Irmãos Joesley e Wesley Batista entregaram ao MPF lista com nomes e notas fiscais usadas para simular pagamento de propina.
Os irmãos Joesley e Wesley Batista revelaram, na delação premiada, que o
enorme esquema de corrupção do qual participavam, começou em Mato
Grosso do Sul. Eles entregaram ao Ministério Público Federal (MPF) uma
lista de nomes e notas fiscais de compras que seriam simulações para
esconder o pagamento de propina a políticos do estado, a partir da falsa
venda de gado.
O Jornal Nacional teve acesso aos primeiros documentos divulgados, que compravam parte das declarações dos donos da JBS.
Auditoria fiscal federal agropecuária apontou que o gado era vendido e
pago, mas nunca entregue ao comprador. As notas fiscais e as guias de
trânsito animal indicam que a carga deveria ter sido levada para um
frigorífico de Campo Grande, mas, segundo levantamento feito pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), os
carregamentos nunca entraram pelos portões do local.
"O serviço de inspeção federal tem um funcionário que faz o recebimento
e a conferência da Guia de Trânsito Animal com o que está declarado na
GTA e com o que o frigorífico está recebendo para ser abatido", explicou
Paulo Hiane, auditor fiscal federal agropecuário.
"No caso das Guias de Trânsito em que houve a consulta aqui ao
Ministério da Agricultura, através da superintendência, nós não
verificamos a existência do abate daqueles lotes correspondentes. Então,
não tem registro de entrada daqueles bovinos no frigorífico", detalhou
Celso de Souza Martins, superintendente federal de agricultura em Mato
Grosso do Sul.
Wesley Batista entregou ao MPF uma lista com 56 notas fiscais do
frigorífico Buriti, pelo fornecimento de carne, e 23 notas de compra de
gado vivo de 12 pecuaristas. O Ministério da Agricultura informou que
"não foram encontrados registrados de ocorrência dos abates" dos animais
em nenhuma dessas transações.
O empresário também contou aos procuradores que a JBS deu dinheiro em
doações oficiais e no caixa dois para Reinaldo Azambuja e Delcídio do
Amaral, que disputaram o segundo turno das eleições para o governo de
Mato Grosso do Sul em 2014. Durante a campanha, os candidatos trocaram
muitas acusações.
"O Joesley negociou com o Delcídio e com Reinaldo que se o Reinaldo
ganhasse, um ia pagar a conta do outro. Ele [Delcídio] recebeu um valor
relevante, R$ 12 milhões, tem várias notas frias, dinheiro em espécie. E
como ele não foi eleito e foi o Reinaldo, o Joesley falou: 'ó, a conta
do Delcídio é sua'", afirmou Wesley em outro trecho da delação.
Em nota, o governador Reinaldo Azambuja declarou que nunca recebeu
qualquer vantagem indevida de Joesley e Wesley Batista. Disse ainda que
"as quantias relativas à doação eleitoral, através do diretório nacional
do PSDB, constam na prestação de contas da campanha de 2014, e que
foram aprovadas pela Justiça Eleitoral".
Com relação às notas fiscais frias, o governador disse que "este fato
não tem qualquer relação com o nome ou as atividades dele".
Wesley Batista disse aos procuradores do Ministério Público Federal que
essas vendas eram inventadas para justificar a saída do dinheiro do
caixa da JBS. Segundo Wesley, o dinheiro virava propina para os
secretários e para o governador Reinaldo Azambuja (PSDB), em troca de
redução de impostos estaduais.
O empresário afirmou que o esquema era antigo e durou, pelo menos, 13
anos. Só parou em 2016, quando os delatores acreditaram que já estavam
sendo investigados pela operação Lava Jato.
"Esses pagamentos aqui, que são os mais recentes, R$ 12.900.000 para
empresa Buriti, e todos esses aqui, que são pessoas físicas, são
produtores que emitiram notas fiscais contra nós", disse Wesley na
delação.
Um desses produtores é o atual secretário de fazenda de Mato Grosso do
Sul, Márcio Monteiro. Ele é pecuarista e em dezembro de 2016 vendeu 140
cabeças de gado à JBS, por R$ 333 mil. Os caminhões deveriam ter levado
os animais da fazenda dele, em Jardim, até Campo Grande, entre os dias
12 e 15 de dezembro de 2016, mas, nunca foram entregues, nem nesse
período, nem depois.
O frigorífico Buriti, de Aquidauana, vendeu 1,6 mil toneladas de carne
para a JBS, mas, a pesquisa feita na Superintendência Federal de
Agricultura de Mato Grosso do Sul revelou que o carregamento também
nunca foi entregue.
Wesley Batista disse que o Buriti foi usado pelo atual governador,
Reinaldo Azambuja, para lavar dinheiro de propina. Um dos executivos do
grupo, Valdir Boni, era o responsável por buscar as notas fiscais e
fazer os pagamentos.
"Ou o próprio governador tratava comigo, ele próprio. O Boni ia lá no
Palácio do Governo, em Campo Grande. Essas notas o Boni pegou em mãos
com o governador, essas notas fiscais e processou o pagamento", disse
Wesley na delação.
O advogado do frigorífico Buriti nega as irregularidades.
"O que se pode dizer nesse momento é que o meu cliente sabe. E meu
cliente sabe que não cometeu crime de espécia alguma. Se isso foi feito
com notas em nome do frigorífico ou não, isso vai ser, no momento
adequado, explicado à Justiça", afirmou Leonardo Avelino Duarte.
Outros secretários também estão envolvidos nas denúncias. Zelito Alves
Ribeiro, coordenador político do governo, emitiu notas fiscais que
totalizaram R$ 1,758 milhão. Nelson Cintra, ex-secretário de turismo e
coordenador político do governador, recebeu quase R$ 300 mil.
De acordo com os delatores, foram pagos, ao todo, R$ 38 milhões em
propina a Reinaldo Azambuja, em troca de um desconto no ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de R$ 99 milhões para
empresas do grupo J&F em Mato Grosso do Sul.
"Você só conseguia o termo de acordo se você pagasse. Se você não
pagasse, não conseguia. E, no Mato Grosso do Sul, só para falar mais um
pouco, assim, nós temos conhecimento de que o negócio era generalizado,
no nosso setor frigorífico, essa modalidade. Não era só nós que
tínhamos", disse Wesley em outro trecho da delação.
Só nos últimos 10 anos, a J&F, holding que controla todas as
empresas do grupo, teria pago R$ 150 milhões em propina em troca de
descontos de R$ 500 milhões no ICMS só em Mato Grosso do Sul. Ricardo
Saud disse na delação que o único suborno que deu prejuízo foi o de
Delcídio do Amaral.
"Não tem nada de doação legítima. Nesse caso, era tudo propina. Só que
ele perdeu a eleição, vocês prenderam ele e nós perdemos. Ele não vai
pagar nada para nós", afirmou o diretor da JBS Ricardo Saud em delação.
Zelito Alves Ribeiro, Nelson Cintra e Márcio Monteiro disseram que
venderam gado à JBS e que, segundo eles, pode ser comprovado nas notas
fiscais. O ex-senador Delcídio negou ter recebido propina da JBS e disse
ainda que considera absurda a afirmação de que ele tinha um acordo com
Reinaldo Azambuja para pagamento das contas de campanha.
O PSDB declarou que as doações da JBS estão nas prestações de contas
declaradas à Justiça Eleitoral. PT não quis se manifestar.
G1