Em entrevista
ao Roda Viva, Sergio Moro explicou didaticamente como o Supremo
Tribunal Federal pode “dar um passo atrás” no combate à corrupção ao
julgar o pedido de Lula para não ser preso. Sem ofender a Suprema Corte,
o juiz da Lava Jato declarou que uma eventual mudança na regra sobre a
prisão de condenados na segunda instância levará à “impunidade dos
poderosos”. Abstendo-se de comentar o julgamento do habeas corpus de
Lula, marcado para 4 de abril, Moro disse: “Se alguém cometeu um crime, a
regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num
sistema judiciário de faz de conta.”
Logo na primeira pergunta, Moro teve a oportunidade de discorrer sobre o conceito de presunção de inocência. Realçou que “em países como França e Estados Unidos, que são berços históricos da presunção de inocência, a prisão se opera a partir de um primeiro julgamento. E a eventual interposição de recursos contra esse julgamento não impede que, desde logo, a prisão seja operada.”
No Brasil, vigora desde fevereiro de 2016 uma jurisprudência do Supremo segundo a qual a prisão pode ser efetuada a partir de uma condenação de segundo grau. É o caso de Lula, cuja sentença de 12 anos e 1 mês de cadeia foi confirmada nesta segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Lula pede que o Supremo reconheça o seu direito constitucional de recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília —até o chamado trânsito em julgado, quando se esgotam todas as possibilidades de recurso. Obteve na semana passada um salvo-conduto da Suprema Corte, que proibiu sua prisão até o julgamento do mérito do pedido, que ocorrerá na quarta-feira (4) da semana que vem.
“Seria ótimo esperar o julgamento final”, disse Moro, falando em termos genéricos. O problema, acrescentou o juiz, é que “o sistema processual brasileiro é extremamente generoso em relação a recursos.” O que acaba “representando um desastre para a efetividade do processo penal.” Na expressão de Moro, a profusão de recursos cria “processos sem fim, que levam uma década ou até mais de uma década'' para ser julgados.
Há mais: “A nossa lei prevê que, durante o processamento desses recursos, continua a correr aquilo que a gente chama de prescrição, que é um tempo que a lei fornece para que o recurso seja julgado.” Professor universitário, Moro caprichou no didatismo: “Se não for julgado naquele tempo, o caso prescreve. O tribunal não vai decidir sobre a culpa ou a ausência de culpa. Vai simplesmente dizer que não pode mais punir pelo decurso de prazo.”
Há pior: “Isso, na prática, é a impunidade”, afirmou Moro, antes de esclarecer quem se beneficia das brechas abertas pelo sistema judiciário: “De uma maneira bastante simples: essa generosidade de recursos consegue ser muito bem explorada por criminosos poderosos política e economicamente. São eles que têm condições de contratar os melhores advogados.”
O juiz prosseguiu: “O efeito prático é que nós temos, muitas vezes, a impunidade dos poderosos, o que é contrário aos compromissos maiores que a gente tem na nossa Constituição de garantir liberdade e também igualdade.” Foi nesse ponto que Moro injetou em sua prosa o comentário que se encaixa à perfeição no caso de Lula: “Se alguém cometeu um crime, a regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num sistema judiciário de faz de conta.”
Confrontado com uma pergunta específica sobre o pedido de habeas corpus de Lula, Moro abriu um parêntese: “Não me cabe fazer uma avaliação específica sobre esse habeas corpus. Está sob o Supremo Tribunal Federal. Espero que tome a melhor decisão.” Em seguida, a pretexto de falar genericamente sobre o “princípio” da prisão em segunda instância, Moro disse qual seria, a seu juízo, a melhor decisão.
“Foi estabelecido um precedente importante em 2016. Esse precedente foi da lavra do saudoso ministro Teori Zavascki [morto em acidente aéreo em 2017]. Já falei publicamente que, se não fosse o ministro Teori Zavascki não haveria Operação Lava Jato. E, em 2016, ele foi autor desse precedente no Supremo, que disse: ‘olha, a partir de uma condenação em segunda instância pode, desde logo, executar a prisão’. É aquilo que eu disse anteriormente: se for esperar o último julgamento, na prática, pela prodigalidade de recursos do nosso sistema, isso é um desastre porque leva à impunidade, especialmente dos poderosos.”
