quinta-feira, 8 de junho de 2017

No TSE, placar é conhecido antes do fim do jogo

Josias de Souza
Relator do processo sobre as ilegalidades atribuídas à campanha da chapa Dilma-Temer, Herman Benjamin iniciou às 15h16 a leitura do pedaço do seu voto referente ao mérito da causa. O texto expõe algo que o representante do Minitério Público, Nicolao Dino, chamou de metástase. Num julgamento convencional, os ministros do TSE aguardariam o final da leitura para proferir os seus votos. Deu-se, porém, o que todos suspeitavam. O jogo já estava jogado. Horas antes, pela manhã, os debates sobre questões preliminares esboçaram um placar de 4 a 3 a favor das teses da defesa, que salvarão o mandato de Michel Temer e os direitos políticos de Dilma Rousseff.
Os julgamentos no TSE sempre foram muito parecidos com as partidas de futebol. Mas o campo não é bem demarcado, a bola é quadrada, vale impedimento, caneladas contam ponto a favor e os juízes não expulsam senão jogadores pernas de pau. No processo sobre a chapa Dilma-Temer, o tribunal tinha a oportunidade de modificar o velho hábito de conviver com a impostura. Mas prevaleceu o conchavo. Depois de transformar a auditoria nas contas do comitê vitorioso em 2014 num marco histórico, o TSE decidiu marcar um gol contra. Jogou no lixo o grosso do resultado do trabalho. Já não se sabe nem mesmo se o caixa dois deve ser penalizado.
Os trangressores consagraram um bordão: “Eu não sabia”. Com a ajuda da Lava Jato, o TSE soube. Mas optou por fechar os olhos. Decidiu, por exemplo, que tudo o que foi descoberto sobre os R$ 150 milhões em verbas sujas que a Odebrecht empurrou para dentro das arcas eleitorais deve ser ignorado. Além de se autodesmoralizar, os magistrados eleitorais decidiram ofender a inteligência da plateia.
Diante de tudo o que a Lava Jato deixou evidente, alguns ministros do TSE flertam com a cumplicidade. A omissão dos magistrados virou inconsciência. Impossível a qualquer ser humano que não tenha chegado há cinco minutos de Marte negar a promiscuidade. Ela não está apenas na campanha. E não adianta pular as páginas do processo ou dos jornais. De repente, a promiscuidade está na imagem refletida no espelho. Ela exige pelo menos um sentimento das autoridades, nem que seja uma cara de nojo. Mas certos ministros preferem imitar o avestruz.
Relator do voto que impediu em 2015 o arquivamento do processo contra a chapa Dilma-Temer, Gilmar Mendes, hoje presidente do TSE, dissera há dois anos que a investigação era indispensável para evitar que a Justiça Eleitoral fizesse o papel de “São Jorge em prostíbulo”, fechando os olhos para a promiscuidade ao redor. Aconteceu algo pior. O TSE virou uma espécie de São Jorge que foi salvar a donzela e acabou casando com o dragão. O relator Herman Benjamin ficou rouco de tanto citar trechos do voto daquele Gilmar de dois anos atrás. Chamou o texto do colega, referendado pelo plenário do TSE por 5 votos a 2, de ''bíblia''

Gilmar se promove a juiz dos juízes e decide o jogo

Por que só no Brasil existe Justiça eleitoral? Para fazer Justiça é que não é

Presidente do TSE, Ministro Gilmar Mendes, na retomada do julgamento da ação em que o PSDB pede a cassação da chapa Dilma-Temer
Se fossem juízes de futebol, os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral teriam punido com a expulsão os dois atropeladores de regras já nos primeiros minutos da partida. Como são juízes de urna, os artistas togados em ação na TV Justiça deixam correr solto o jogo que não tem prazo para terminar. Pode acabar na véspera do feriado de Corpus Christi. Pode acabar depois. Depende de Gilmar Mendes.
Até lá, fazem de conta que meditam sobre questões decididas há tempos na cabeça de cada um. Nesta quarta-feira, o presidente do TSE garantiu que não haverá pedidos de vista. Isso quer dizer que, nas contas de Gilmar, a dupla em julgamento já foi absolvida. O nosso Juiz dos Juízes nem espera que o jogo chegue ao fim para anunciar seu resultado.
Tom Jobim ensinou que o pátria de Macunaíma não é para amadores. Nem para os melhores profissionais, sabe-se agora. Nenhuma sumidade do mundo do Direito saberá explicar por que o Brasil é o único país do mundo em que existe uma Justiça Eleitoral (e, por consequência, um Tribunal Superior Eleitoral e uma penca de tribunais regionais eleitorais). Como reitera o julgamento da chapa Dilma-Temer, para garantir eleições limpas é que não é. DO A.NUNES

