Das duas uma: ou Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Câmara, vai à tribuna e confessa que mentiu, que exagerou, que extrapolou e que a presidente Dilma Rousseff, pois, jamais classificou de “uma vergonha” a Emenda 164, do PMDB, ou a Soberana entra para a história como aquela que desferiu uma das mais graves agressões ao Parlamento brasileiro. É bom notar: desde a redemocratização, nunca um líder governista enviou um recado como aquele aos deputados! Nem durante a ditadura se viu algo semelhante. Cassavam-se, sim, mandatos; e isso era terrível. Chegou-se mesmo a cercar o Congresso com tanques. Mas a força bruta denunciava o regime de exceção, a discricionariedade.
O Executivo não ousava, no Regime Militar, se assenhorear do Legislativo como se fosse ato rotineiro, regular; não ousava caracterizar a brutalidade como democracia; não ousava, enfim, considerar que a submissão é a postura natural de um dos Poderes da República. O Congresso podia muito pouco diante das armas, mas guardava, ao menos, a sua dignidade. Ontem, mais uma vez — repetindo ação truculenta já protagonizada na votação anterior —-, Vaccarezza pediu aos deputados que queimassem a honra da Câmara no altar do Executivo. Felizmente, a operação não foi bem-sucedida, mas a batalha que há pela frente ainda é longa.
Não foi a única estupidez do dia. Vaccarezza, um deputado cuja sapiência me parece absurdamente superestimada, já tinha dito algo muito grave, a saber: “Esta Casa corre risco quando o governo é derrotado”. Risco de quê? À truculência se junta, então, o que me parece ser uma chantagem. Na democracia, ganhar e perder fazem parte do jogo. Não para o valentão. Desde o encontro de Dilma Rousseff com oito ex-ministros do Meio Ambiente, liderados por Marina Silva, pôs-se para circular a versão de que, caso não goste do texto final, a Rainha Muda pode até vetá-lo na íntegra. Pode, sim. Mas seu veto pode ser derrubado.
Vaccarezza está se mostrando um desastre como líder do governo, e isso prova que não reunia, com efeito, condições de presidir a Câmara, embora ele conte com um bancada razoável de… jornalistas. É um pauteiro e tanto. Quando petistas se rebelaram contra a vontade de Dilma e decidiram que Marco Maia (PT-RS) seria o presidente, partiu da turma do agora líder a pecha de “petista do baixo clero” para designar o adversário interno. Como prêmio de consolação, Vaccarezza ficou com a liderança do governo, que exerce sem brilho, mas com notável truculência.
Na sessão do dia 11, ele já havia demonstrado a sua vocação para chefe de tropa de choque, não para ser uma voz do governo no Parlamento. Escrevi aqui a respeito. Depois de os líderes da base já terem encaminhado, então, contra a votação de um requerimento de Ivan Valente (PSOL-SP), que retirava o projeto de votação, Vaccarezza exigiu a inversão de orientação. Tratava-se de um ritual de humilhação da Câmara. Queria mostrar quem mandava ali.
O líder do governo procedera daquela maneira para evitar a votação de um destaque supressivo da oposição, que acabaria remetendo para os estados a decisão sobre a produção agrícola em áreas de preservação permanente — JÁ OCUPADAS, É BOM DEIXAR CLARO!. A votação foi suspensa, e o que era um destaque supressivo das oposições, que contava com o apoio do PMDB, transformou-se, ontem, numa emenda do PMDB com o apoio das oposições. Sem ter votos, Vaccarezza resolveu apelar à força bruta: tentou transformar a questão num confronto entre governo e oposição, o que era falso; disse que a Câmara correria risco se o governo fosse derrotado e, como recurso extremo, afirmou que Dilma considerava a emenda — DE UM PARTIDO ALIADO — “uma vergonha”.
O PT e o governo Dilma, felizmente, perderam feio. E, se querem saber, era uma derrota desnecessária. Embora o Planalto não morra de amores pela emenda de Aldo Rebelo, acabou encaminhando a favor da sua aprovação; o texto venceu de lavada: 410 a 63. Mas foi além do limite, como se nota, para derrubar a proposta do PMDB e perdeu feio: 273 a 182. Para um governo que tem a maior base de apoio da história republicana, é, sim, um vexame. Vexame que nasce de um vício.
Desde o governo Lula, o Planalto se acostumou com um Congresso submisso, sempre de joelhos, comprado — e ameaçado — com cargos e liberação de verbas do Orçamento, incapaz de demonstrar um gesto altivo, independente. Mas há, sim, reservas de dignidade — além, é já falo a respeito, da decisão do PMDB de mostrar que pode ter vida própria — no Parlamento. O Congresso se viu entre escolher os delírios clorofílicos de Marina Silva (e sua tropa de choque na imprensa) e milhões de pequenos produtores rurais que seriam arruinados caso prevalecesse — e caso prevaleça, já que a coisa não acabou — a vontade dos verdes e “socialistapatas” do PSOL.
A condução da questão pelo governo na Câmara foi desastrosa para o Planalto. As supostas virtudes do governo Dilma — que seria pautado pela racionalidade, pela eficiência, pelo apreço à técnica — entraram em falência ontem, e, de fato, quem comandou a festa foi o PMDB, liderado por Henrique Eduardo Alves (RN). Não que tanto o texto de Aldo como a emenda dos peemedebistas não sejam corretos e sensatos. Qualquer um que tenha lido os textos — e não esteja contaminado pelo milenarismo marinístico — sabe disso.
Ocorre que, de fato, este governo é muito pior do que o silêncio decoroso da Rainha Muda sugere. Durante uns bons quatro meses, parte considerável da imprensa caiu na conversa de que Dilma praticava o silêncio estratégico; não falava muito porque preferia trabalhar demais; expressava-se por meio de intermediários porque haveria cessado a fase da pirotecnia lulista; preferia o resguardo porque se dedicaria a uma intensa vinda interior ; tentaram até fazer dela uma proto-intelectual. Pois é. Sempre preferi pensar que não fala porque, de fato, não tem o que dizer.
Ao falar, então, por intermédio de Vaccareza, produziu o que se viu ontem.
Pode ser que venha a encontrá-lo, mas o fato é que, hoje, o governo está sem eixo e sem rumo. Dilma está no 25º dia de uma “pneumonia leve” que parece lhe tirar boa parte da energia necessária para segurar o rojão. Aquele que vinha sendo — e assim era considerado — o primeiro-ministro do governo, Antonio Palocci, está ocupado demais em NÃO SE EXPLICAR. Qualquer que seja a roupagem que se tente dar ao caso, pessoas razoáveis sabem que ninguém fica milionário em quatro anos trabalhando como deputado. “Mas foi como consultor”, dirão alguns, achando que me distraí. Pois é… Isso caracteriza direitinho o problema. O “consultor” recebeu R$ 20 milhões só no ano da eleição; desse total, R$ 10 milhões foram ganhos com Dilma já eleita e ele como virtual ministro. Palocci é um pato manco. Enquanto essa quetão de seus ganhos fabulosos estiver viva no noticiário, ele está morto como articulador.
Como pode um governo ser fraco com uma base esmagadora? Basta não ter norte. Não conseguindo convencer por meio dos argumentos, tenta o caminho da truculência. Ontem deu estupidamente errado. Ainda bem!
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