A certa altura, Moro afirmou que o problema não se restringe a Lula. Contou que fez um levantamento na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalha. Ali, desde fevereiro de 2016, quando o Supremo autorizou a prisão em segunda instância, foram expedidos 114 mandados para executar a pena de condenados na segunda instância. O levantamento já havia sido publicado aqui no blog.
Apenas 12 dos 114 casos estão relacionados à Lava Jato, declarou Moro. “Tem lá peculatos milionários —de R$ 20 milhões, de R$ 12 milhões— dinheiro desviado da saúde, da educação. Mas não é só isso: tem traficante, tem até pedófilo, tem doleiros. Estou falando dentro de um universo pequeno, que é o universo do local onde trabalho. Vamos pensar na reprodução disso em todo o território nacional. Uma revisão desse precedente [sobre a prisão em segunda instância], que foi um marco no progresso do enfrentamento da corrupção, teria um efeito prático muito ruim.”
Além do habeas corpus de Lula, há no Supremo duas ações diretas de constitucionalidade que tratam da regra sobre prisão. Nas palavras de Moro, uma eventual revisão da jurisprudência, que foi confirmada em três oportunidades pela maioria dos ministros do Supremo, “passaria uma mensagem errada.” Sinalizaria que “não cabe mais avançar”. Representaria “um passo atrás.”
E se o Supremo recuar? Bem, neste caso, Moro avalia que não restará senão aproveitar a temporada eleitoral para “cobrar dos candidatos a presidente” uma posição sobre o combate à corrupção. Otimista a mais não poder, Moro mencionou uma proposta que poderia ser exigida dos presidenciáveis: “Pode-se, eventualmente, restabelecer a execução [da prisão] a partir da segunda instância por uma emenda constitucional.”
Emendas constitucionais não nascem por combustão espontânea. Precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado. Ou o eleitor vira o Legislativo do avesso ou Sergio Moro talvez precise puxar uma cadeira. Em pé, vai cansar. Se os ministros do Supremo, que gerenciam a forca, tramam um recuo, imagine o que farão os congressistas quando a corda apertar de vez os seus pescoços.
Logo na primeira pergunta, Moro teve a oportunidade de discorrer sobre o conceito de presunção de inocência. Realçou que “em países como França e Estados Unidos, que são berços históricos da presunção de inocência, a prisão se opera a partir de um primeiro julgamento. E a eventual interposição de recursos contra esse julgamento não impede que, desde logo, a prisão seja operada.”
No Brasil, vigora desde fevereiro de 2016 uma jurisprudência do Supremo segundo a qual a prisão pode ser efetuada a partir de uma condenação de segundo grau. É o caso de Lula, cuja sentença de 12 anos e 1 mês de cadeia foi confirmada nesta segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Lula pede que o Supremo reconheça o seu direito constitucional de recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília —até o chamado trânsito em julgado, quando se esgotam todas as possibilidades de recurso. Obteve na semana passada um salvo-conduto da Suprema Corte, que proibiu sua prisão até o julgamento do mérito do pedido, que ocorrerá na quarta-feira (4) da semana que vem.
“Seria ótimo esperar o julgamento final”, disse Moro, falando em termos genéricos. O problema, acrescentou o juiz, é que “o sistema processual brasileiro é extremamente generoso em relação a recursos.” O que acaba “representando um desastre para a efetividade do processo penal.” Na expressão de Moro, a profusão de recursos cria “processos sem fim, que levam uma década ou até mais de uma década'' para ser julgados.
Há mais: “A nossa lei prevê que, durante o processamento desses recursos, continua a correr aquilo que a gente chama de prescrição, que é um tempo que a lei fornece para que o recurso seja julgado.” Professor universitário, Moro caprichou no didatismo: “Se não for julgado naquele tempo, o caso prescreve. O tribunal não vai decidir sobre a culpa ou a ausência de culpa. Vai simplesmente dizer que não pode mais punir pelo decurso de prazo.”
