quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Ideia de domar a PF revelou-se delírio de Temer


Quando parecia encurralado, Michel Temer articulou o arquivamento de sua cassação no TSE e organizou os funerais de duas denúncias criminais na Câmara. Fez tudo isso a partir de uma recomposição da aliança do Planalto com o atraso. Articulou-se com magistrados patriotas, cercou-se de ministros suspeitos, abraçou-se com Aécio Neves e comprou a lealdade da milícia parlamentar de Eduardo Cunha. A certa altura, sentindo-se invulnerável, Temer pintou-se para a guerra. Sentou na cadeia de diretor-geral da Polícia Federal o delegado Fernando Segovia, um chegado de José Sarney. De repente, o que parecia ser tinta feita de urucum revelou-se a maquiagem de um índio de bloco carnavalesco.
Em pleno Carnaval, Segovia concedeu uma entrevista cujo conteúdo Sérgio Porto chamaria de “Samba do Crioulo Doido”. Insinuou que o inquérito sobre propinas portuárias, estrelado por Temer, se encaminhava para o arquivo. E deixou no ar a impressão de que o delegado que perscruta os calcanhares do presidente poderia ser punido. De bate-pronto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, intimou-o a prestar esclarecimentos e ordenou que dobrasse a língua. Segovia disse ter sido “mal interpretado” pela imprensa. Mas a crise e o estrago estavam feitos.
Sobreveio uma reação inédita da corporação da PF. Num ofício radioativo endereçado à diretoria de Combate à Corrupção, os delegados do Grupo de Inquéritos Especiais —que inclui dos portos à Lava Jato— avisaram que não tolerarão interferências alienígenas no inquérito que envolve Temer. E ameaçaram requerer ao Supremo “medidas cautelares” previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Coisas como afastamento do cargo público e recolhimento domiciliar noturno, por exemplo.
Em resposta, o chefe da diretoria anticorrupção, Eugênio Ricas, número dois da PF, viu-se compelido a expedir um ofício no qual reconhece que os delegados têm o dever de reagir contra eventuais ingerências. Enumerou providências adotadas para potencializar as investigações e anotou que elas precisam avançar, “doa a quem doer.” Internamente, Segovia penitencia-se pela entrevista e revela-se preocupado com seus desdobframentos. No Planalto, avalia-se que, a pretexto de prestar serviços, o afilhado de Sarney complicou a vida de Temer.
Se a crise serviu para alguma coisa foi para demonstrar que a ideia de que é possível domesticar a Polícia Federal, sempre presente no imaginário de governantes encrencados, não passa de delírio. A novidade do episódio está no ineditismo da cena. Segovia tornou-se o primeiro diretor-geral da história da Polícia Federal que é dirigido por quem deveriam comandar. De resto, o inquérito dos portos, que se encaminhava para uma prateleira no fundo da loja, voltou à vitrine.
Josias de Souza

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