Michel
Temer já enviou para o freezer duas denúncias criminais. Há na fila uma
terceira. Mas forças ocultas parecem conspirar para que ela esfrie sem
precisar passar pelo necrotério da Câmara dos Deputados. O inquérito que
apura a suspeita de envolvimento do presidente da República em
traficâncias portuárias é submetido a curiosos embaraços.
Primeiro,
o coronel João Baptista Lima, que permanece na surdina. Depois, o dueto
entre PF e Procuradoria, que desafina. Logo virá a notícia: virou pó o
que parecia o ouro da mina. E o brasileiro exclamará: Que sina!
Há
cinco dias, o delegado Cleyber Malta Lopes endereçou ofício ao ministro
Luís Roberto Barroso, relator da encrenca no Supremo Tribunal Federal. A
autoridade policial pediu ao magistrado autorização para esticar a
investigação por mais 60 dias. Sustenta, entre outras coisas, que
precisa tomar o depoimento do coronel Lima, um amigão de Temer suspeito
de receber propinas em seu nome.
Intimado a depor desde o ano
passado, o oficial aposentado da PM paulista alega problemas de saúde
para não dar as caras. A PF poderia requerer uma junta médica para
examinar o coronel. Não requereu. Também poderia reivindicar uma oitiva à
beira do hipotético leito. Não reivindicou. No limite, o delegado ainda
poderia peticionar ao Judiciário para obter um mandado de condução
coercitiva. Não peticionou. Tudo vai ficando como está.
A Lava
Jato enferrujou a Presidência de Dilma Rousseff, levou Lula à porta da
cadeia e invade aos pouquinhos os porões do tucanato. Só não consegue
inquirir o coronel Lima.
Ao ministro Barroso, o delegado Malta
insinuou que a Procuradoria-Gera da República, chefiada por Raquel
Dodge, retarda desde dezembro providências sem as quais rumará para o
brejo o inquérito que apura a denúncia de que um decreto de Temer sobre
portos teria servido como ancoradouro de crimes graves —corrupção
passiva e lavagem de dinheiro, por exemplo.
Emparedada, a
Procuradoria apressou-se em informar que pediu, antes do Natal, a quebra
dos sigilos bancário e fiscal de uma penca de investigados. Faz segredo
dos nomes. Um zelo descabido, pois o que a lei protege é o sigilo dos
dados, não dos nomes dos investigados.
Será uma pena se os
brasileiros forem privados de conhecer em profundidade o coronel Lima.
Ele se relaciona com Temer desde os anos 80. Assessorou o agora
presidente quando ele ainda era um mero secretário de Segurança Pública
de São Paulo. Virou homem de confiança. Por Temer, ele faz tudo.
O
contracheque de policial não orna com a riqueza do coronel Lima.
Amealhou fortuna estimada em R$ 15 milhões. O patrimônio inclui uma
fazenda que a PF suspeita ser de Temer.
Discreto, o coronel Lima
foi içado das sombras pelos delatores da JBS. O executivo Ricardo Saud,
por exemplo, contou que em 2014 mandou entregar, a pedido de Temer, R$ 1
milhão em dinheiro vivo na sede da principal empresa do faz-tudo do
presidente, a Argeplan.
Quando Temer ainda era vice de Dilma
Rousseff, a Argeplan beliscou milionários contratos. Um deles em Angra 3
—coisa de R$ 162 milhões. Numa batida na empresa do coronel Lima, a PF
apreendeu documentos que indicam a realização de despesas de Temer e de
familiares dele.
Deixar de lado um personagem tão, digamos,
valioso exigirá dos investigadores um exercício mórbido de falta de
curiosidade. Vem daí o forte odor de blindagem que flutua na atmosfera
de Brasília. Para usar uma palavra que o próprio Temer acaba de
revitalizar, o inquérito dos portos reclama uma intervenção.
Se o
Supremo não agir, o processo acaba virando uma operação tabajara capaz
de transformar em vidente Fernando Segovia, o diretor-geral da Polícia
Federal. Dias atrás, o doutor provocou celeuma ao dizer que, por falta
de provas, a investigação contra Temer desceria ao arquivo. Contaminado
pela pela ausência de curiosidade, Segovia revela-se um detetive
precário. Mas já pode abrir uma banca de tarô.
Josias de Souza
25/02/2018 05:04