Há pior: “Isso, na prática, é a impunidade”, afirmou Moro, antes de esclarecer quem se beneficia das brechas abertas pelo sistema judiciário: “De uma maneira bastante simples: essa generosidade de recursos consegue ser muito bem explorada por criminosos poderosos política e economicamente. São eles que têm condições de contratar os melhores advogados.”
O juiz prosseguiu: “O efeito prático é que nós temos, muitas vezes, a impunidade dos poderosos, o que é contrário aos compromissos maiores que a gente tem na nossa Constituição de garantir liberdade e também igualdade.” Foi nesse ponto que Moro injetou em sua prosa o comentário que se encaixa à perfeição no caso de Lula: “Se alguém cometeu um crime, a regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num sistema judiciário de faz de conta.”
Confrontado com uma pergunta específica sobre o pedido de habeas corpus de Lula, Moro abriu um parêntese: “Não me cabe fazer uma avaliação específica sobre esse habeas corpus. Está sob o Supremo Tribunal Federal. Espero que tome a melhor decisão.” Em seguida, a pretexto de falar genericamente sobre o “princípio” da prisão em segunda instância, Moro disse qual seria, a seu juízo, a melhor decisão.
“Foi estabelecido um precedente importante em 2016. Esse precedente foi da lavra do saudoso ministro Teori Zavascki [morto em acidente aéreo em 2017]. Já falei publicamente que, se não fosse o ministro Teori Zavascki não haveria Operação Lava Jato. E, em 2016, ele foi autor desse precedente no Supremo, que disse: ‘olha, a partir de uma condenação em segunda instância pode, desde logo, executar a prisão’. É aquilo que eu disse anteriormente: se for esperar o último julgamento, na prática, pela prodigalidade de recursos do nosso sistema, isso é um desastre porque leva à impunidade, especialmente dos poderosos.”
A certa altura, Moro afirmou que o problema não se restringe a Lula. Contou que fez um levantamento na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalha. Ali, desde fevereiro de 2016, quando o Supremo autorizou a prisão em segunda instância, foram expedidos 114 mandados para executar a pena de condenados na segunda instância. O levantamento já havia sido publicado aqui no blog.
Apenas 12 dos 114 casos estão relacionados à Lava Jato, declarou Moro. “Tem lá peculatos milionários —de R$ 20 milhões, de R$ 12 milhões— dinheiro desviado da saúde, da educação. Mas não é só isso: tem traficante, tem até pedófilo, tem doleiros. Estou falando dentro de um universo pequeno, que é o universo do local onde trabalho. Vamos pensar na reprodução disso em todo o território nacional. Uma revisão desse precedente [sobre a prisão em segunda instância], que foi um marco no progresso do enfrentamento da corrupção, teria um efeito prático muito ruim.”
Além do habeas corpus de Lula, há no Supremo duas ações diretas de constitucionalidade que tratam da regra sobre prisão. Nas palavras de Moro, uma eventual revisão da jurisprudência, que foi confirmada em três oportunidades pela maioria dos ministros do Supremo, “passaria uma mensagem errada.” Sinalizaria que “não cabe mais avançar”. Representaria “um passo atrás.”
E se o Supremo recuar? Bem, neste caso, Moro avalia que não restará senão aproveitar a temporada eleitoral para “cobrar dos candidatos a presidente” uma posição sobre o combate à corrupção. Otimista a mais não poder, Moro mencionou uma proposta que poderia ser exigida dos presidenciáveis: “Pode-se, eventualmente, restabelecer a execução [da prisão] a partir da segunda instância por uma emenda constitucional.”
Emendas constitucionais não nascem por combustão espontânea. Precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado. Ou o eleitor vira o Legislativo do avesso ou Sergio Moro talvez precise puxar uma cadeira. Em pé, vai cansar. Se os ministros do Supremo, que gerenciam a forca, tramam um recuo, imagine o que farão os congressistas quando a corda apertar de vez os seus pescoços.
Josias de Souza
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