As coisas poderiam estar mais tranquilas para Michel Temer, pois os
juros caem, a inflação caminha em direção à meta e já não são
negligenciáveis as chances de o PIB do primeiro trimestre ser positivo.
No entanto, o presidente faz comentários que flertam com o equívoco de superestimar a invulnerabilidade política do seu governo. Temer tenta embromar a plateia.
O
presidente ignora a homologação de delações pelo Supremo Tribunal
Federal, mantém do seu lado auxiliares tóxicos, oferece o escudo do foro
privilegiado a um amigo enrolado, patrocina uma indicação política para
a Suprema Corte e leva ao balcão do fisiologismo a pasta da Justiça, de
cujo organograma pende a Polícia Federal. Faz tudo isso e acha que pode
melhorar a imagem do seu governo na base do gogó.
Temer dá de
ombros para os inquéritos. Diz que não pode aceitar que “a simples
menção inauguradora de um inquérito” possa incriminar um assessor a
ponto de provocar o seu afastamento do cargo.
O que Temer disse,
com outras palavras, foi o seguinte: “Não afastarei auxiliares alvejados
por delações. Eu mesmo fui citado por um delator. Fui acusado de
solicitar R$ 10 milhões a Marcelo Odebrecht, em pleno Palácio do Jaburu.
Outro delator diz ter acertado comigo, no meu escritório em São Paulo,
uma verba de campanha intermediada por Eduardo Cunha. Se delação
bastasse, eu teria que renunciar.”
Temer relativizou as denúncias
do Ministério Público Federal. Se ocorrerem, servirão, no máximo, para
justificar o afastamento temporário de colaboradores. Se as denúncias
forem recepcionada pelo Supremo e os acusados virarem réus, aí sim, o
afastamento será defnitivo.
Nesse ponto, foi como se Temer
dissesse: “Eu sei o que os ministros palacianos, meus amigos de três
décadas, fizeram no verão passado. Mas cabe aos acusadores reunirem
provas contra eles. Enquanto der, ficam no governo. Considerando-se o
ritmo da Lava Jato em Brasília, é possível que minha gestão o chegue ao
final sem que eu tenha que demitir os amigos.”
O presidente ainda
não se deu conta —ou finge não ter percebido. Mas o núcleo palaciano do
seu governo e o colegiado de pajés do seu PMDB encontram-se em avançado
estágio de decomposição. Os operadores e conselheiros de Temer viraram
chorume num instante em que a Fazenda celebra a melhoria do cenário
econômico.
Para que a coisa continue melhorando, o Planalto terá
de fazer passar no Congresso medidas amargas. Entre elas a reforma da
Previdência. Disso depende a inversão da curva ascendente da dívida
pública e a redução do déficit fiscal. O diabo é que a plateia talvez
não se disponha a fazer sacrifícios por um governo que confraterniza com
a suspeição, que ignora a investigação, que escamoteia a denúncia, que
aguarda pela abertura de ações penais cuja abertura pode demorar muitos
anos. DO J.DESOUZA
Josias de Souza
Num intervalo de cinco anos, o Congresso Nacional anistiou
delitos praticados por policiais militares que cruzaram os braços
ilegalmente em 22 Estados e no Distrito Federal. Hoje, o Planalto
assegura que sua base congressual não anistiará os PMs que se
aquartelaram no Espírito Santo. A história recente demonstra que o
governo de Michel Temer não tem condições de oferecer tal garantia. A
farra da anistia tornou-se um estímulo às paralisações de corporações
armadas.
A Constituição proíbe a greve de policiais militares. Mas o Congresso aviltou a norma constitucional por meio de leis ordinárias. Uma anomalia que a reiteração faz parecer normal. Entre 2011 e 2015, sob Dilma Rousseff, deputados e senadores aprovaram três projetos de anistia coletiva a PMs e bombeiros. Dilma sancionou dois. E vetou o último, em novembro de 2015.
O pesonagem se chama Marco Prisco. De agitador de quartéis, tornou-se político. Hoje, é deputado estadual. Mobiliza os policiais a partir da Assembléia Legislativa da Bahia. Elegeu-se, suprema ironia, pelo PSDB do ministro Antonio Imbassahy, coordenador político de Temer. No momento, está filiado ao PPS do ministro Raul Jungmann (Defesa).
