Quem tem mais de duas décadas cobrindo escândalos políticos
de diferentes matizes político-ideológicos e magnitudes sabe reconhecer
aquele momento em que surge um fato que torna impossível uma composição
de interesses que permita abafar tudo e seguir adiante sem nenhuma
alteração no status quo vigente.
Desde a redemocratização, isso ficou claro em eventos
cruciais, como o impeachment de Fernando Collor – que ganhou impulso com
as revelações do irmão Pedro e virou fato consumado com as do motorista
Eriberto – e o mensalão.
Mas também foi assim em casos de menor alcance, como o
da violação do painel de votações do Senado por Antonio Carlos Magalhães
e a primeira queda de Antonio Palocci, em 2006, por frequentar a
chamada “casa do lobby”.
ACM era, em 2001, o todo-poderoso do Congresso. Nessa
condição, achou que sairia ileso se encomendasse a funcionários do
Prodasen do Senado a lista de como votariam os senadores na cassação de
Luiz Estevão. E sairia, não fosse o depoimento, na época, da então chefe
da empreitada, a funcionária pública Regina Célia, que entregou o
esquema e forçou o cacique a renunciar para não ser cassado.
Palocci também era o ministro forte de Lula quando um
jardineiro, Francenildo, disse que ele era frequentador assíduo de uma
casa onde rolava não só lobby como prostituição, em Brasília. Tentou
esmagar o delator apontando que ele recebera para denunciá-lo. Para
isso, usou o peso do cargo que ocupava e violou o sigilo bancário do
caseiro na Caixa Econômica Federal. O tiro saiu pela culatra, e Palocci
teve de pedir sua primeira demissão. Levaria ainda dez anos para ir
parar atrás das grades, por outras traficâncias.
No mensalão, Marcio Thomaz Bastos achou que resolveria a
parada com a tese de que tudo não passara de caixa 2. Não colou, e o
divisor de águas foi o depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios. A
CPI virou indiciamento, que virou denúncia, que virou ação penal, que
deu em condenações de pesos pesados da política, do sistema financeiro e
adjacências.
Quando o STF começou a julgar o caso, depois de sete
longos anos, o mesmo Thomaz Bastos garantiu a clientes, jornalistas e
políticos que ninguém seria condenado. Mas de novo ali houve um “turning
point” histórico: a divulgação de conversas entre ministros da corte
mostrando que eles discutiam votos. Os olhos postos da opinião pública
sobre o maior julgamento político-penal até então impediram que eles
“amaciassem” para José Dirceu, como Ricardo Lewandowski confidenciou que
era o plano.
Corte no tempo para a Lava Jato. A maior operação de
desmonte de um esquema criminoso no Brasil já dura quase três anos,
levou à prisão alguns dos principais políticos, dirigentes de estatais e
partidos, empresários, executivos e publicitários do País. Motivou,
juntamente com a debacle econômica, o impeachment de mais um presidente,
Dilma Rousseff.
No petrolão, não há um só “evento incitante”, como se
chama em roteiro aquele momento que muda o curso da história. Suas
dezenas de delatores, a extensão e a implicação de praticamente todas as
forças políticas do País é que tornam impossível que prospere qualquer
operação-abafa.
Pode-se urdir teses jurídicas como a de que é preciso
separar o “joio” (quem enriqueceu de forma ilícita) do “trigo” (o caixa 2
inocente), propor projetos de lei para blindar este ou aquele,
conspirar em bunkers nas madrugadas de Brasília que o final está dado.
Quem for marcado com a cruz escarlate da Lava Jato será carne queimada.
Morto ou “só” mutilado, com pena elevada ou prestando serviços à
comunidade, o destino político (e empresarial, do outro lado) estará
traçado. DO ESTADÃO
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