Temer desencana do TSE e já cuida do day after


O julgamento das ilegalidades atribuídas à campanha presidencial da chapa Dilma-Temer prossegue. Mas já não preocupa Michel Temer. O presidente terá uma surpresa extraordinária se obtiver do plenário do Tribunal Superior Eleitoral algo diferente de uma pizza.
Julgando-se absolvido por antecipação, Temer já se ocupa do planejamento do day after. Cuida dos minutos, porque suas horas passam. Espera para a semana que vem uma denúncia formal do procurador-geral da República Rodrigo Janot no caso JBS. Esforça-se para não fornecer matéria-prima nova ao responder por escrito ao interrogatório da PF. E simula otimismo enquanto tenta evitar a revoada dos tucanos.

Temer leva a vaca ao brejo nas asas do Aerosley

Josias de Souza
Michel Temer aprende da pior maneira que um homem público jamais deve dizer uma mentira que não possa provar. Menos de 24 horas depois de desmentir, o presidente foi forçado pelas evidências a admitir que voou num jato de Joesley Batista, da JBS, em janeiro de 2011. Ele não foi o primeiro grão-duque a requisitar asas amigas. Mas inovou nas explicações.
A nota divulgada pelo Palácio do Planalto vale o desperdício dos 30 segundos necessários para sua leitura: “O então vice-presidente Michel Temer utilizou aeronave particular no dia 12 de janeiro de 2011 para levar sua família de São Paulo a Comandatuba, deslocando-se em seguida a Brasília, onde manteve agenda normal no gabinete. A família retornou a São Paulo no dia 14, usando o mesmo meio de transporte. O vice-presidente não sabia a quem pertencia a aeronave e não fez pagamento pelo serviço.”
O melhor pedaço do texto é a última frase. Nela, o Brasil foi informado de que é presidido pela única pessoa no planeta que desconhece a identidade de um amigo capaz de lhe ceder um jato gratuitamente. A coisa fica mais complicada quando se verifica que o autor da generosidade é o mesmo sujeito que Temer recebeu no escurinho do Jaburu e com quem manteve o diálogo vadio que lhe rendeu um inquérito criminal.
O sobrenome Batista não traz boa sorte aos nobres do PMDB. No mesmo ano de 2011, Eike Batista admitiu o empréstimo do seu jatinho Legacy para que o então governador Sérgio Cabral se deslocasse até um resort na Bahia, onde se realizava a festa de aniversário de outro amigo: Fernando Cavendish, dono da Delta. Temer já deve ter notado que Cabral, seu companheiro de partido, não é um bom exemplo. Mas tornou-se um fantástico aviso. Coleciona dez ações penais e leva a vida atrás das grades. Seus amigos arrastam tornozeleiras eletrônicas em casa.
Temer precisa tomar cuidado. A tal orquestração de que ele tanto se queixa realmente existe. Mas está no governo, não na Procuradoria-Geral de Rodrigo Janot ou no Supremo Tribunal Federal de Edson Fachin. Participam da orquestração ministros que levam investigações na flauta, aliados montados na gaita, ex-assessor pegando uma nota preta, Jucá batendo o bumbo anti-Lava Jato, Renan desafinando com a boca no trombone, a JBS na regência e o presidente dançando conforme a música, sem se dar conta de que virou uma caricatura de pouco discernimento – um ser incapaz de perceber o óbvio: alguém que leva a vaca para o brejo nas asas do Aerosley dispensa conspirações inimigas.