Ironicamente, Imbassahy e Jungmann, de passagem pelo Espírito Santo, asseguravam no último sábado que os PMs capixabas não contarão com a solidariedade dos apoiadores de Temer no Legislativo para se livrar de eventuais punições. Alheios às palavras dos ministros, os amotinados já se articulam com parlamentares para empinar no Congresso uma nova anistia.
A farra do perdão a policiais amotinados começou em 2011, no Senado, com um projeto que se destinava a livrar a cara de 439 bombeiros. Eles haviam sido processados por ocupar e depredar o quartel central do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.
Durante a tramitação da proposta, os congressistas enfiaram dentro do texto a anistia aos PMs de 14 unidades da federação: Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal. Essa proposta resultou na lei 12.505/2011, que perdoou policiais que haviam sido expulsos de suas guarnições por participar de motins salariais ocorridos desde 1997. Entre eles o baiano Marco Prisco.
Em 2013, aprovou-se a lei 12.848, que adicionou ao rol de anistiados policiais de mais quatro Estados: Goiás, Maranhão, Paraíba e Piauí. Em 2016, depois da derrubada do veto de Dilma, foi ao Diário Oficial a Lei 13.293, que incluiu no rol dos beneficiários de anistia os PMs do Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso do Sul e Paraná. Flutua na atmosfera uma interrogação incômoda: quando será aprovada a lei que fará do Espírito Santo a 24ª unidade da federação a ter PMs anistiados?
Corre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, o processo em que o Ministério Público Federal tenta impedir que o flagelo da anistia a PMs livre o deputado estadual Soldado Prisco de uma ação penal. Atuam no caso dois procuradores Regionais da República: Raquel Branquinho Nascimento e José Alfredo de Paula Silva.
Em petição datada de 9 de dezembro de 2016, ainda pendente de apreciação, Raquel e José Alfredo anotaram que a regra constitucional que proíbe policiais militares de realizar greves “vem sofrendo um sistemático esvaziamento mediante sucessivas leis ordinárias.”
“Nos últimos anos, os policiais militares têm cada vez mais entrado em greve ostensiva ou velada (chamada ‘operação padrão’)”, escreveu a dupla de procuradores. “O problema é que o Congresso Nacional, a cada movimento grevista, mobiliza-se imediatamente para anistiar os delitos previstos no Código Penal Militar.”
Ao discorrer sobre o caso baiano, os procuradores ofereceram uma ideia do que se passa no resto do país: “A Polícia Militar do Estado da Bahia entrou em greve em 2012. Os delitos praticados por suas lideranças são objeto da presente ação penal. Dois anos depois, em ano eleitoral e de Copa do Mundo, a mesma corporação entrou em greve novamente. O líder nacional do movimento, hoje deputado Estadual na Bahia (Marco Prisco), chegou a ser preso preventivamente.”
A petição da Procuradoria acrescenta: “Além do movimento grevista local, havia elementos concretos apontando que outros Estados adeririam. Em outras palavras, o Brasil ficaria desprotegido às vésperas da Copa do Mundo.” A “ousadia” dos PMs, avaliam os procuradores, é estimulada pelo aviltamento do texto consticucional. Ao aprovar uma anistia atrás da outra, por lei ordinária, os congressistas mantêm viva “a real perspectiva de uma nova anistia…”
Não é sem razão que o ex-tucano Soldado Prisco, hoje a abrigado sob o guarda-chuva do partido do ministro da Defesa, articulou uma “operação padrão” da PM baiana em novembro de 2016. E se equipa para desligar os quarteis baianos da tomada novamente neste início de 2017.
A Constituição proíbe a greve de policiais militares. Mas o Congresso aviltou a norma constitucional por meio de leis ordinárias. Uma anomalia que a reiteração faz parecer normal. Entre 2011 e 2015, sob Dilma Rousseff, deputados e senadores aprovaram três projetos de anistia coletiva a PMs e bombeiros. Dilma sancionou dois. E vetou o último, em novembro de 2015.
Em maio de 2016, os congressistas
derrubaram o veto presidencial (o vídeo abaixo exibe trechos da sessão).
Como Dilma já estava afastada do cargo, coube a Michel Temer sancionar a
anistia que sua antecessora vetara. A derrubada do veto foi obtida
graças a um esforço suprapartidário que envolveu do PT
às legendas que
dão suporte a Temer..
