessoa tem
que ser punida. Não pode ser colocada num sistema judiciário de faz de
conta.”
Confrontado com uma pergunta específica sobre o pedido de
habeas corpus de Lula, Moro abriu um parêntese: “Não me cabe fazer uma
avaliação específica sobre esse habeas corpus. Está sob o Supremo
Tribunal Federal. Espero que tome a melhor decisão.” Em seguida, a
pretexto de falar genericamente sobre o “princípio” da prisão em segunda
instância, Moro disse qual seria, a seu juízo, a melhor decisão.
“Foi
estabelecido um precedente importante em 2016. Esse precedente foi da
lavra do saudoso ministro Teori Zavascki [morto em acidente aéreo em
2017]. Já falei publicamente que, se não fosse o ministro Teori Zavascki
não haveria Operação Lava Jato. E, em 2016, ele foi autor desse
precedente no Supremo, que disse: ‘olha, a partir de uma condenação em
segunda instância pode, desde logo, executar a prisão’. É aquilo que eu
disse anteriormente: se for esperar o último julgamento, na prática,
pela prodigalidade de recursos do nosso sistema, isso é um desastre
porque leva à impunidade, especialmente dos poderosos.”
A certa
altura, Moro afirmou que o problema não se restringe a Lula. Contou que
fez um levantamento na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalha. Ali,
desde fevereiro de 2016, quando o Supremo autorizou a prisão em segunda
instância, foram expedidos 114 mandados para executar a pena de
condenados na segunda instância. O levantamento já havia sido publicado aqui no blog.
Apenas
12 dos 114 casos estão relacionados à Lava Jato, declarou Moro. “Tem lá
peculatos milionários —de R$ 20 milhões, de R$ 12 milhões— dinheiro
desviado da saúde, da educação. Mas não é só isso: tem traficante, tem
até pedófilo, tem doleiros. Estou falando dentro de um universo pequeno,
que é o universo do local onde trabalho. Vamos pensar na reprodução
disso em todo o território nacional. Uma revisão desse precedente [sobre
a prisão em segunda instância], que foi um marco no progresso do
enfrentamento da corrupção, teria um efeito prático muito ruim.”
Além
do habeas corpus de Lula, há no Supremo duas ações diretas de
constitucionalidade que tratam da regra sobre prisão. Nas palavras de
Moro, uma eventual revisão da jurisprudência, que foi confirmada em três
oportunidades pela maioria dos ministros do Supremo, “passaria uma
mensagem errada.” Sinalizaria que “não cabe mais avançar”. Representaria
“um passo atrás.”
E se o Supremo recuar? Bem, neste caso, Moro
avalia que não restará senão aproveitar a temporada eleitoral para
“cobrar dos candidatos a presidente” uma posição sobre o combate à
corrupção. Otimista a mais não poder, Moro mencionou uma proposta que
poderia ser exigida dos presidenciáveis: “Pode-se, eventualmente,
restabelecer a execução [da prisão] a partir da segunda instância por
uma emenda constitucional.”
Emendas constitucionais não nascem por
combustão espontânea. Precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado. Ou o
eleitor vira o Legislativo do avesso ou Sergio Moro talvez precise
puxar uma cadeira. Em pé, vai cansar. Se os ministros do Supremo, que
gerenciam a forca, tramam um recuo, imagine o que farão os congressistas
quando a corda apertar de vez os seus pescoços.