quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Se criar ministério resolvesse, não existira crise


Só há dois tipos de governantes: ou o sujeito é parte do problema ou é parte da solução. Michel Temer é parte da encrenca. Há um ano, ele lançou um redentor Plano Nacional de Segurança Pública. Deu em vexame. Agora, o presidente flerta com uma nova velha ideia de gênio. Diante do avanço do crime organizado, Temer cogita criar o Ministério da Segurança Pública. Ah, agora vai!
Hoje, o Brasil gasta R$ 2,4 mil por mês para manter um criminoso atrás das grades. E investe R$ 2,2 mil por ano para custear um estudante do ensino médio numa escola pública. Repetindo: o Estado gasta 13 vezes mais com os presos do que com os estudantes. E não funcionam direito nem as cadeias nem as escolas.
Ninguém respondeu ainda a uma pergunta simples: de onde virá o dinheiro para o reforço da segurança pública? Por ora, a única certeza sólida é a de que a nova pasta a ser criada absorverá a Polícia Federal —o que é um sinal de perigo. No mais, nada de novo sob o Sol. É assim desde os portugueses: rebatiza-se o Cabo das Tormentas de Cabo da Boa Esperança e imagina-se que tudo está resolvido.
O Ministério da Segurança poderia se chamar Gisele Bündchen. Michel Temer contonuaria sendo parte do problema. E a crise do setor de segurança não deixaria de ser horrorosa.
Josias de Souza

Candidatura de Huck envelheceu antes do parto

Bem-sucedido em sua atividade profissional, Luciano Huck descobriu enterrada dentro de si uma vocação irrefreável para a vida pública. Prenhe de boas intenções, foi seduzido pela ideia de colocá-las em prática. Ardendo no desejo de servir ao povo, lançou-se ao trabalho das consultas polítcas. Súbito, Huck descobriu-se numa posição parecida à de um apostador que acorda sobressaltado de um pesadelo no qual, depois de perder a Ferrari e o jatinho do BNDES na mesa de pôquer, dirige-se ao meio-fio entoando Angelica: “Vou de táxiiiiiiii…”
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Aécio, FHC, Lula e Cabral: veja políticos que já tiraram foto com Huck9 fotos

2002 - Durante a eleição para presidente de 2002, em que Lula venceu, Luciano Huck subiu em palanque tucano, realizado em Teófilo Otoni (MG), a favor de José Serra (PSDB). No comício, estavam Serra, Aécio Neves, o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (acusado de participação no mensalão tucano) e o cantor Leonardo VEJA MAIS > Imagem: Alan Marques/Folhapress
Caindo-lhe a ficha, Huck se deu conta de que estava prestes a entrar numa fria. À frente de movimentos apartidários de renovação política, doía-lhe a ideia de ter que ancorar seu projeto presidencial num partido tradicional. Liberal, achegou-se ao PPS, sucedâneo do velho e bom Partido Comunista. Em jantar com Fernando Henrique Cardoso, o animador de auditório recebeu uma aula de Realpolitik, o nome de fantasia para hipocrisia política.
Huck aprendeu com o grão-mestre do tucanato que, dissociado de uma vistosa coligação partidária, a carruagem do PPS viraria abóbora antes do melhor da festa. Sem reforço, o apresentador não seria eleito. Elegendo-se com sua própria popularidade, o Congresso não o deixaria governar. Se deixasse, cobraria caro. E o novato logo veria transformar-se em realidade o pesadelo de apostar a governabilidade de sua hipotética administração numa mesa com a presença do PMDB de raposas com a experiência de Temer, Padilha, Moreira e Jucá.
Com a noção de meios e fins já meio embaralhada no caldeirão que ardia no interior de sua cabeça, Huck ainda flertou com um partido que, salvo pequenos hiatos, frequenta o poder desde as caravelas: o DEM —ex-Arenda, ex-PFL… Huck foi refugado como se fosse lata velha irreformável. A despeito de ter contas a ajustar com a Lava Jato, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, enxerga na conjuntura de ponta-cabeça uma chance de chegar, ele próprio, ao Planalto —sem intermediários.
Suavemente, familiares e amigos de Huck foram levando o pé à porta. Com firmeza, os patrocinadores e o empregador do personagem esclareceram que não permitiram que suas logomarcas escalassem o palanque. A TV Globo informou que mostraria a porta de saída também para Angélica. Sem volta. Aos pouquinhos, o porre cívico de Huck foi dando lugar a uma ressaca monetária.
Engolfada por um sistema político arcaico, a candidatura presidencial de Luciano Huck, o ''novo'', envelheceu antes do parto. Nesta quinta-feira, o ex-quase-futuro presidenciável anunciou sua segunda desistência. E ninguém conhece uma mísera ideia do agora ex-presidenciável. Toda aquela vocação para a vida pública, as boas intenções, o imenso desejo de servir ao povo, tudo aquilo foi suplantado pelo risco de perder as duas invenções mais sedutoras da humanidade: fama e dinheiro. “Contem comigo, mas não como candidato a presidente”, reiterou Huck.
Josias de Souza