O
perdão que Dilma vetou e que Temer teve de sancionar serve de munição,
por exemplo, para que um ex-policial baiano, famoso por organizar greves
de PMs, reivindique na Justiça o arquivamento de uma ação penal que a
Procuradoria da República move contra ele.O pesonagem se chama Marco Prisco. De agitador de quartéis, tornou-se político. Hoje, é deputado estadual. Mobiliza os policiais a partir da Assembléia Legislativa da Bahia. Elegeu-se, suprema ironia, pelo PSDB do ministro Antonio Imbassahy, coordenador político de Temer. No momento, está filiado ao PPS do ministro Raul Jungmann (Defesa).
Ironicamente, Imbassahy e Jungmann, de passagem pelo Espírito Santo, asseguravam no último sábado que os PMs capixabas não contarão com a solidariedade dos apoiadores de Temer no Legislativo para se livrar de eventuais punições. Alheios às palavras dos ministros, os amotinados já se articulam com parlamentares para empinar no Congresso uma nova anistia.
A farra do perdão a policiais amotinados começou em 2011, no Senado, com um projeto que se destinava a livrar a cara de 439 bombeiros. Eles haviam sido processados por ocupar e depredar o quartel central do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.
Durante a tramitação da proposta, os congressistas enfiaram dentro do texto a anistia aos PMs de 14 unidades da federação: Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal. Essa proposta resultou na lei 12.505/2011, que perdoou policiais que haviam sido expulsos de suas guarnições por participar de motins salariais ocorridos desde 1997. Entre eles o baiano Marco Prisco.
Em 2013, aprovou-se a lei 12.848, que adicionou ao rol de anistiados policiais de mais quatro Estados: Goiás, Maranhão, Paraíba e Piauí. Em 2016, depois da derrubada do veto de Dilma, foi ao Diário Oficial a Lei 13.293, que incluiu no rol dos beneficiários de anistia os PMs do Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso do Sul e Paraná. Flutua na atmosfera uma interrogação incômoda: quando será aprovada a lei que fará do Espírito Santo a 24ª unidade da federação a ter PMs anistiados?
Corre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, o processo em que o Ministério Público Federal tenta impedir que o flagelo da anistia a PMs livre o deputado estadual Soldado Prisco de uma ação penal. Atuam no caso dois procuradores Regionais da República: Raquel Branquinho Nascimento e José Alfredo de Paula Silva.
Em petição datada de 9 de dezembro de 2016, ainda pendente de apreciação, Raquel e José Alfredo anotaram que a regra constitucional que proíbe policiais militares de realizar greves “vem sofrendo um sistemático esvaziamento mediante sucessivas leis ordinárias.”
“Nos últimos anos, os policiais militares têm cada vez mais entrado em greve ostensiva ou velada (chamada ‘operação padrão’)”, escreveu a dupla de procuradores. “O problema é que o Congresso Nacional, a cada movimento grevista, mobiliza-se imediatamente para anistiar os delitos previstos no Código Penal Militar.”
Ao discorrer sobre o caso baiano, os procuradores ofereceram uma ideia do que se passa no resto do país: “A Polícia Militar do Estado da Bahia entrou em greve em 2012. Os delitos praticados por suas lideranças são objeto da presente ação penal. Dois anos depois, em ano eleitoral e de Copa do Mundo, a mesma corporação entrou em greve novamente. O líder nacional do movimento, hoje deputado Estadual na Bahia (Marco Prisco), chegou a ser preso preventivamente.”
A petição da Procuradoria acrescenta: “Além do movimento grevista local, havia elementos concretos apontando que outros Estados adeririam. Em outras palavras, o Brasil ficaria desprotegido às vésperas da Copa do Mundo.” A “ousadia” dos PMs, avaliam os procuradores, é estimulada pelo aviltamento do texto consticucional. Ao aprovar uma anistia atrás da outra, por lei ordinária, os congressistas mantêm viva “a real perspectiva de uma nova anistia…”
Não é sem razão que o ex-tucano Soldado Prisco, hoje a abrigado sob o guarda-chuva do partido do ministro da Defesa, articulou uma “operação padrão” da PM baiana em novembro de 2016. E se equipa para desligar os quarteis baianos da tomada novamente neste início de 2017.