Ideia de domar a PF revelou-se delírio de Temer


Quando parecia encurralado, Michel Temer articulou o arquivamento de sua cassação no TSE e organizou os funerais de duas denúncias criminais na Câmara. Fez tudo isso a partir de uma recomposição da aliança do Planalto com o atraso. Articulou-se com magistrados patriotas, cercou-se de ministros suspeitos, abraçou-se com Aécio Neves e comprou a lealdade da milícia parlamentar de Eduardo Cunha. A certa altura, sentindo-se invulnerável, Temer pintou-se para a guerra. Sentou na cadeia de diretor-geral da Polícia Federal o delegado Fernando Segovia, um chegado de José Sarney. De repente, o que parecia ser tinta feita de urucum revelou-se a maquiagem de um índio de bloco carnavalesco.
Em pleno Carnaval, Segovia concedeu uma entrevista cujo conteúdo Sérgio Porto chamaria de “Samba do Crioulo Doido”. Insinuou que o inquérito sobre propinas portuárias, estrelado por Temer, se encaminhava para o arquivo. E deixou no ar a impressão de que o delegado que perscruta os calcanhares do presidente poderia ser punido. De bate-pronto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, intimou-o a prestar esclarecimentos e ordenou que dobrasse a língua. Segovia disse ter sido “mal interpretado” pela imprensa. Mas a crise e o estrago estavam feitos.
Sobreveio uma reação inédita da corporação da PF. Num ofício radioativo endereçado à diretoria de Combate à Corrupção, os delegados do Grupo de Inquéritos Especiais —que inclui dos portos à Lava Jato— avisaram que não tolerarão interferências alienígenas no inquérito que envolve Temer. E ameaçaram requerer ao Supremo “medidas cautelares” previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Coisas como afastamento do cargo público e recolhimento domiciliar noturno, por exemplo.
Em resposta, o chefe da diretoria anticorrupção, Eugênio Ricas, número dois da PF, viu-se compelido a expedir um ofício no qual reconhece que os delegados têm o dever de reagir contra eventuais ingerências. Enumerou providências adotadas para potencializar as investigações e anotou que elas precisam avançar, “doa a quem doer.” Internamente, Segovia penitencia-se pela entrevista e revela-se preocupado com seus desdobframentos. No Planalto, avalia-se que, a pretexto de prestar serviços, o afilhado de Sarney complicou a vida de Temer.
Se a crise serviu para alguma coisa foi para demonstrar que a ideia de que é possível domesticar a Polícia Federal, sempre presente no imaginário de governantes encrencados, não passa de delírio. A novidade do episódio está no ineditismo da cena. Segovia tornou-se o primeiro diretor-geral da história da Polícia Federal que é dirigido por quem deveriam comandar. De resto, o inquérito dos portos, que se encaminhava para uma prateleira no fundo da loja, voltou à vitrine.
Josias de Souza

Em carta dura, grupo especial da PF ameaça ir ao STF caso diretor interfira em ações que miram Temer


Ofício cita artigo que prevê até prisão domiciliar e diz que também não será permitida intromissão em outras apurações envolvendo parlamentares e ministros


BRASÍLIA - Em um ofício enviado à diretoria de Combate à Corrupção, os delegados do Grupo de Inquéritos Especiais da Polícia Federal afirmam que não vão permitir interferência nas investigações no inquérito cujo alvo é o presidente Michel Temer. O ofício não cita o nome de Temer, mas o número do inquérito em que ele aparece como investigado. O texto diz ainda que, caso a intromissão se efetive, poderão pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) adoção de "medidas cautelares". Os delegados citam o artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP) que tem entre as possibilidades jurídicas o afastamento de cargo público do envolvido, prisão domiciliar no período da noite ou proibição de deixar o país.
Eles não mencionam diretamente o diretor-geral da PF, Fernando
Segovia, mas o documento é um recado direto para ele. Em entrevista na semana passada, o diretor-geral da PF declarou que não há provas no inquérito do caso Rodrimar, indicando que a investigação deveria ser arquivada. Os delegados consideraram a declaração uma intromissão indevida. Segovia já foi convocado pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do inquérito no STF, a prestar esclarecimentos.
O clima dentro da Polícia Federal ficou tão ruim com as declarações do diretor-geral que em uma reunião nesta quarta-feira entre os delegados que atuam em investigações especiais chegou-se a cogitar a hipótese de pedir até mesmo a prisão do chefe da instituição, caso as interferências se confirmassem. O documento produzido ao final desta reunião não faz referência direta ao risco de prisão, mas cita o artigo que trata de "medidas cautelares diversas da prisão".
Num texto duro, os delegados listam os crimes que podem configurar eventual intromissão. "Uma vez que sejam concretizadas ações que configurem tipos previstos no ordenamento penal, dentre eles prevaricação, advocacia administrativa, coação no processo, obstrução de investigação de organização criminosa, os fatos serão devidamente apresentados ao respectivo ministro relator, mediante a competente representação, pleiteando-se pela obtenção das medidas cautelares cabíveis, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal", diz o texto.
Os delegados avisam ainda que, além das eventuais providências penais, poderão ser adotadas medidas internas na PF por conta de violação do Código de Ética da instituição. E afirmam que também não será permitida intromissão nas demais apurações que tramitam junto ao Supremo Tribunal Federal envolvendo parlamentares e ministros.
Confira a íntegra do ofício:
"Em face dos recentes acontecimentos amplamente divulgados pela imprensa, os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Execelência dar conhecimento de que, no exercício das atividades de Polícia Judiciária naquela Suprema Corte, com fundamento no artigo 230-C do regimento interno do STF, e também no artigo 2 da lei 12.830, não admitirão, nos autos do inquérito 4621 ou em outro procedimento em trâmite nesta unidade, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizam a neutralidade político-partidária de nossas atuações.
Nesse sentido, uma vez que sejam concretizadas ações que configurem tipos previstos no ordenamento penal, dentre eles prevaricação, advocacia administrativa, coação no processo, obstrução de investigação de
zação criminosa, os fatos serão devidamente apresentados ao respectivo ministro relator, mediante a competente representação, pleiteando-se pela obtenção das medidas cautelares cabíveis, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal.
Outrossim, registre-se que tais providências poderão ser adotadas sem prejuízo de eventual análise sobre as práticas funcionais contidas no Código de Ética da Polícia Federal, com destaque para os incisos VI, XVII,XVIII,XXI, XXII e XXVI do artigo 7, conforme já fora manifestado pelo ministro relator, em decisão no curso do inquérito 4621 em 10/2/2018."
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